Acórdão nº 6692/19.0T8LSB-A.L2-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-06-09

Ano2022
Número Acordão6692/19.0T8LSB-A.L2-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 8ª SECÇÃO


1.–Relatório.


F., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 391º e seguintes do Código do Processo Civil, intentar o presente procedimento cautelar de arresto contra JMR., RES., PMA., AJS., JEF., JAG., JCM, e RMS.

Pedindo que seja decretado o arresto sobre determinados bens que identificou como pertença dos Requeridos, alegando para tanto e em síntese:
- Os Requeridos, com as suas ações e omissões, ilícitas e culposas, provocaram danos aos INQPC (Investidores Não Qualificados em Papel Comercial) que investiram em Papel Comercial da ESI (Espírito Santo International, S.A.) e RFI, (Rio Forte Investments, S.A.) traduzidos no não ressarcimento dos créditos emergentes de tais investimentos, nem nas datas dos respetivos vencimentos, nem até à presente data;
- O crédito detido pelos INQPC foi entretanto transferido para o Requerente, num total de € 561.255.354,52;
- O património da ESI e RFI era insuficiente para reembolsar os INQPC dos investimentos em Papel Comercial emitido por aquelas duas sociedades;
- A ESI e RFI foram declaradas insolventes em 2014, bem como o BES, em 2016, com revogação da autorização para o exercício de atividade de instituição de crédito pelo Banco Central Europeu;
- Os Requeridos oneraram ou alienaram já património;
- A ação principal de que este procedimento cautelar é apenso foi instaurado em 29 de Março de 2019 e ainda se encontra em fase de citação e durará vários anos a ser decidida;
- O Requerente tem fundado receio de que a morosidade inerente à tramitação da ação judicial faça perigar a garantia patrimonial.

Por despacho, proferido em 06/01/2022, o tribunal recorrido indeferiu liminarmente a presente providência cautelar de arresto.

Na sequência do recurso interposto pela Requerente decidiu este tribunal revogar o despacho de indeferimento liminar e determinou a sua substituição por outro que ordenasse o prosseguimento dos ulteriores termos do arresto.

Os autos prosseguiram os seus termos tendo o tribunal “a quo”, por despacho de 08-04-2022, decidido julgar não procedente o presente procedimento cautelar de arresto.

Inconformado com esta decisão veio a Requerente interpor de recurso da mesma pedindo que se revogue a sentença recorrida e substituindo-a por outra que decrete o arresto requerido e ordene o prosseguimento dos ulteriores termos dos presentes autos, tendo para o efeito, após alegações, apresentado as seguintes conclusões:
A.–O Tribunal a quo começou por indeferir liminarmente o presente procedimento cautelar, considerando que o Recorrente não alegou factos que pudessem consubstanciar somente o requisito da providência cautelar de arresto relacionado com o fundado receio de perda de garantia patrimonial (periculum in mora), não pondo, no entanto, em causa a alegação de factos dos quais resulta a provável existência do direito de crédito do Recorrente (fummus bonni juris).
B.–Após revogação da referida decisão de indeferimento liminar por parte deste Tribunal da Relação de Lisboa e após realização do julgamento, o Tribunal a quo vem, agora, julgar improcedente o aludido procedimento cautelar, entendendo, desta vez, que, apesar de afirmar que o Recorrente tem um crédito, não ficou demonstrado que os Recorridos são responsáveis pelo mesmo.
C.–O Recorrente entende que os factos dados como indiciariamente provados pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, só por si, já permitiam concluir que aquele é titular do crédito de que se arroga no Requerimento Inicial e de que os Recorridos são (também) responsáveis pelo mesmo e, assim, concluir pelo preenchimento do requisito do fummus boni juris – vd., em especial, factos indiciariamente provados n.ºs 2 a 29, 31, 38, 40 a 46, 50 a 61, 64 a 66, 69 e 72 a 85.
D.– Desses factos resulta que, no período em causa nos presentes autos (21.10.2013 a 30.04.2014), os 1º a 3º Recorridos eram administradores simultaneamente da ESI, do BES e do Haitong Bank, S.A., e todos os Recorridos eram administradores e faziam parte da Comissão Executiva do BES, integrando Departamentos e Comités relevantes na estrutura deste – factos indiciariamente provados 2 a 29.
E.–Todas as demonstrações financeiras dos exercícios de 2008 a 2012 inclusive da ESI foram aprovadas pelos administradores – facto indiciariamente provado 31.
F.–A celebração do contrato de organização e colocação de papel comercial da ESI e respectivos aditamentos viria a ser ratificada por RS, JES e JMR, na qualidade de administradores da ESI, em reunião do Conselho de Administração de 28 de Outubro de 2013 – cfr. facto indiciariamente provado 38;
G.–Ao abrigo do referido contrato e aditamentos, entre 18 de Setembro de 2013 e 11 de Dezembro de 2013, foram realizadas 54 (cinquenta e quatro) emissões, num total de € 1.382.800.000,00 (mil trezentos e oitenta e dois milhões e oitocentos mil Euros) – cfr. facto indiciariamente provado 39;
H.–Por referência a 31 de Dezembro de 2013, os clientes BES tinham investido um valor total de € 1.473.000.000,00 (mil quatrocentos e setenta e três milhões de Euros) em títulos de dívida da ESI – cfr. facto indiciariamente provado 40;
I.–As demonstrações financeiras constantes das Notas Informativas da ESI difundidas aos clientes de retalho do BES, revelavam capitais próprios da ESI positivos de € 854.580.000,00 (oitocentos e cinquenta e quatro milhões quinhentos e oitenta mil Euros) e € 867.288.000,00 (oitocentos e sessenta e sete milhões duzentos e oitenta e oito mil Euros) nos exercícios de 2011 e 2012, respectivamente – cfr. facto indiciariamente provado 41;
J.–Com referência a 30 de Setembro de 2013, os capitais próprios da ESI eram negativos em € 2.365.922.000,00 (dois mil trezentos e sessenta e cinco milhões novecentos e vinte e dois mil Euros) – cfr. facto indiciariamente provado 43;
K.–Da Nota Informativa para oferta particular de distribuição do Programa de Emissões de Papel Comercial da RFI, fez-se constar as demonstrações financeiras relativas aos exercícios de 2010, 2011 e 2012 – cfr. facto indiciariamente provado 51;
L.–Em Dezembro de 2013, a RFI adquiriu à ESI a participação de 49,26% que esta detinha na ESFG por um preço que ascendeu a € 2.356.000.000,00 (dois mil trezentos e cinquenta e seis milhões de Euros) – cfr. facto indiciariamente provado 52;
M.–A operação foi aprovada por RS, JES e JMR, RES e PMA, juntamente com MFE cfr. facto indiciariamente provado 53;
N.–Tal operação concluiu-se apenas em Janeiro de 2014 – cfr. facto indiciariamente provado 54;
O.–Em Fevereiro de 2014, a PORTUGAL TELECOM, SGPS, S.A. subscreveu papel comercial emitido pela RFI no valor de € 897.000.000,00 (oitocentos e noventa e sete milhões de Euros) – cfr. facto indiciariamente provado 55;
P.–No exercício de 2013, apresentava já um prejuízo acumulado de € 502.159.830,00 (quinhentos e dois milhões cento e cinquenta e nove mil oitocentos e trinta Euros), o seu activo corrente ascendia aos mil milhões de Euros, mas o seu passivo corrente correspondia a 2,9 mil milhões de Euros – cfr. facto indiciariamente provado 56;
Q.–No primeiro semestre de 2014, a RFI continuou a emitir o identificado produto financeiro (papel comercial) tendo por base a mesma Nota Informativa com os mesmos valores de capitais próprios positivos verificados em 2012 – cfr. facto indiciariamente provado 61;
R.–A apresentação e aprovação da comercialização do papel comercial da ESI pelo BES aconteceu na reunião do Comité de Gestão de Activos e Passivos (Assets and Liabilities Comittee - ALCO) do BES de 4 de Setembro de 2013, na qual estiveram presentes, além de outros, os Requeridos AJS, JAG, JEF e JCMcfr. facto indiciariamente provado 72;
S.–Em 11 de Setembro de 2013, o Requerido JAG fez uma apresentação aos directores do BES dando instruções para a colocação de Papel Comercial da ESI – cfr. facto indiciariamente provado 73;
T.–A acta da reunião do Comité de Gestão de Activos e Passivos (Assets and Liabilities Comittee) - ALCO - de 4 de Setembro de 2013 foi posteriormente circulada para apreciação dos membros da Comissão Executiva aqui Requeridos AJS, RMS, JAG, JEF e JCM, que aprovaram e procederam à ratificação em sede de reunião da referida comissão ocorrida em 2 de Outubro de 2013 – cfr. facto indiciariamente provado 74;
U.–O programa de papel comercial da ESI viria também a ser aprovado pelo Comité de Crédito de Risco do Haitong, já após a primeira emissão, em 8 de Outubro de 2013 – cfr. facto indiciariamente provado 76;
V.–Os INQPC, que cederam os seus créditos ao Fundo ora Requerente, desconheciam, a real situação financeira da ESI e RFI, nem foram informados das características do produto financeiro comercializado (papel comercial / títulos de dívida) e dos riscos associados ao investimento em tal produto – cfr. facto indiciariamente provado 77;
W.–O papel comercial foi apresentado pelos colaboradores do BES como se se tratasse de um depósito a prazo com rentabilidade garantida, inexistindo risco de perda de capital – cfr. facto indiciariamente provado 78.
X.–Por decisão proferida em 31 de Maio de 2016, o Banco de Portugal condenou os Requeridos JMR, AJS e JAG pelo cometimento, como autores e a título negligente, de uma contra-ordenação consubstanciada na violação do disposto nos artigos 10.º, 11.º, n.os 1 a 3, 13.º, n.os 1 e 2, 15.º, n.º 2, alínea c), e 18.º, n.os 1 e 2, todos do Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2008, infracção prevista e punível pela alínea m), do artigo 210.º, do RGICSF (não implementação de um sistema de gestão de riscos sólido, eficaz e consistente, no que concerne a actividade de colocação de produtos emitidos por terceiros) – cfr. facto indiciariamente provado 84.
Y.–Os Requeridos JMR, AJS e JAG não impugnaram a referida decisão – cfr. facto indiciariamente provado 85.
Z.–Sem prejuízo da matéria de facto já considerada provada – que, como se disse, seria, na opinião do Recorrente, de
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT