Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 6611/21.3T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-01-23)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2023
PrestaçãoContas-6611/21.3T8VNG.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação de prestação de contas em que figura como
- REQUERENTES: AA, residente em Avenue ..., ..., ..., França;
BB, residente na ..., rue ... ..., ..., França; e
CC, residente em ..., rue ... ..., França; e
- REQUERIDO: DD, casado, residente na rua ..., ..., ..., ... ..., Vila Nova de Gaia;
pedem os requerentes que o requerido preste contas relativamente aos valores movimentados na conta de que eram titulares os falecidos EE e FF ou contestar a ação sob cominação legal e apurando-se saldo favorável para as autoras deve o réu ser condenado a pagar-lhe esse mesmo saldo, acrescido dos juros respetivos.
Deduziram ainda incidente de intervenção provocada dos restantes herdeiros.
Alegaram, para o efeito, que são herdeiras da herança aberta por óbito de EE, falecido no dia 18-08-2015, no estado de casado com FF, tudo conforme escritura de habilitação de herdeiros lavrada a fls. 24, do Livro ......, do Cartório Notarial da Dra. GG, em Vila Nova de Gaia.
São, ainda, herdeiras da herança aberta por óbito de FF, falecida no dia 30-06-2017, no estado de viúva, tudo conforme escritura de habilitação de herdeiros lavrada a fls. 60, do Livro ......, do Cartório Notarial da Dra. GG, em Vila Nova de Gaia.
O R. é igualmente herdeiro das mesmas heranças.
No dia 14/09/2011 EE e mulher FF outorgaram a favor do R. uma procuração e munido da procuração, o R. passou a movimentar a conta bancária de que eram titulares EE e mulher FF junto do banco Banco 1... sob o número de identificação bancária ......
No ano de 2015 o R. fez vários levantamentos da conta, quer em numerários quer em cheque e transferência, tendo o R. movimentado a conta referida mesmo após o dia 18/08/2015, data em que faleceu o mandante EE. No dia 03/09/2015 o R. transferiu o saldo da conta identificada para uma conta do Banco 1..., da qual era titular, com o número de identificação bancária ..., conta essa que o R. passou a movimentar.
Mais alegaram que apesar de várias solicitações por parte das AA., até à presente data o R. nunca apresentou contas relativas aos valores por si movimentados da conta de que eram titulares EE e FF, como não prestou contas dos valores que transferiu para a conta que abriu em seu nome.
Por fim, alegaram que nos termos do disposto na al. d), do artigo 1161º do C. Civil, o mandatário é obrigado a prestar contas findo o mandato ou quando o mandante as exigir.
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Regularmente citado, o requerido contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Alegou para o efeito que foi procurador de EE e FF, tendo prestado sempre àqueles contas da administração das respetivas contas bancárias, contas essas que eram também do conhecimento dos seus atuais herdeiros, incluindo das Autoras.
Os movimentos bancários que as Autoras questionam foram todos realizados em vida da falecida FF (cabeça-de-casal por óbito de EE).
Entende o requerido que não tem obrigação de prestar contas às Autoras, pois as contas já foram prestadas aos mandantes e aprovadas por aqueles e por outro lado, o falecimento da mandante extingue a relação de mandato, sustentando tal posição no Ac. da Relação de Lisboa (processo 806/13.0TVLSB.L1-7 - disponível em dgsi.pt).
Alega, ainda, que o valor do saldo existente à data do óbito da falecida FF, foi devidamente relacionado no âmbito do processo de inventário, que corre termos no Cartório Notarial da Dra. GG por óbito de ambos os mandantes, conforme é do conhecimento das Autoras.
Não obstante, alega que, atenta a sua simplicidade, considerando que estão em causa apenas 14 movimentos bancários que as Autoras questionam, indica a descrição e prova do destino dos mesmos
Doc 4 da PI:
- 4/8/2015 – Levantamento em numerário no montante de 5.000,00€ - pagamento ao Sr. HH, relativo a obras realizadas no imóvel sito à Rua - Doc. 2
- 6/8/2015 – Cheque no montante de 343,29€ - pagamento à X... - Companhia de Seguros S.A., relativo a Seguro Multi-Riscos Habitação do imóvel sito à Rua ...-Doc. 3
- 21/8/2015 – Cheque no montante de 5.200,00€ - pagamento à União de Freguesias ... e ..., relativo à aquisição de jazigo ... - Doc. 4
- 31/8/2015 – Cheque no montante de 2.594,00€ - pagamento à F..., relativo às despesas do funeral de EE - Doc. 5
Doc. 5 da PI:
- 3/9/2015 – Transferência para a conta do Réu no montante de 21.626,18€ - valor relacionado no inventário que corre termos no Cartório Notarial da Dra. GG, sob a verba 2 da relação de bens (Cfr. Doc. 1)
Doc. 6 da PI
O facto de as Autoras possuírem o documento 6 junto com a petição inicial – extrato bancário da conta do Réu – é a prova cabal de que as contas foram já prestadas e são do conhecimento das Autoras.
– Cheque no montante de 5.000,00€ - pagamento ao Sr. HH, relativo a obras realizadas no imóvel sito à Rua - Doc. 2
- 1/10/2015 – Cheque no montante de 5.000,00€ - pagamento ao Sr. HH, relativo a obras realizadas no imóvel sito à Rua - Doc. 2
- 26/10/2015 – Cheque no montante de 3.000,00€ - pagamento à M..., relativo aos Mármores aplicados no jazigo onde se encontram sepultados atualmente EE e FF – Doc. 6
- 29/10/2015 – Cheque no montante de 1.894,20€ - pagamento ao Sr. HH, relativo a obras realizadas no imóvel sito à Rua - Doc. 2
- 11/10/2015 – Cheque no montante de 664,55€ - pagamento à Autoridade Tributária, relativo ao IMI - Doc. 7
- 8/6/2017 – Transferência no montante de 37,43€ - pagamento ao condomínio do prédio ..., relativo à fração P – Doc. 8
- 8/6/2017 – Transferência no montante de 40,41€ - pagamento ao condomínio do prédio ..., relativo à fração C – Doc. 8
- 8/6/2017 – Transferência no montante de 25,31€ - pagamento ao condomínio do prédio ..., relativo à fração BR – Doc. 8
Refere, por fim, que as Autoras não possuem qualquer saldo que possa ser reclamado no âmbito da presente ação, pois, para além do saldo existente já estar relacionado no inventário, resulta da prova que juntou que as despesas realizadas se encontram devidamente justificadas, pelo que devem ser aprovadas.
Termina por pedir que se julgue a ação improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu da obrigação de prestar contas e caso assim não se entenda, deverão ser julgadas justificadas as despesas apresentadas pelo Réu e o mesmo absolvido do pedido.
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As Requerentes vieram responder à contestação, impugnando os factos alegados, referindo que o requerido nunca prestou contas aos titulares das constas, nem às requerentes, transferiu o saldo da conta titulada por FF para conta pessoal do requerido, sendo inferior o valor que foi relacionado no inventário. Referem, ainda, que as contas prestadas não revestem a forma legal.
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Proferiu-se despacho que admitiu o incidente de intervenção principal provocada e citados os intervenientes, vieram os intervenientes II, JJ, KK, LL, MM e NN juntar procuração.
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O requerido veio em novo articular reiterar a sua posição no sentido de ter prestado contas aos titulares das contas bancárias.
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Proferiu-se o seguinte despacho:
“Tendo por referência a factualidade alegada na petição inicial entendemos ser possível proferir desde já decisão quanto à questão de saber se o réu está obrigado a prestar contas, pelo que entendemos como desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 942º, nº 3 e 294º e 295º do CPC.”
Seguiu-se a sentença com a decisão que se transcreve:
“Termos em que se julga a ação improcedente e se absolve o réu do pedido formulado.
Valor da ação: € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros)”.
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As requerentes AA, BB e CC vieram interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentaram as apelantes formularam as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida, com a qual as recorrentes não se conformam, julga improcedente a ação especial de prestação de contas, sustentando que, fundando-se a administração do R. num contrato de mandato, após a morte dos mandantes caduca o dito contrato, não podendo as contas ser exigidas por quem não seja mandante, negando tal direito aos herdeiros deste;
2. No caso concreto dos autos estamos na presença de administração de bens alheios por parte do R., atos esses praticados tendo como suporte um contrato de mandato;
3. A tese sustentada pela sentença recorrida, de que após a morte dos mandantes os seus herdeiros não podem exigir contas da administração do R., significa uma impossibilidade de escrutínio daquela administração de bens alheios;
4. Tal como doutamente sustentado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto com data de 08-03-2022, proferido no âmbito do processo 2736/19.3T8VFR.P1, publicado no sítio da internet www.dgsi.pt, para existir obrigação de prestações de contas releva o facto de existir administração de bens alheios, não a fonte da administração, referindo:
“Para efeitos de aferir da existência ou não da obrigação de prestar contas não releva a fonte de administração que gera a obrigação, mas o facto de ter havido administração de bens alheios.”;
5. Nesse mesmo sentido decidiu também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo 2318/18.7T8AGD.P1, datado de 02-12-2021, in www.dgsi.pt;
6. Não pode ser confundida a intransmissibilidade do contrato mandato com a obrigação de prestar contas por parte de quem administra bens alheios, sendo esta uma obrigação que assenta numa relação jurídica de natureza patrimonial, a qual se transmite aos sucessores;
7. Atenda a natureza patrimonial da relação jurídica subjacente à obrigação de prestar contas e, por consequência, à sua transmissibilidade mortis causa, é legítimo aos herdeiros dos mandantes exigir do mandatário a prestação de contas, relativamente à gestão por este efetuada no âmbito do contrato que caducou com a morte dos mandantes;
8. A sentença recorrida confunde a
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