Acórdão nº 656/20.8T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-03-30

Data de Julgamento30 Março 2023
Ano2023
Número Acordão656/20.8T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte

ACÓRDÃO

I – Relatório:

Na ação declarativa, sob a forma de processo comum, instaurada por Freguesia ... contra AA e mulher BB:

1. A autora:
1.1. Pediu a condenação dos réus a reconhecerem «(…) que o prédio descrito sob o artigo ...º da petição inicial é atravessado por um caminho público com 80cm de largura, no sentido Rua ... - sul, que esse caminho faz parte do domínio público da Junta de Freguesia ... e, consequentemente, que se abstenham da prática de quaisquer actos que possam perturbar, impedir ou limitar o exercício público desse direito, quer pela Junta de Freguesia, quer por qualquer pessoa que por ele transite e ainda, condenarem-se os réus a reporem o caminho, de forma a deixar livre a passagem (…)».
1.2. Alegou, em síntese: que existe um caminho (com largura de 80 centímetros, por uma extensão de 159 metros aproximadamente, que se inicia na Estrada ... ou Rua ...), faz a ligação a um caminho público a sul da estrada e a outros caminhos, dá acesso a diversas propriedades rústicas (inclusive algumas que com o mesmo confinam, como as cinco indicadas), circularam e circulam no mesmo quaisquer pessoas, quando o desejaram ou quiseram; que este caminho é ancestral, está aberto há mais de 100 anos e tem utilidade pública; que desde a abertura do referido caminho, que a requerente e seus antecessores levam a cabo obras de manutenção e limpeza necessárias à sua utilização, sem quezílias ou oposição de quem quer que fosse, nunca tendo sido perturbados na sua posse e fruição, colhendo o respeito geral, agindo na convicção, que é certeza, de que exerce os poderes inerentes ao direito de propriedade sobre aquele terreno, pelo que, sempre teriam direito a utilizar o caminho por via da usucapião, o que se invoca para todos os efeitos; que os réus obstruíram e apropriaram-se parcialmente no decurso do ano de 2020 de parte do caminho, contra a vontade da autora.
2. Os réus apresentaram contestação, na qual, em síntese:
a) Arguiram a incompetência do Tribunal em razão da matéria.
b) Impugnaram a totalidade da alegação da petição inicial, por falsidade e desconhecimento, constante dos seus arts.1º ao 27º.
3. Foi proferido despacho a convidar a autora, nos termos do artigo 597º/1-a) do C. P. Civil, a vir aos autos dizer o que tivesse por conveniente relativamente à matéria excetiva suscitada na contestação, com a cominação prevista no artigo 587º/ 1 do C. P. Civil.
4. A autora respondeu à exceção, contestando a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
5. Foi proferido despacho saneador-sentença a 03.10.2020, com prévia menção de dispensa de realização de audiência prévia, no qual:
5.1. Foi julgada improcedente a exceção de incompetência territorial arguida.
5.2. Foi conhecido imediatamente o mérito da causa, mediante os factos alegados na petição inicial, sendo julgada a ação improcedente, por o Tribunal a quo ter entendido que, em relação às três características que considerou serem exigidas para o reconhecimento da qualidade de caminho público (uso direto e imediato pelo público, uso desde tempos imemoriais, afetação à utilidade pública), não se perspetivava a satisfação do requisito dos interesses coletivos com certo grau de relevância, que contribuísse para a afetação do terreno à utilidade pública, uma vez: que o uso do caminho por pessoas que pretendiam fabricar o terreno denotaria um uso circunscrito do mesmo, de caráter privatístico; que a utilização do trato de terreno por algumas pessoas na ligação a outros caminhos seria característica apenas dos atravessadouros.
6. A autora interpôs recurso de apelação da decisão de I-5.2. supra, recurso no qual, a 15.06.2021, foi proferido acórdão que:
6.1. Considerou, na fundamentação:
«(…) De facto, analisando a petição inicial, verifica-se que a autora:
a) Alegou, quanto ao acesso e às utilidades do caminho que qualificou como sendo público: que o caminho dava acesso a prédios da freguesia, exemplificados com 5 prédios alegados, sem qualquer indicação taxativa (art.2º da petição inicial); que o caminho dava acesso a outros caminhos da freguesia (art.8º da petição inicial); que o caminho tem sido usado desde a sua abertura, há 100 anos, para circulação a pé, de forma livre e por todos as pessoas em geral, sempre que o desejassem e entendessem, em qualquer altura do ano, a qualquer hora (arts. 16º ss da petição inicial); que havia transeuntes com necessidade de utilização do caminho (art.7º da petição inicial).
b) Alegou, quanto à manutenção e limpeza do caminho: que este, desde a sua abertura, foi sempre cuidado pela Junta de Freguesia requerente e pelos seus antecessores, que realizaram as obras de manutenção e limpeza necessárias à sua utilização (art.15º da petição inicial).
c) Invocou a utilidade pública do caminho ancestral, reconhecida por todas as pessoas (art.11º da petição inicial).
Perante esta matéria de facto, os réus/recorridos: não defenderam que os factos alegados, por si próprios, eram insuficientes para o reconhecimento do direito invocado, nomeadamente com a interpretação dos mesmos dada pelo Tribunal a quo na sentença; defenderam-se apenas por impugnação, tornando controvertidos os factos impugnados e carecidos de prova.
O Tribunal a quo, mediante este quadro de facto e de direito, proferiu imediatamente decisão de mérito com uma interpretação restritiva de alguns dos factos alegados e com omissão de conhecimento de outros factos alegados e de invocações realizadas pela autora, sem proferir qualquer despacho prévio de aperfeiçoamento e sem ouvir previamente as partes sobre a solução jurídica considerada perante os factos alegados.
De facto, o Tribunal a quo, na sua decisão: considerou que a petição inicial se limitou a alegar que o caminho servia prédios particulares, revelador apenas de interesses privatísticos, e que dava acesso a outros caminhos, que caracterizam os atravessadouros; mas não ponderou para efeito da utilidade pública os demais factos alegados e referidos supra e a qualificação de utilidade pública referida como reconhecida pelas pessoas (nomeadamente os do corpo do texto do art.2º, os arts.7º, 8º, 16º ss, 15º da petição inicial, referidos supra).
Todavia, adotou esta posição: não só com omissão de qualquer despacho prévio de aperfeiçoamento, nos termos do art.590º/2-b), 4 a 6 do C. P. Civil, em relação aos factos que julgasse insuficientes e pudessem ser desenvolvidos para compreender a existência ou não de alegação de interesse coletivo e público (nomeadamente, a importância coletiva do acesso aos prédios, aos caminhos e ao trânsito geral alegado como realizado e a necessidade do caminho, nomeadamente com clarificação da área da freguesia servida com o caminho- prédios, caminhos e necessidades); mas também com omissão de audição das partes sobre o sentido da decisão, não previamente discutida.
Sendo exigível que o Tribunal a quo tivesse ouvido as partes sobre as insuficiências concretas de alegação que entendia terem ocorrido e poderiam comprometer a procedência da ação, antes da prolação de uma decisão de mérito (face ao referido quadro da discussão de facto e de direito realizada nos articulados e à posição restrita que viriam a adotar mediante os factos alegados e controvertidos), nos termos do art.3º/3 do C. P. Civil (passível de concretizar nos termos do art. 591º/1- b) ex vi do art.597º/b) do C. P. Civil), a omissão deste contraditório constitui uma irregularidade passível de afetar a decisão e, nessa medida, uma nulidade, nos termos assinalados do art.195º do C. P. Civil.
Reconhecendo-se esta nulidade, deve anular-se a decisão proferida com essa falta, nos termos do art.195º do C. P. Civil.
Esta anulação exige que a tramitação subsequente do processo ocorra na 1ª instância: para cumprimento do contraditório em falta (sem prejuízo do Tribunal a quo proceder previamente, ainda, ao convite ao aperfeiçoamento do art.590º/2-b), 4 a 6 do C. P. Civil, caso julgue conveniente face aos factos alegados); para determinar os termos subsequentes da lide, entre os despachos previstos no art.597º do C. P. Civil, que forem adequados aos factos alegados e controvertidos e às posições que vierem a ser assumidas pelas partes nas respostas a esse(s) despacho(s) prévio(s), de acordo com o critério das soluções plausíveis das questões de direito.».

6.2. Decidiu:
«Pelo exposto, as juízes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação de Guimarães:
1. Reconhecem a nulidade processual de preterição do contraditório quanto ao conhecimento do mérito da causa na fase de saneamento do processo, julgando-se anulada a decisão recorrida subsequente.
2. Determinam que o processo desça à 1ª instância para cumprir o contraditório em falta (sem prejuízo da prévia operância do despacho do art.590º/2-b), 4 a 6 do C. P. Civil), e termos subsequentes da lide, entre os despachos previstos no art.597º do C. P. Civil.».
7. Descido o processo à 1ª instância, a 03.11.2021 foi proferido despacho a convidar: a autora a alegar «(…) factos que (…) pudessem ser desenvolvidos para compreender a existência ou não de alegação de interesse coletivo e público (nomeadamente, a importância coletiva do acesso aos prédios, aos caminhos e ao trânsito geral alegado como realizado e a necessidade do caminho, nomeadamente com clarificação da área da freguesia servida com o caminho- prédios, caminhos e necessidades);»; os réus a cumprirem o contraditório.
8. Em resposta ao despacho referido em I-7 supra:
8.1. A autora:
a) Alegou:
«O caminho descrito nos autos, como referido na clausula 2ª da P.I, dá acesso às mencionas propriedades referida em a) a e) que directamente confinam com o caminho, ou seja, para acederem à essas propriedades esses proprietários têm de usar esse caminho, não tendo outro acesso as propriedades;
Acresce que, esse caminho dá acesso a...

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