Acórdão nº 653/16.8T8ACB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-05-30

Ano2023
Número Acordão653/16.8T8ACB.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Relatora: Helena Melo
1.º Adjunto: José Avelino Gonçalves
2.º Adjunto: Arlindo Oliveira


Processo 653/16.8T8ACB.C1

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA veio requerer a declaração da sua insolvência e a exoneração do passivo restante, tendo sido declarada insolvente, por sentença datada de 17 de Março de 2016.

Por despacho de 29.06.2016 foi decidido admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente, fixando-se como rendimento indisponível o valor correspondente a um vez e meia o salário mínimo mensalmente garantido que a cada momento vigorar, por se considerar suficiente para o sustento digno da insolvente e do seu agregado familiar, ficando a insolvente, durante o período de cessão, sujeita às obrigações e condições previstas no artigo 239.º, n.º 4, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

Foi no mesmo despacho nomeado como fiduciário, o Sr. Administrador da Insolvência BB, consignando-se que o prazo de cinco anos durante o qual a insolvente terá de entregar o rendimento disponível, iniciar-se-á após o encerramento do processo nos termos do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Por despacho de 15.02.2023 foi decidido “revogar” a exoneração do passivo restante.

A insolvente não se conformou e veio interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações do seguinte modo:

43.[1] O douto despacho recorrido violou os pressupostos de aplicação do artigo 246º nº 1 do C.I.R.E., extraindo conclusões forçadas do comportamento da insolvente, as quais não objetivou nem fundamentou devidamente.

44. O incumprimento tout court das obrigações de cessão do rendimento disponível e de informação, por si só, não legitima a conclusão forçada de que esse incumprimento foi doloso, ao ponto de justificar a revogação do benefício da exoneração do passivo restante.

45. Não constam do processo elementos suficientes que permitam concluir que ao incumprimento, por parte da Insolvente, deverão ser acrescentados os elementos cognitivo e volitivo caraterísticos do dolo.

46. O incumprimento das obrigações acima referidas poderá ser meramente negligente e, como tal, não é suficiente para o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 246º nº 1 do C.I.R.E.

47. Por outro lado, o prejuízo causado aos credores terá que ser relevante e essa relevância deverá decorrer, quer do montante que não foi cedido aos credores, quer do montante dos créditos reclamados e ainda da qualidade dos credores.

48. Ora, sendo os credores reclamantes instituições financeiras, ou agindo como tal, o montante não cedido de apenas €2.330,50 e cifrando-se os créditos reclamados em €35.739,89, não será possível caraterizar o prejuízo como relevante para os fins do artigo 246º nº 1 do C.I.R.E.

49. Deste modo, inexistem nos autos elementos que permitam apontar para um incumprimento leviano, irresponsável e doloso por parte da Insolvente, com caraterísticas de prevaricação.

50. Nem tão pouco se poderá extrair a conclusão de que o impacte do incumprimento na satisfação dos créditos reclamados seja de tal modo grave que se possa caraterizar como relevante para os fins do artigo 246º nº 1 do C.I.R.E.

51. Deste modo, deverão ser consideradas como forçadas as conclusões do douto despacho recorrido e de modo nenhum legitimadoras, à luz dos parâmetros da proporcionalidade e razoabilidade, da revogação do benefício da exoneração do passivo restante.

52. Pelas razões acima expendidas, deverá ainda considerar-se como inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, decorrentes dos artigos 2º e 18º nº 2 da C.R.P., a dimensão interpretativa do artigo 246º nº 1 do C.I.R.E., quando interpretado no sentido de que o incumprimento tout court das obrigações do período de cessão é necessariamente doloso e causador de prejuízo relevante para a satisfação dos credores.

53. Assim, por violação do artigo 246º nº 1 do C.I.R.E., deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que defira a exoneração do passivo restante.

Com o que se fará Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

II – Objeto do recurso

Considerando as conclusões da apelação, as quais delimitam o objeto da apelação, decidir se deve ser proferida decisão final de exoneração do passivo restante.

III – Fundamentação

Resulta dos autos a seguinte factualidade:

. Por despacho de 29.06.2016 foi decidido admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente, fixando-se como rendimento indisponível o valor correspondente a um vez e meia o salário mínimo mensalmente garantido que a cada momento vigorar, ficando a insolvente, durante o período de cessão, sujeita às obrigações e condições previstas no artigo 239.º, n.º 4, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

. Foi no mesmo despacho nomeado como fiduciário, o Sr. Administrador da Insolvência BB, consignando-se que o prazo de cinco anos durante o qual a insolvente teria de entregar o rendimento disponível, iniciar-se-ia após o encerramento do processo nos termos do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

.Em 22.06.2017 foi ordenado o arquivamento do processo por insuficiência da massa insolvente e consignou-se que se iniciava nessa data o período de cessão, tendo a devedora sido notificada do despacho.

. Em 04.12.2019, o fiduciário veio informar que não tinha logrado obter até à data documentação relativa à situação económica/laboral da devedora, porquanto a mesma veio novamente devolvida com a indicação “não atendeu”, pelo que requereu que fosse ordenada a notificação da devedora para vir remeter a documentação pretendida, nomeadamente recibos de vencimento relativos a 2017 e 2018 ou inscrição no centro de emprego, se fosse o caso.

. Em 12.06.2019, o fiduciário informou que não conseguia obter informação da insolvente para elaborar o relatório a que alude o artº 240º do CIRE.

.Em 10.12.2019 foi proferido o seguinte despacho:

“Face ao expresso no relatório que antecede, determino que a devedora insolvente AA seja pessoalmente notificada, para esclarecer porque não prestou informação completa sobre os seus rendimentos ao Sr. Fiduciário, nem realizou todas as cedências do rendimento disponível e, bem assim, juntar aos autos prova documental dos rendimentos que tem vindo a auferir, ou da sua inscrição no Centro de Emprego (artigo 243.º do Cire),

.Em 14.02.2020 a insolvente foi notificada na sua própria pessoa, numa nova morada – Rua ...-1ºDrt., ... ....

. Em 29.07.2020 o Fiduciário juntou o seguinte relatório:

“Relatório Anual de 2017 a 2020 (art.º 240.º do CIRE)

1. À data de declaração de insolvência a insolvente exercia as funções inerentes à categoria profissional de “ajudante de lar e centro de dia I” por conta da Santa Casa da Misericórdia ..., auferindo a remuneração mensal de € 665,00.

2. Por douta decisão judicial foi concedido o benefício da exoneração do passivo restante à devedora, tendo sido fixado como rendimento indisponível o montante equivalente a um salário mínimo nacional e meio o que atualmente corresponde a €952,50.

3. A devedora até à data não cedeu qualquer montante para a massa, considerando-se por não estar em condições de o fazer.

4. O fiduciário notificou a devedora para vir juntar informação/documentação relativa à sua situação económica/laboral atual.

5. A devedora não veio prestar qualquer informação quanto aos rendimentos por si auferidos, a fim de aferir o cumprimento do doutamente fixado no despacho de exoneração de passivo.

Face ao exposto,

Requer a V. Ex.ª se digne ordenar a notificação à devedora para vir remeter a documentação pretendida, nomeadamente recibos de vencimento relativos a 2017, 2018, 2019 e 2020 ou comprovativos de inscrição no centro de emprego, se for o caso, a fim de poder verificar se houve alguma alteração à situação económica/laboral da mesma e poder complementar o presentar relatório.”

.Em 20.10.2020 foi proferido despacho ordenando a notificação pessoal da devedora para prestar as informações solicitadas pelo fiduciário.

.Em 20.01.2021 o fiduciário veio apresentar novo relatório, relativo aos anos de 2017 a 2019, após ter recebido documentos da insolvente, onde consta, designadamente:

Relatório Anual de 2017 a 2019 (art.º 240.º do CIRE)

“A devedora veio remeter a documentação relativa à sua situação económica/laboral desde Julho de 2017 a Dezembro de 2019 que tem em sua posse (doc. 1 a 27)

Compulsada a referida documentação, apurou-se que a sua situação se mantém inalterada desde a data da declaração de insolvência, ou seja, a mesma continua empregada auferindo uma retribuição de cerca de €700,00.

Mais se constatou que o rendimento líquido da devedora não ultrapassou o montante doutamente fixado, à exceção dos meses em que a mesma auferiu os subsídios de férias e de natal pelo que deveria ter entregue à massa o remanescente auferido conforme melhor se verifica infra:”, apresentando um mapa e concluindo que “a devedora tem assim em divida à massa a quantia de €2.330,50 pelo que se notifica a mesma para vir regularizar a sua situação com a massa”.

.Em 26.05.2021 foi proferido despacho determinando a notificação pessoal da insolvente para esclarecer porque não cedeu a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT