Acórdão nº 650/22.4T8VLG-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 30-01-2024

Data de Julgamento30 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão650/22.4T8VLG-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 650/22.4T8VLG-A.P1

Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Maria Eiró
Anabela Dias da Silva

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO

Apelante: A..., Unipessoal, Ld.ª (segunda ré).
Apelados: AA e marido, BB (autores).
Co-ré: B..., Ld.ª (primeira ré).

Interveniente principal provocada: C..., S.A..

Juízo local cível de Valongo (lugar de provimento de Juiz 1) – T. J. da Comarca do Porto.


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Logo na petição inicial (cuja parte narrativa se desenvolve em 257 artigos) com que intentaram a presente acção comum demandando as rés B..., Ld.ª (primeira ré) e A..., Unipessoal, Ld.ª (segunda ré), os autores AA e marido, BB (autores) requereram o depoimento de parte do legal representante da 2ª ré (que identificaram) a toda a matéria de que tivesse conhecimento pessoal e fosse susceptível de ser confessada.
Contestada a acção por ambas as rés e apresentado, pelos autores, articulado a responder à matéria de excepção invocada – e depois de admitido incidente de intervenção principal provocado da sociedade C..., S.A. –, foi realizada audiência prévia, na qual se proferiu despacho que, além de fixar o valor da causa, de afirmar a validade e regularidade da instância, de identificar o objecto do litígio e considerar ser de dispensar a enunciação dos temas da prova, deferiu que os autores, em dez dias, viessem concretizar a matéria sobre a qual deveria incidir o depoimento de parte do legal representante da segunda ré.
Concretizada pelos autores tal matéria (artigos 9º, 10º, 12º, 24º, 28º a 36º, 40º a 44º, 46º a 48º, 64º, 65º, 84º, 149º, 150º, 159º e 164º da petição inicial e artigos 57º a 60º e 77º a 80º do articulado de resposta à matéria de excepção alegada em contestação) e facultada à segunda ré pronúncia sobre a questão (na qual conclui pela inadmissibilidade do depoimento sobre os factos 9º, 10º, 12º, 24º, 28º a 36º, 40º a 44º, 46º a 48º, 64º, 65º, 84º, 149º, 150º, 159º e 164º da petição inicial e 77º a 80ºdo articulado de resposta, por não consubstanciarem factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento), foi proferido despacho com o seguinte teor:
O depoimento de parte constitui o meio processual de provocar a confissão judicial, pelo que é admissível quando recai sobre factos pessoais desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte que requer o depoimento.

Assim, admito o requerido depoimento de parte do legal representante da segunda Ré à matéria dos artigos 9.º, 10.º, 12.º, 24.º, 28.º a 36.º, 40.º a 44.º, 64.º, 65.º, 84.º, 149.º, 150.º, 159.º e 164.º da petição inicial e artigos 57.º a 60.º do requerimento de 01.09.2022, porquanto admissível nos termos dos artigos 452.º a 454.º, ambos do Código de Processo Civil, uma vez que se trata de matéria sobre a qual, de acordo com o alegado pelos Autores, a segunda Ré terá conhecimento por força da sua atuação no âmbito das relações estabelecidas entre todas as partes e que constituem objeto dos presentes autos.

Consequentemente, indefiro o requerido depoimento de parte do legal representante da segunda Ré à restante matéria indicada (artigos 46.º a 48.º da petição inicial e 77.º a 80.º do requerimento de 01.09.2022), por não se tratar de factos pessoais, designadamente nos termos supra analisados.

Deste despacho apela a segunda ré, pretendendo a sua revogação e substituição por outro que não admita o depoimento de parte do legal representante à matéria dos artigos 9º, 10º, 28º a 30º, 32º a 36º, 40º, 42º a 44º, 149º, 150º, 159º e 164º da petição inicial, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) Na audiência prévia de 15.05.2023 foi proferido despacho que concedeu um prazo de 10 dias para os AA. discriminarem “por artigos a matéria sobre a qual pretendem que seja prestado o depoimento de parte do legal representante da segunda ré”.

B) No dia 25.05.2023, os AA. apresentaram requerimento a indicar especificadamente a matéria de facto para esse depoimento de parte da 2.ª R., o que foi parcialmente admitido pelo despacho recorrido.

C) O depoimento de parte visa a confissão do depoente (artigos 352.º e 356.º, n.º 2, do código civil) e só pode ser admitido em relação a factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento (artigo 454.º, n.º 1, do CPC). Ora,

D) Os factos alegados nos artigos 9.º, 10.º, 28.º a 30.º, 32.º a 36.º, 40.º, 42.º a 44.º, 149.º, 150.º, 159.º e 164.º da petição inicial não são factos pessoais da 2ª R. ou de que ela deva ter conhecimento. Por conseguinte,

E) Salvo o devido respeito, o despacho recorrido violou, além do mais, o disposto nos artigos 352.º e 356.º, n.º 2, do Código Civil e 454.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Contra-alegaram os autores em defesa do despacho apelado, concluindo pela improcedência da apelação.


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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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Da delimitação do objecto do recurso.

Considerando, conjugadamente, a decisão recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), emerge cristalina a questão a apreciar: apreciar e decidir se o depoimento de parte do legal representante da segunda ré apelante à matéria dos artigos 9º, 10º, 28º a 30º, 32º a 36º, 40º, 42º a 44º, 149º, 150º, 159º e 164º da petição inicial é inadmissível, por não respeitar a factos pessoais ou de que a parte deva ter conhecimento (restrição estabelecida no art. 454º, nº 1 do CPC).


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FUNDAMENTAÇÃO

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Fundamentação de facto

Importa considerar, como relevante para a decisão, terem os autores apelados alegado na sua petição inicial, para lá do demais que não releva (além dos que os contextualizam e enquadram, enunciam-se em itálico os artigos da petição inicial relativamente aos quais foi admitida a prestação do depoimento de parte do legal representante da segunda ré que no presente recurso se censura):

‘(…)

Em meados de julho de 2020, na sequência de um panfleto da 1ª Ré que os Autores receberam na sua caixa de correio, atento o interesse em vender o imóvel da propriedade de ambos, sito na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º ...19 e inscrito na matriz predial urbana com o artigo n.º ...05 da União de Freguesias ... e ... (Cfr. Doc. n.ºs 2 e 3),

e, simultaneamente, o interesse em comprar um terreno apto à construção,

os Autores contactaram com a 1.ª Ré, a qual exerce a atividade de mediação imobiliária, através da Licença AMI n.º ...67, emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (Cfr. Doc. n.º 4).

Em face do exposto, os Autores celebraram com a 1.ª Ré um contrato de mediação imobiliária,

mediante o qual, a 1.ª Ré, obrigou-se a diligenciar pela promoção e venda do imóvel de que os Autores eram proprietários, supra identificado,

e, além disso, no âmbito da relação estabelecida entre os Autores e a 1.ª Ré, a 1.ª Ré obrigou-se ainda a diligenciar no sentido de encontrar um terreno apto a construção para compra por parte dos Autores,

sendo que, conforme era do seu perfeito conhecimento, os AA. jamais procederiam à alienação do seu imóvel, enquanto não tivessem adquirido um terreno para construção de uma moradia.

Sucede que, atenta a inexistência em carteira de terreno com as características pretendidas pelos Autores, a 1.ª Ré, através da pessoa do Sr. CC, informou os mesmos de que tinham conhecimento da existência de um terreno com as características pretendidas pelos Autores, agenciado por outra imobiliária, a ora 2.ª Ré,

10º

tendo-se prontificado para intermediar os contactos entre os Autores e a 2.ª Ré, partilhando, as Rés, a comissão daí resultante,

11º

o que veio a suceder.

12º

Cumpre referir que, à semelhança da 1.ª Ré, a 2.ª Ré também se dedica, entre outras, à atividade de mediação imobiliária, através...

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