Acórdão nº 65/19.1T8RDD-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-10-13

Data de Julgamento13 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão65/19.1T8RDD-D.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 65/19.1T8RDD-D.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Évora[1]

*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. S., Lda., Expropriada no processo acima identificado, notificada do despacho proferido em 29.03.2022, que indeferiu a requerida tomada de declarações de parte do seu legal representante e a inquirição das testemunhas por si arroladas, e não se conformando com o mesmo, apresentou o presente recurso de apelação pedindo que o despacho recorrido seja revogado, e terminando com as seguintes conclusões[3]:
«1ª A expropriação de parte da Herdade C… para a construção de uma linha ferroviária, com a afetação da exploração agropecuária que aí se desenvolve (designadamente de touros bravos) e com a divisão da propriedade em duas partes separadas entre si, gera uma situação complexa, seja quanto a essa exploração, seja quanto à desvalorização das parcelas sobrantes no mercado;
2ª Apesar de a Expropriada ter peticionado diferentes tipos de danos que esta expropriação/linha ferroviária vem causar à propriedade, na Avaliação pericial efetuada os Senhores Peritos designados pelo Tribunal desconsideraram em absoluto os diversos tipos de danos que, para além do solo expropriado e das existências que aí se registaram, se verificam na parte sobrante da propriedade, na exploração agropecuária aí desenvolvida e no seu valor de mercado. (…)
Mas a questão não tem só que ver com o facto de não ter sido calculada qualquer indemnização pelos diferentes tipos de danos que esta expropriação vem causar na exploração agropecuária e nas parcelas sobrantes (supra, nº 9): o que importa constatar é que a Avaliação pericial maioritária não registou quaisquer factos de onde se pode considerar a existência desses danos e, portanto, a necessidade de serem indemnizados. E a Avaliação pericial maioritária não registou esses factos e desvalorizações porque o critério indemnizatório aí utilizado padece de um estruturante erro nos pressupostos. (…)
a. Por um lado, a questão indemnizatória das sobrantes só foi analisada por estes Peritos maioritários numa perspetiva: a perspetiva da funcionalidade, dos cómodos em causa; em suma da utilidade. (…)
b. Por outro lado, a perspetiva redutora dos Peritos maioritários relativamente à afetação da exploração agropecuária: o facto de ser assegurada a passagem entre a parte sobrante norte da propriedade e a parte sobrante sul é diferente de não haver qualquer divisão da propriedade, sem uma linha férrea pelo meio a dividir, a condicionar, com locais específicos de passagem (estreitos, com o piso não natural), sem a continuidade natural do solo.
3ª Pelo contrário, numa atitude e metodologia analítica e rigorosa da situação em causa, este Perito indicado pela Expropriada, Engro. J…, atendeu e caracterizou os essenciais da afetação que esta expropriação, linha ferroviária e divisão estruturante da propriedade vem causar à exploração agropecuária desenvolvida nesta propriedade e ao valor de mercado das parcelas sobrantes e do edificado aí existente.
4ª A absoluta necessidade de o Tribunal esclarecer e conhecer os factos relativos à afetação que esta expropriação/linha férrea vem causar na exploração agropecuária desenvolvida nesta propriedade e no valor de mercado da propriedade e das parcelas sobrantes – A necessária procedência deste recurso numa perspetiva estrutural, principialista e constitucional. (…)
Assim, o que se verifica é um efetivo deficit na descrição da situação de facto (complexa) com que nos deparamos, impedindo-se assim que o Tribunal, na fase de julgamento, possa daí retirar consequências indemnizatórias. (…)
Mantendo-se a decisão recorrida resulta violado o direito da Expropriada à instrução do processo; neste caso, por se tratar de uma expropriação, do direito fundamental de defesa perante uma ablação do seu direito fundamental de propriedade privada. Em suma, perde-se o direito fundamental a um processo equitativo e o essencial/material do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20º da Constituição). (…)
4ª.4 Neste contexto e para assegurar esses princípios e direitos fundamentais, torna-se necessário/essencial que o Tribunal recolha os depoimentos das testemunhas que a Recorrente Expropriada indicou e do seu representante: são pessoas que conhecem a realidade (propriedade e exploração agropecuária) que se pretende avaliar e que podem auxiliar o Tribunal recorrido a atender a fatores que não vêm abordados na Avaliação pericial maioritária) (…).
5ª O ilegal indeferimento da tomada de declarações de parte não pode ser mantida, seja pelas razões gerais que ficaram referidas nos nºs. 12 a 14 destas Alegações, seja pelas seguintes razões principais:
5ª.1 No seu Requerimento de 14.02.2022 a Expropriada cumpriu de pleno o Despacho de 31.01.2022, pois referiu aí expressamente, como solicitado, que “os factos relativos às declarações de parte são essencialmente os que se referem à desvalorização das parcelas sobrantes e demais danos provocados por esta expropriação na propriedade em que se integram as parcelas expropriadas, factos esses que foram referidos nos arts. 9º a 19º da petição de recurso do Acórdão Arbitral da Expropriada”.
Quanto ao rol de Testemunhas apresentado, a Expropriada teve a oportunidade de salientar o facto de serem “pessoas que não só conhecem a propriedade em causa, como também conhecem outras propriedades na envolvência desta e, sobretudo, que conhecem o mercado deste tipo de propriedades no Alentejo, sendo o seu testemunho essencial para apurar a desvalorização que esta expropriação vem provocar ao valor de mercado desta propriedade (arts. 9º a 19º da petição de recurso do Acórdão Arbitral da Expropriada)” (…).
5ª.2 Porque o legal representante da Expropriada é quem melhor conhece a exploração agropecuária que se desenvolve na propriedade afetada, os termos em que se processa, os condicionalismos e contingências que afetam os níveis de produtividade e o bem estar animal, os fatores relativos à sua circulação na propriedade, os equipamentos e infraestruturas necessárias para o efeito, etc., (…) Em qualquer caso, os conhecimentos e experiência do gerente da Expropriada poderão ser observados in loco pelo Tribunal no seu depoimento: é um juízo valorativo que o Tribunal poderá fazer após a audição do seu depoimento e nunca antes. (…)
6ª Quanto à audição das Testemunhas arroladas pela Expropriada no Recurso do Acórdão Arbitral interposto, o Despacho recorrido indeferiu a sua audição. Esta decisão, com o devido respeito, não pode ser mantida, seja pelas razões gerais que ficaram referidas nos nºs. 12 a 14 destas Alegações, seja porque não pode aceitar-se a tese do Tribunal recorrido de que a “prova testemunhal só terá relevância desde que se destine a provar os factos não compreendidos nas funções dos peritos”.(…)
O que é inadmissível, com o devido respeito, é pretender cercear os Expropriados dos seus direitos probatórios, numa evidente violação do direito fundamental dos cidadãos de acesso à justiça, a um processo equitativo e a uma justa indemnização (arts. 20º e 62º, nº 2, da Constituição). (…)
7ª Noutra perspetiva, importa atender ao seguinte: os Tribunais, por mais técnicas ou complexas que possam ser as questões envolvidas e a decidir, não podem deixar de tomar posição fundada e consciente sobre cada uma das questões que lhes sejam submetidas a julgamento. Estará assim de todo vedado ao julgador alhear-se dessas questões e remeter a respetiva decisão para os peritos – é o Juiz que preside à avaliação e é o Tribunal que decide.».

2. Pela Expropriante foram apresentadas contra-alegações, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso, pelas seguintes razões:
«1) A única prova obrigatória em processo de expropriação é a perícia de avaliação, realizada por cinco peritos, dos quais dois indicados pelas partes.
2) Quanto às restantes provas, o Tribunal não está vinculado a deferi-las: nos termos do art.º 61.º, n.º 1 do CE, só são realizadas as diligências instrutórias que o juiz, no seu prudente arbítrio, considere úteis para a decisão final.
3) A prova testemunhal tem uma relevância residual em processo de expropriação: o legislador quis inequivocamente reservar para a prova pericial as matérias directamente relacionadas com a avaliação do bem, só podendo a prova testemunhal assumir relevância desde que se destine a provar factos não compreendidos nas funções dos peritos.
4) A expropriada alega que pretendia inquirir as 4 testemunhas aos “factos” alegados nos artigos 9.º a 19.º da petição de recurso, mas praticamente não há factos nesses artigos: o que aí consta é essencialmente matéria de direito (ex. todo o art.º 9.º) e abundantes conclusões em matéria de danos e de valores indemnizatórios(a sobrante fica desvalorizada em 20%, a taxa de capitalização é de 4%, a indemnização deverá ser de 100 000€, etc.).
5) Quanto aos pouquíssimos factos que aí são alegados (artigos 10.º, 11.º e 13.º), a prova testemunhal seria inútil, (i) por não serem controversos, (ii) por serem irrelevantes para a decisão da causa (iii) ou mesmo por se tratar de matérias para as quais a prova testemunhal não constitui meio de prova idóneo, tudo como se demonstrou no ponto 4 destas contra-alegações.
6) Não era assim sobre esses (poucos) factos que a expropriada pretendia a inquirição: resulta do seu requerimento de 14/2/2022 que a prova requerida tinha antes por objecto questões directamente relacionadas com o valor do prédio expropriado (a «desvalorização que esta expropriação vem provocar no valor de mercado da propriedade», a «relevância que este tipo de equipamento/infraestrutura existente em propriedades desta natureza tem no valor de mercado», «os factores que determinam a sua desvalorização no mercado», etc.) – em suma, o tipo de matérias em que a prova testemunhal perde a sua utilidade: o valor de mercado dos
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