Acórdão nº 648/22.2T8FND.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-01-09

Data de Julgamento09 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão648/22.2T8FND.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DO FUNDÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO)
Relator:
António Fernando Silva
Adjuntos:
Falcão de Magalhães
Cristina Neves

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

L..., Lda., intentou a presente acção contra AA, pedindo que o R. fosse condenado no pagamento do valor da comissão contratualizada, de 9963 euros, acrescido de juros contados à taxa supletiva aplicável às obrigações comerciais, contados desde a data da citação até efetivo cumprimento.

No essencial, alegou que:

- celebrou com o R. um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, com prazo e valor da venda do imóvel acordados, valor este depois alterado;

- apesar de ser inglês, conhecia as condições negociadas;

- promoveu a venda do prédio em causa e encontrou interessados para o preço acordado;

- a 18 de Outubro de 2019 o R. informou a A. que deveria deixar de promover o imóvel porque já tinha encontrado comprador, tendo sido informado que isso não o dispensava do pagamento da comissão;

- o R revogou o contrato invocando não dominar a língua portuguesa, estar convencido que o contrato não se renovava automaticamente e por isso já tinha cessado, e que o preço era exagerado;

- posteriormente alienou o prédio por 125.000 euros.

O R. contestou:

- invocando a nulidade do contrato por não o saber ler nem compreender, face aos art. 373º n.º1 e 3, 220º e 286º do CC;

- afirmando ignorar se o contrato correspondia ao modelo legalmente validado mas que de qualquer modo integrava cláusulas contratuais gerais de que não foi informado;

- e impugnando a versão da A..

A A. respondeu às excepções, considerando inexistir a invocada nulidade, cuja invocação também violava o princípio da confiança, sendo proibida por força do art. 334º do CC; e afiançando a validade do contrato quer quanto à sua aprovação, quer quanto ao regime das cláusulas contratuais gerais. Invocou ainda a litigância de má fé do R., pedindo o pagamento de uma indemnização.

Foi efectuado o saneamento da causa e realizada a audiência de julgamento, tendo depois sido proferida sentença que condenou o R. a pagar à A. a quantia de €9.963, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (que ocorreu a 14.01.2023) e vincendos até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal correspondente aos juros comerciais, e absolver o R. do demais peticionado.

Desta sentença interpôs o R. recurso, formulando as seguintes conclusões:

1- A douta sentença condenou o réu apelante “a pagar à autora L..., Lda. a quantia de €9.963,00 (nove mil novecentos e sessenta e três euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (que ocorreu a 14.01.2023) e vincendos até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal correspondente aos juros comerciais.”

2- Ora, a este respeito, da matéria dada como provada apenas consta:

1. O réu é cidadão britânico e reside em Portugal desde 2013.

2. A autora dedica-se à actividade de mediação imobiliária de imóveis, sob a marca ... - ...", com licença AMI n.º ...28.

3. No dia 21.04.2018, no desenvolvimento da sua actividade, a autora celebrou com o réu o contrato designado por mediação imobiliária cujo objecto consistia na venda do prédio rústico, sito em ..., Freguesia ..., ....

4. De acordo com o teor do referido contrato, por um período de 12 meses, automaticamente renovável por igual período, a autora obrigou-se perante o réu a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do referido imóvel, pelo preço de €145.000,00.

5. Para o efeito, a autora obrigou-se a desenvolver acções de promoção, tendo sido convencionada entre autora e réu uma remuneração correspondente a 6% do preço pelo qual o negócio viesse a ser concretizado, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, cujo pagamento deveria ocorrer na data da assinatura do contrato-promessa de compra e venda.

6. O referido contrato é composto por um extenso clausulado reunido no verso de um documento pré-escrito, em cujo rosto é aposta a assinatura do réu.

7. O réu ficou bem ciente das obrigações decorrentes do contrato, tendo todas as cláusulas sido explicadas em inglês por BB, trabalhador por conta da autora, tendo o réu dispensado a outorga de contrato em inglês.

8. No dia 23 de abril de 2019, o réu solicitou à autora que o preço fosse reduzido para €140.000,00 e, depois, verbalmente, solicitou que o dito preço fosse reduzido para €135.000,00.

9. A autora desenvolveu acções de promoção, através da divulgação e publicitação, tendentes à obtenção de interessados na referida compra para efetivação do negócio.

10. Durante o período da promoção do imóvel, a autora levou vários interessados ao terreno.

11. No dia 26 de Abril de 2019, a autora recebeu uma proposta de €135.000, por um casal de nacionalidade belga, aceite pelo réu no dia seguinte.

12. O referido negócio não se concretizou devido a um impedimento dos interessados.

13. Após, a autora continuou a promover o prédio rústico, sito em ..., Freguesia ..., ... e encontrou novos interessados (CC e DD) que aceitaram o valor de €135.000,00.

14. No dia 18 de Outubro de 2019, o réu informou BB que deveriam deixar de promover o dito imóvel porque tinha encontrado comprador.

15. Nessa sequência, BB explicou ao réu que, nos termos do contrato datado de 21.04.2018, era obrigado ao pagamento da comissão acordada.

16. O réu, por carta datada de 31 de Outubro de 2019 e recebida pela autora a 18.11.2019, remetida pelo ilustre mandatário do réu na altura, veio invocar a revogação do aludido contrato, alegando, para o efeito, mormente, que o réu não domina a língua portuguesa, estava convencido que o contrato não se renovava automaticamente, tinha cessado em Abril de 2019 e que reputava o preço exagerado.

17. No mês de novembro de 2019, a autora comunicou ao réu a proposta de €135.000,00 para o dito imóvel por um casal de alemães, DD e CC.

18. No dia 27 de Dezembro de 2019, o réu vendeu o prédio rústico, sito em ..., Freguesia ..., ... pelo preço de €125.000,00, declarando que o preço foi pago através de duas transferências: uma de €12.500,00 a 18.10 e outra de €112.500,00 na data da transmissão.

19. Consta do referido contrato de compra e venda que:

a. “os contraentes declaram ter havido intervenção imobiliária no presente negócio, da sociedade por quotas com a firma “P..., Unipessoal, L.da” detentora da licença número ...”.

b. “mais declara o primeiro outorgante [o aqui réu] que percebe perfeitamente a língua portuguesa pelo que dispensa a tradução do mesmo”.

20. O réu no dia 27.12.2019, declarou junto do Exmo. Senhor Solicitador EE, no dito contrato que: “Mais declara o primeiro contraente que percebe perfeitamente a língua portuguesa, pelo que dispensa a tradução do mesmo”, o que igualmente se fez constar no termo de autenticação.

21. Em meados de 2013, o réu contacta pela primeira vez a autora com vista a ajudá-lo na aquisição de um prédio, tendo sido concretizado no dia 10.07.2013.

22. Após, o réu contactou novamente a autora, com vista a ajudá-lo na aquisição de um terreno com habitação, tendo sido concretizado no dia 20.09.2016.

23. Desde 2013, todos os documentos elaborados pela autora e outorgados pelo réu encontram-se redigidos em língua portuguesa, nunca tendo o réu exigido tradução oficial ou confirmação diante de notário.

24. A autora ofereceu ao réu em todos os acordos supra mencionados nos pontos 3, 21 e 22 comunicação e explicação em inglês.

3- Ora, o réu/apelante informou em 18 de outubro de 2019 para a autora deixar de promover o imóvel, ou seja, denunciou o contrato celebrado entre as partes, o que fez com efeitos imediatos.

4- O réu/apelante, em 31 de outubro de 2019, invocou a “revogação” do contrato de mediação em causa, o que fez também com efeitos imediatos (conforme resulta da leitura da referida missiva datada de 31 de outubro de 2019 junta aos autos em requerimento datado de 24.02.2023 com a referência 44818855).

5- A missiva remetida pelo réu à autora de 31 de outubro de 2019 foi rececionada por esta em 18 de novembro de 2019.

6- Após a receção desta missiva não mais a autora falou com o réu senão apenas para, em novembro de 2019, comunicar ao réu uma proposta de € 135.000,00 para o imóvel apresentada pelo casal DD e CC.

7- Nem mais a autora, após as denúncias, promoveu o imóvel, nem tão pouco se provaram atos necessários à conclusão do negócio visado, nomeadamente se provou que os interessados visitaram o imóvel ou sequer que a autora os tenha apresentado ao réu.

8- Não se provou também que os compradores eram genuínos, qual seria o prazo para essa aquisição, nem quaisquer outros elementos contratuais.

9- Nem, ainda, se provou que essa comunicação, realizada pela autora a dar conta da proposta do casal DD e CC ao réu, foi feita antes da revogação unilateral ou denúncia apresentada pelo réu à autora, sendo que o ónus dessa prova competia à autora.

10- O contrato celebrado entre as partes de mediação imobiliária cessou antes da autora ter informado o réu de que teria um potencial interessado na aquisição do imóvel.

11- Nunca o réu conheceu o alegado casal interessado na aquisição do imóvel, nem tão pouco lhe foi proposto pela autora a celebração de qualquer contrato de promessa de compra e venda ou mesmo escritura pública.

12- Isto é, a não conclusão do negócio não se verificou por culpa imputável ao réu.

13- A autora não provou os factos constitutivos do seu direito.

14- O pedido tem que improceder.

15- Foram violados os artigos 342º nº1 do código civil e artº 19º, nº2 da Lei 15/2013.

A A. respondeu, sustentando a decisão recorrida.

II. O objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».

Assim, as questões a tratar analisam-se no seguinte:

- avaliar se o R. operou a denúncia eficaz do contrato e,...

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