Acórdão nº 6459/20.2T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 03-10-2022

Data de Julgamento03 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão6459/20.2T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Procº nº 6459/20.2T8PRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1289)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório


AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra K..., SA pedindo a condenação da Ré a:
a) Reconhecer e enquadrar o Autor como jornalista do grupo G, a partir de 1 de janeiro de 2016, e que:
a1) De 1 de julho de 2017 até 31 de dezembro de 2017, lhe era devido, o valor de €1.299,13, a título de retribuição-base, e o valor de €389,74, a título de subsídio de isenção de horário de trabalho;
a2) De 1 de janeiro de 2018 até 31 de dezembro de 2018, lhe era devido o valor de €1.367,50, a título de retribuição-base, e o valor de €410,25, a título de subsídio de isenção de horário de trabalho.
b) Reconhecer e enquadrar o Autor como jornalista do grupo H, a partir de 1 de janeiro de 2019, e que, a esse título, lhe é devido o valor de €1.641,00, a título de retribuição-base, e o valor de €492,30, a título de isenção de horário de trabalho e, em consequência,
c) Pagar ao Autor as diferenças salarias vencidas e vincendas que, presentemente, relativamente ao período de 1 de julho de 2017 a 31 de março de 2020, ascendem ao valor total de €12.266,34; e
d) Pagar os juros de mora desde a data do seu vencimento até ao seu integral pagamento que, presentemente, ascendem ao valor total de €199,11.
Para tanto, alegou que foi contratado pela ré, em 9/05/11, para exercer as funções de jornalista estagiário do grupo E e, após a conclusão do estágio, em 1/01/2013, passou a exercer as funções de jornalista do grupo F, auferindo a retribuição de 1.230,75€.
Em 9/01/17, autor e ré celebraram um contrato de comissão de serviço, passando o autor a exercer as funções de editor adjunto na editoria da cultura, mantendo a retribuição, acrescida de subsídio de função, no montante mensal ilíquido de 400€ e um subsídio de isenção de horário de trabalho, equivalente a 30% da sua remuneração base, no valor de 369,23€.
Alega que a última avaliação de desempenho levada a cabo pela Ré ocorreu em 2010, reportando-se ao trabalho prestado em 2009 e, desde então, por razões apenas imputáveis à ré, porque não a quis fazer, não mais procedeu à avaliação dos seus trabalhadores, o que determinou que a retribuição base do autor e o seu enquadramento profissional se tenha mantido.
Considerando que a progressão na carreira se faz por antiguidade ou por mérito e que o Acordo de Empresa aplicável à relação laboral prevê que se não houver avaliação de desempenho, por razões exclusivamente imputáveis à empregadora, para efeitos de progressão, procede-se como se o trabalhador tivesse obtido o nível de Excelente (18 valores), entende o autor que, como não foi sujeito a avaliação nos anos de 2013, 2014 e 2015, a partir de 2016 deveria ter sido promovido para o grupo G e desde 2019 para o grupo H, já que também não foi avaliado em 2016, 2017 e 2018.
Reclama, assim, as diferenças salariais entre os valores que recebeu e os que devia ter recebido por força da progressão na carreira, tendo em consideração as regras estabelecidas com a intervenção da Troika.

Citada, a ré contestou, aceitando a celebração dos contratos com o autor nos moldes alegados, negando, porém, que a falta de avaliação se deva a razões exclusivamente imputáveis à ré.
Desde logo, alega que as leis orçamentais dos anos de 2011 e seguintes lhe criaram a convicção de que, fruto do congelamento das carreiras e da proibição das valorizações remuneratórias, estava dispensada de desencadear os procedimentos de avaliação, por se mostrarem inúteis.
Por outro lado, alega a ré que ao longo do referido período, nunca o autor, a comissão de trabalhadores ou o sindicato dos jornalistas transmitiram à ré o seu entendimento quanto a esta omissão, nem o autor solicitou ou sinalizou a conveniência de uma avaliação, donde conclui que o autor age em abuso de direito.
Noutra ordem de considerações, salienta a excepcionalidade da atribuição da nota “Excelente” e o facto de a promoção por mérito não ser automática, carecendo de um acto decisório da ré, estando dependente da aprovação do CA da ré.
Finalmente, invoca a ré as regras de controlo orçamental a que, enquanto empresa pública, está sujeito.

O autor respondeu às excepções nos termos do requerimento de 30/11/2020.

Fixado o valor da acção em €12.465,45, proferido despacho saneador tabelar com dispensa de indicação dos temas da prova e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:
“Pelo exposto, julgo procedente a acção [1] e, consequentemente, condeno a ré a:
a) Reconhecer e enquadrar o autor como jornalista do grupo G, a partir de 1 de janeiro de 2016, e que:
a1) De 1 de julho de 2017 até 31 de dezembro de 2017, lhe era devido, o valor de 1.299,13€ (mil, duzentos e noventa e nove euros e treze cêntimos), a título de retribuição-base, e o valor de 389,74€ (trezentos e oitenta e nove euros e setenta e quatro cêntimos), a título de subsídio de isenção de horário de trabalho;
a2) De 1 de janeiro de 2018 até 31 de dezembro de 2018, lhe era devido o valor de 1.367,50€ (mil, trezentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos), a título de retribuição-base, e o valor de 410,25€ (quatrocentos e dez euros e vinte e cinco cêntimos), a título de subsídio de isenção de horário de trabalho.
b) Reconhecer e enquadrar o autor como jornalista do grupo H, a partir de 1 de janeiro de 2019, e que, a esse título, lhe é devido o valor de 1.641€ (mil seiscentos e quarenta e um euros), a título de retribuição-base, e o valor de 492,30€ (quatrocentos e noventa e dois euros e trinta cêntimos), a título de isenção de horário de trabalho e, em consequência,
c) Pagar ao autor as diferenças salarias vencidas e vincendas que, presentemente, relativamente ao período de 1 de julho de 2017 a 31 de março de 2020, ascendem ao valor total de 12.266,34€ (doze mil, duzentos sessenta e seis euros e trinta e quatro cêntimos); e d) Pagar os juros de mora desde a data do seu vencimento até ao seu integral pagamento que, presentemente, ascendem ao valor total de 199,11€ (cento e noventa e nove euros e onze cêntimos).
Custas a cargo da ré.”

Inconformada, a Ré recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A) A sentença recorrida errou na decisão da matéria de facto ao desconsiderar o depoimento das testemunhas BB e CC quanto às razões da não realização da avaliação no período entre 2010 e 2020.
B) A testemunha BB aos minutos 00:06:48 e 00:09:08 do seu depoimento afirmou que a não realização da avaliação se deveu aos constrangimentos orçamentais resultantes do programa de assistência da Troika, designadamente o congelamento das carreiras.
C) A testemunha CC aos minutos 0:06:51 e 00:08:15 afirmou claramente que reteve como razão principal para a não realização da avaliação foi o facto de o congelamento das carreiras tornar a avaliação inconsequente.
D) A existência de uma concorrência de razões não é impeditiva que se dê como provada uma delas, ainda que com a ressalva “entre outras”, sempre que tal resulte da prova produzida, como foi o caso.
E) Deve ter sido dado como provado o facto 1) dos factos não provados: “A Ré não procedeu à avaliação dos trabalhadores entre 2010 e 2020, porque as diversas leis orçamentais publicadas para os anos de 2011 e seguintes lhe criaram a convicção de que, fruto do congelamento das carreiras e consequente proibição das valorizações remuneratórias, se encontrava dispensada de desencadear os correspondentes procedimentos de avaliação”.
F) A aplicação da cláusula 18ª do Regulamento de Avaliação de desempenho depende do cumprimento de dois pressupostos: i) a falta de avaliação provocar um prejuízo ao trabalhador; ii) a referida falta de avaliação dever-se a razões exclusivamente imputáveis à empresa.
G) Nos termos do alegado pelo Recorrido nos artigos 18º e 19º da p.i. as razões exclusivamente carecem de uma imputação culposa, de um elemento volitivo da Recorrente, dirigido à conduta: foi só porque a Ré não quis fazer a avaliação que o A. não foi avaliado, logo tal conduta é exclusivamente imputável à Recorrente.
H) Atenta a alteração da decisão da matéria de facto, a Recorrente logrou demonstrar um facto exculpatório, pelo que deveria a acção ser julgada improcedente.
I) A natureza predominatente normativa da convenção colectiva justifica a sua interpretação de acordo com os parâmetros de interpretação da lei.
J) A actuação da Recorrente terá, pois, que ser apreciada como integrando o domínio da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, que requer a imputação ao agente a título de culpa, a prova da qual incumbe ao lesado, neste caso o Recorrido.
K) Apenas ficou provado que a Recorrente não procedeu a avaliação de desempenho dos seus trabalhadores entre 2010 e 2020 (cfr. alíneas M) e N) dos factos provados), não existindo quaisquer factos que sustentem a sua culpabilidade.
L) A responsabilidade objectiva, ou seja, independente da culpa do agente, funciona a título excepcional e associada ao risco gerado por condutas lícitas.
M) A cláusula 18ª do Regulamento de Avaliação de Desempenho tem natureza sancionatória, encontrando-se inserida no Capítulo “Penalizações”, sob a epígrafe “Penalizações”, ora as sanções, em regra, não prescindem da culpa do agente.
N) Não é crível que a Recorrente tivesse aceitado um regime (de responsabilidade objectiva) susceptível de lhe causar uma situação financeira que poderia por em causa a sua viabilidade: a promoção automática de todos os trabalhadores e os consequentes aumentos salariais, os quais são perceptíveis quer pelas regras da experiência comum, quer pela análise do documento 17 junto à contestação (Relatório e Contas relativo ao ano de 2019).
O) A inexistência de um regime de responsabilidade objetiva resulta também da interpretação
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