Acórdão nº 6453/15.5T8VIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 23-01-2024
Data de Julgamento | 23 Janeiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 6453/15.5T8VIS.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Sumário da Responsabilidade do Relator (artº 663 nº7 do C.P.C.)
(…).
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Proc. Nº 6453/15.5T8VIS.C1-Apelação
Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo Local Cível de Viseu – J1.
Recorrente: AA
Recorrido: BB
Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves
Juízes Desembargadores Adjuntos: Pires Robalo
Sílvia Pires
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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
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RELATÓRIO
BB intentou acção sob a forma de processo comum contra AA peticionando que seja declarada a nulidade e a incapacidade de produzir quaisquer efeitos na ordem jurídica nacional do testamento identificado nos autos e atribuído à falecida CC, cidadã portuguesa, lavrado na Suíça.
Para tanto invocou, em resumo, que a referida CC faleceu na Suíça, no dia .../.../2013, no estado de solteira, deixando como seus herdeiros legais o autor, seu irmão e a sobrinha identificada em 4º.
Mais alegou ter tido conhecimento da existência de um documento cuja autoria é atribuída à falecida, redigido em língua Suíça, escrito esse que configurará uma disposição de ultima vontade, pelo qual terá instituído como seu único e universal herdeiro o aqui R., que igualmente instituiu como seu testamenteiro.
Alega desconhecer se de facto tal documento foi redigido/assinado pela falecida, bem como a categoria profissional da pessoa perante a qual terá sido redigido, bem como se foi, ou não, lido este testamento à falecida, o local onde foi elaborado e quem o elaborou.
Por último, alega que os testamentos feitos por portugueses no estrangeiro só produzem efeitos se tiver sido observada a forma solene na sua feitura ou aprovação, o que não se verificou na situação ajuizada, sendo este testamento inválido na ordem jurídica portuguesa por não revestir as exigências de forma impostas quer pela lei nacional quer as impostas pelo instrumento de direito internacional pelo qual se devem reger os testamentos de cidadãos nacionais residentes no estrangeiro.
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Citado, veio o R. contestar, alegando que vivia com a falecida em união de facto desde 2011, em ..., comuna de ..., onde residiam, até à data do seu óbito, tendo sido instituído como herdeiro universal da de cujus, por testamento realizado pelo cartório notarial de ..., entidade com competência legal e funcional para aquele acto na Suíça.
Pugna pela aplicação da lei estrangeira – lei Suíça – mais afirmando que as formalidades a observar são as previstas na lei Suíça e que foram respeitadas no testamento dos autos, decorrendo na Suíça, processo sucessório, no âmbito do qual foi considerado o legitimo herdeiro da falecida, beneficiário de todos os seus bens e responsável pelo pagamento de todos os impostos e encargos devidos pela sucessão e pelo processo.
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Por despacho datado de 12/06/2018, o tribunal a quo procedeu à fixação de valor à acção e, após, proferiu despacho saneador, com enunciação do objecto do litigio e elaboração dos temas de prova.
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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, finda a qual, se proferiu sentença que decidiu julgar a acção “totalmente procedente e, em consequência, decide declarar a nulidade do documento denominado “testamento” e referido em 8. dos factos provados e a incapacidade do mesmo produzir qualquer efeito na ordem jurídica nacional.”
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Não conformado com esta decisão, impetrou o R. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
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Por sua vez, o A. veio interpor contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
(…).
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QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Nestes termos, as únicas questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consiste em apurar:
a) Se deve ser alterada a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido;
b) Se deve ser considerado válido o testamento manuescrito, outorgado pela de cujus, cidadã nacional, na Suíca, local da sua última residência habitual, ao abrigo da lei do seu domicílio.
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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido:
“A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA
1. No dia .../.../2013 faleceu CC, natural da freguesia ..., concelho ..., filha de DD e de EE.
2. CC faleceu no estado de solteira e na Suíça.
3. CC vivia na Suíça, no Cantão Alemão, há cerca de 30 anos e dominava a língua alemã, que aí utilizava habitualmente.
4. Antes do seu falecimento CC vivia, há mais de 10 anos, em condições análogas às dos cônjuges com o aqui réu.
5. CC e o réu tiveram como última morada do casal e desde 01/03/2011, a cidade ..., na Comuna de ..., onde residiram, em casa arrendada, no n.º ... da Rua ....
6. Sucederam a CC o aqui autor, seu irmão, e FF, sua sobrinha e filha de um seu irmão pré falecido.
7. Pende junto do Cartório Notarial de GG, sito em ..., o inventário para partilha dos bens deixados por óbito de CC, com o n.º ...41/14, no qual figura como cabeça de casal o aqui autor, aí se mostrando relacionados os dois prédios urbanos sitos no concelho ... e ..., respectivamente, e melhor identificados a fls. 23 dos autos, cujo teor se considera aqui reproduzido para todos os efeitos.
8. CC subscreveu e assinou o documento denominado “Testoment”, constante de fls. 485 dos autos, que se mostra redigido em língua alemã, com o seguinte teor: “Testamento – Eu CC, nascida a .../.../1961, de nacionalidade portuguesa, solteira, residente em ... ... declaro por minha vontade expressa: Declaro como meu único e legitimo herdeiro o meu companheiro desde 28.02.2008, AA, nascido a .../.../1957, de nacionalidade portuguesa, divorciado, residente em ... .... Nomeio como meu testamenteiro o meu companheiro AA.
..., 09.12.2013
CC.”
9. O documento acima identificado foi redigido na Suíça, na língua alemã.
10. No dia 06/12/2013 foi realizado, pelo Cartório Notarial de ... e a pedido de CC, um esboço de testamento, aí tendo estado presentes, além da falecida e do Sr. Notário, mais duas pessoas.
11. Tendo em vista o processo sucessório e abertura de testamento o aqui réu apresentou, em .../.../2013, o documento mencionado em 8. no Tribunal da Comarca ..., na Suíça, processo sucessório este que correu termos sob o n.º ...14.../U.
12. Neste processo sucessório foram declarados e mencionados o aqui autor e a sobrinha acima identificados em 6, nesse âmbito tendo sido notificados para os termos do processo, da sucessão testamentária e do documento referido em 8., com o esclarecimento que o aqui autor aí deduziu oposição.
13. No âmbito do referido processo sucessório foi emitido, por sentença datada de 16/03/2016, certificado sucessório a favor do aqui réu, conforme documento de fls. 111 e 112 e respectiva tradução de fls. 108 e 109, que aqui se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos.
14. O réu liquidou os impostos e encargos agora mencionados.
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B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
a) O corpo do texto do documento denominado testamento e referido em 8. dos factos provados corresponde ao corpo do esboço do testamento referido em 10. dos factos provados. b) O documento denominado testamento e referido em 8. dos factos provados não corresponde à livre vontade da falecida.
c) O documento denominado testamento e referido em 8. dos factos provados foi realizado pelo Cartório Notarial de ..., no mesmo tendo intervindo 2 testemunhas.
d) Em Dezembro de 2013 CC comunicou ao aqui autor, seu irmão, ter feito o testamento acima indicado a favor do réu, transmitindo-lhe esta sua última vontade.”
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DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Insurge-se o recorrente, contra a decisão proferido pelo tribunal a quo, invocando erro de julgamento no que se reporta à matéria que considerou provada no ponto 6, alegando que do teor do testamento cujo original se encontra junto aos autos de fls. 485, com tradução a fl. 30 dos autos, confirmada a sua autoria por exame pericial resulta que CC instituiu como único e legitimo herdeiro o ora R., invocando ainda os depoimentos das testemunhas HH e II para prova de que a vontade da falecida era nomear o recorrente como seu único herdeiro, qualidade que decorre ainda dos factos adquiridos pelo tribunal recorrido nos pontos n.ºs 2, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14.
Considera, assim, que deve ser considerado como provado neste ponto que “Sucedeu a CC o aqui Réu AA atento ao facto de aquela ter feito testamento no qual, instituiu por seu único e universal herdeiro o Réu AA”.
Mais impugna a alínea a) e b) da matéria de facto considerada como não provada por, em seu entender, o “ónus da prova de que o corpo do texto do documento denominado testamento não correspondia ao corpo do esboço do testamento cabia ao Autor e o mesmo não o logrou provar”, como não logrou provar que “o testamento não correspondia à vontade da falecida” e, ainda, por do depoimento das testemunhas HH, II e JJ e KK, conjugadas com o testamento de folhas 485 e o exame de escrita de fls. 491 a 500, decorrer que foi feito testamento a favor do aqui R. e que este testamento corresponde à vontade da falecida.
Considera, assim que deveria ser considerado provado o teor da alínea a) e bem assim que o teor da alínea b)...
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