Acórdão nº 642/21.0T9AGD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 12-07-2023

Data de Julgamento12 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão642/21.0T9AGD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 642/21.0T9AGD.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Criminal de Aveiro – Juiz 5

Relator: Paulo Costa.
Adjuntos: Nuno Pires Salpico.
Paula Natércia Rocha.




Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 642/21.0T9AGD, a correr termos no Juízo Central Criminal de Aveiro, Juiz 5, por acórdão foi decidido:
«1. Condenar o Arguido AA pela prática de 477 (QUATROCENTOS E SETENTA E SETE) crimes de abuso sexual de crianças, agravado, p. e p. pelos artigos 171º, nº1 e 2, e 177º, nº1, al. b), do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 5 (cinco) anos de prisão;

2. CONDENAR O ARGUIDO AA NA PENA ÚNICA DE 8 (OITO) ANOS DE PRISÃO.

3. DECIDE-SE MANTER O ARGUIDO EM SITUAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA, com o prazo máximo, nesta fase processual, a 16/11/2023 - proceda-se ao respectivo alarme, bem como da necessária revisão de pressupostos.
4. Condenar o Arguido nas penas acessórias de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de dez (10) anos, bem como a proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo mesmo período de tempo, nos termos dos artigos 69º-B e 69º-C do Código Penal.
5. ABSOLVE-SE O ARGUIDO DOS DEMAIS CRIMES IRROGADOS.
6. Nos termos do disposto no artigo 109º do Código declara-se o perdimento a favor do Estado do objecto em forma de pimento referenciado nos factos provados.
7. Condena-se, ainda, o Arguido no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça no valor de 3 (TRÊS) Ucs.
8. Condena-se o Arguido a pagar a BB a indemnização de quarenta mil Euros (40.000,00€), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde da data da notificação para contestar, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se o Demandado do Demais peticionado.
9. Custas cíveis a cargo de Demandante e Demandado, na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido – arts. 523º do CPC e 527º do CPC.
10. Face à matéria de facto provada, a qual se dá por reproduzida, e bem assim ao enquadramento jurídico que dela foi feito, determina-se, nos termos do disposto nos artigos 1º, nºs 1 e 2, e , nº2, da Lei 5/2008, de 12/Fev., a recolha ao Arguido, após trânsito em julgado da presente decisão, do perfil de ADN para fins de investigação criminal. Antes da recolha deverá ser cumprido o direito à informação, de acordo com o previsto no artigo 9º, als. a) e e) da referida Lei. O perfil obtido deverá ser incluído na base de dados de perfis de ADN, nos termos do disposto no artigo 18º, nº3, do dito Diploma.
11. Comunique ao INML.
12. Ordenar a remessa de Boletins ao registo criminal - art. 374º, nº3, al. d), do CPP.
13. Comunicar à DGRSP.
14. Após trânsito em julgado comunique a presente decisão ao Processo 2/17.8T8OBR-C do Tribunal de Família e Menores.
15. Deposite, notifique e registe.»
*
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, solicitando a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que o absolva dos crimes por que foi condenado e subsidiariamente a redução da pena com suspensão da mesma, bem como da indemnização arbitrada apresentando, após convite de aperfeiçoamento, as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
“CONCLUSÕES:
1ª - AA, casado, operador cerâmico, nascido em .../.../1965, residente na Rua ..., residente no lugar e freguesia de ..., concelho de Anadia, oras Recorrente, foi acusado, pelo Digno Ministério Público, pela prática, desde 2014, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, na prática de 524 crimes de abuso sexual de criança, menor de catorze anos, previsto s e punidos pelo artigo 171°, números 1 e 2, e 177°, número 1, alínea b), ambos do Código Penal (cfr. Despacho de Acusação de fls 405 e segs)
2ª - A vítima de tais práticas de abusos sexuais é a menor BB, nascida em .../.../2008, filha de CC e de DD, sobrinha por afinidade do Recorrente a quem foi confiada, por acordo entre o Recorrente e sua mulher, EE,, e os pais da menor, acordo que foi homologado por Douta Sentença de 04-04-2017 proferida no Processo de Promoção e Protecção número 2/17.8T80BR-C, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro (cfr, fls,3 3 e seguintes dos Autos), tendo nesta mesma Douta Sentença sido atribuído, conjuntamente, o exercício das responsabilidade parentais da menor aos seus progenitores e ao Recorrente e sua mulher.
3ª - A (data porém, já a identificada menor BB, vivia com o Recorrente e sua mulher, na residência destes, supra referida, desde 28 de Dezembro de 2015, por acordo celebrado, por iniciativa da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) entre esta Comissão, o Recorrente e sua mulher, acordo aceite pelos progenitores da menor, dada a situação de negligência grave aos cuidados dos pais.
4ª - Por Douto Acórdão do Tribunal Colectivo do Tribunal da Comarca de Aveiro, proferido em 05 12/2022, do qual agora se Recorre, foi o Recorrente AA condenado pela prática de 477 (quatrocentos e setenta e sete) crimes de abuso sexual de criança menor de 14 anos, p. e p. pelos artigos 171°, n° 1 e 2, agravado pelo artigo 177, n° 1, al. b), ambos do Código Penal, na pena, para cada um deles, de 5 (cinco) de prisão;
5ª - Procedendo-se ao cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77°, n°s 1 e 2, do Código Penal o Recorrente foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão efectiva.
6ª- Mais foi condenado nas penas acessórias de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 10 (dez) anos, bem como a proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo mesmo período de tempo, nos termos dos artigos 69°-B e 69°-C do Código o Penal;
7ª- Na manutenção do arguido em situação de prisão preventiva, com o prazo máximo, fase processual, a 16/11/2023;
8ª-O Recorrente foi ainda condenado a pagar a BB a indemnização de 40,000,00€ (quarenta mil euros), quantia acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, a data da notificação para contestar, até efectivo e integral pagamento.
9a - Tal condenação teve como fundamentação os factos dados como provados sob os números 1 a 25 constantes do Douto Acórdão e, ainda, nos factos dados como não provados sob as alíneas a) e b).
10ª-Como motivação desta Douta decisão sobre a matéria de facto dada como provada, o Tribunal Colectivo da 1ª Instância atentou no relato da criança menor, BB, que classificou tal relato como sendo crível, coerente e desinteressado, isento, harmonioso, depreendido e espontâneo, realçando, nomeadamente, as declarações da menor para memória futura, constante de fls 203 e seguintes.
11ª- O Tribunal "a quo" teve também em conta as declarações que a mesma menor BB prestou na Clínica Forense/Psicologia e que constam do relatório desta Clínica elaborado em 19/03/2022 (fls. 271 a 278), o relatório pericial de criminalista biológica (fls. 247 a 256), relatório escolar da menor (fls 6 a 8) e o relatório técnico pedagógico (fls. 39 a 44).
12ª - C) Tribunal Colectivo de cujo Acórdão se recorre, na sua motivação para a Douta decisão matéria de facto teve, ainda, em consideração o depoimento isento da testemunha de acusação FF, assim como os depoimentos das testemunhas GG, HH e II, todas de acusação.
13ª – Esta Douta decisão, sobre a matéria de facto, proferida no Acórdão de que, aqui e agora, se recorre, é, com o mais subido respeito, aliás devido, absolutamente errada porque assenta num juízo de valor totalmente construído ao arrepio das regras de experiência comum, do bom da valoração critica e objectiva da prova produzida e constante dos autos, do conhecimento científico, da racionalidade e da lógica,
14ª-O princípio da livre apreciação da prova, sufragado no artigo 127° do CPP, tem na discrionariedade que tal princípio encerra, limites que não podem ser, licitamente, ultrapassados; antes tem de estar subordinada a parâmetros legais que, de todo em todo, afasta arbítrio do Decisor, impondo-lhe o dever de perseguir a verdade material, artigo 127.° do Código de Processo Penal antes da "livre convicção da entidade competente" faz alusão às "regras da experiência" que têm de preceder à livre apreciação da prova.
16ª - A livre convicção não se confunde por convicção íntima, já que se trata de convencimento lógico e racional, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo.
17ª - O puro arbítrio ou vontade que prepondera sobre a lei, é em si mesmo a negação de um processo justo ou um modo indevido da demonstração da realidade dos factos, totalmente inadmissível e intolerável no Estado de Direito,
18ª -Na apreciação da prova produzida nos presentes Autos, o Douto Tribunal Colectivo da 1ª Instância cometeu, salvaguardando sempre o respeito devido, um erro de facto clamoroso e grosseiro no que toca à admissão e valoração dos meios de prova e à fixação dos factos materiais nos Autos.
IV - DO RECURSO PROPRIAMENTO DITO:
A - SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
19ª — O Douto Tribunal Colectivo de cujo Acórdão aqui se recorre, ao decidir sobre a matéria de facto da maneira supra exposta, demonstrou e perfilhou um juízo totalmente arbitrário, construído ao arrepio da experiência comum, do normal senso, ilógico e irracional e, portanto, não objectivável e nada convincente.
20ª - Antes do mais, deve-se referir que, percorrendo de fio a pavio a prova documental constante dos Autos e a prova produzida
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