Acórdão nº 64/19.3T8RDD-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-02-08

Data de Julgamento08 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão64/19.3T8RDD-D.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
A - Nos presentes autos de expropriação, em que é expropriante Infraestruturas de Portugal SA e são expropriados AA e outra, vieram os expropriados recorrer da decisão de indeferimento de meios de prova que haviam requerido, concretamente as declarações de parte do próprio expropriado e os depoimentos de quatro testemunhas.
B – Fundamentando o recurso de apelação interposto, os expropriados apresentam no final das suas alegações as seguintes conclusões, que transcrevemos, para melhor compreensão, apesar da extensão:
“1ª A expropriação de parte da Herdade... para a construção de uma linha ferroviária, com a afetação da exploração agropecuária que aí se desenvolve e com a divisão da propriedade em duas partes separadas entre si, gera uma situação complexa, seja quanto a essa exploração, seja quanto à desvalorização das parcelas sobrantes no mercado;
2ª Apesar de os Expropriados terem peticionado diferentes tipos de danos que esta expropriação/linha ferroviária vem causar à propriedade, na Avaliação pericial efetuada os Senhores Peritos designados pelo Tribunal desconsideraram em absoluto os diversos tipos de danos que, para além do solo expropriado e das existências que aí se registaram, se verificam na parte sobrante da propriedade, na exploração agropecuária aí desenvolvida e no seu valor de mercado.
Isto é, uma típica Herdade alentejana com uma intensa exploração agropecuária (designadamente touros bravos) e um Monte habitacional é atravessada por uma linha ferroviária, que a divide a meio, e entende-se que daí não resultam quaisquer prejuízos para as sobrantes, designadamente quanto à exploração agropecuária aí desenvolvida e quanto ao seu valor de mercado!
Mas a questão não tem só que ver com o facto de não ter sido calculada qualquer indemnização pelos diferentes tipos de danos que esta expropriação vem causar na exploração agropecuária e nas parcelas sobrantes(supra, nº 9): o que importa constatar é que a Avaliação pericial maioritária não registou quaisquer factos de onde se pode considerar a existência desses danos e, portanto, a necessidade de serem indemnizados.
E a Avaliação pericial maioritária não registou esses factos e desvalorizações porque o critério indemnizatório aí utilizado padece de um estruturante erro nos pressupostos, mesmo em relação à desvalorização do Monte habitacional calculada por esses Peritos. De facto, como os Peritos maioritários escreveram na pág. 18 do Relatório de Avaliação Pericial de 24.06.21, “Face ao exposto, os peritos consideram que as partes sobrantes mantêm, proporcionalmente, os mesmos cómodos, não se justificando a sua avaliação ou desvalorização, com excepção da habitação existente que seguidamente avaliam.”.
Desta expressa assunção pericial, resultam 2 conclusões essenciais:
a. Por um lado, a questão indemnizatória das sobrantes só foi analisada por estes Peritos maioritários numa perspetiva: a perspetiva da funcionalidade, dos cómodos em causa; em suma da utilidade. Dado que as utilidades agropecuárias da propriedade se mantêm estruturalmente e que a exploração agropecuária existente poderá continuar a ser desenvolvida, por um lado, e que, por outro, o Monte habitacional continuará a poder ser utilizado, não é devida indemnização.
Assim, esses Peritos maioritários não consideraram sequer, por exemplo, a hipótese de o valor de mercado da propriedade (das duas parcelas sobrantes em que agora se decompõe, designadamente dos edifícios habitacionais e outros que aí existem) ser afetado pela sua divisão e pelo facto de, agora, passarem a ter como vizinhos uma linha férrea e comboios a circular; tudo isto numa típica propriedade e paisagem alentejana.
b. Por outro lado, a perspetiva redutora dos Peritos maioritários relativamente à afetação da exploração agropecuária: o facto de ser assegurada a passagem entre a parte sobrante norte da propriedade e a parte sobrante sul é diferente de não haver qualquer divisão da propriedade, sem uma linha férrea pelo meio a dividir, a condicionar, com locais específicos de passagem (estreitos, com o piso não natural), sem a continuidade natural do solo.
3ª Pelo contrário, numa atitude e metodologia analítica e rigorosa da situação em causa, este Perito indicado pelos Expropriados, Eng. BB, atendeu e caracterizou os essenciais da afetação que esta expropriação, linha ferroviária e divisão estruturante da propriedade vem causar à exploração agropecuária desenvolvida nesta propriedade e ao valor de mercado das parcelas sobrantes e do edificado aí existente.
4ª A absoluta necessidade de o Tribunal esclarecer e conhecer os factos relativos à afetação que esta expropriação/linha férrea vem causar na exploração agropecuária desenvolvida nesta propriedade e no valor de mercado da propriedade e das parcelas sobrantes.
- A necessária procedência deste recurso numa perspetiva estrutura, principialista e constitucional.
4ª.1 Sabemos que nos processos de expropriação os Tribunais tendem a subscrever as avaliações periciais subscritas pelos 3 peritos que designam, nomeadamente pela sua imparcialidade/isenção. Assim, perante as diferentes avaliações periciais com que será confrontado na fase de proferir a Sentença (as efetuadas pelos Peritos designados pelo Tribunal e a que vem subscrita pelo Perito indicado pelos Expropriados), o Tribunal recorrido tenderá a subscrever essa primeira Avaliação pericial.
4ª.2 No entanto, como decorre do que vem de ser exposto nos números anteriores, mais do que uma diferente perspetiva indemnizatória por parte das duas Avaliações periciais em confronto (que aqui não se discute), o que se constata é que a Avaliação pericial dos Peritos do Tribunal é muito deficitária na factualidade relevante, isto é, na caracterização da situação que existia antes desta expropriação e nos termos da afetação que esta expropriação/linha ferroviária vem causar à exploração agropecuária aqui desenvolvida, às parcelas sobrantes e ao valor de mercado da propriedade.
Isto é, por considerarem, de forma apriorística (e em erro), que não haveria que indemnizar outros danos para além do solo expropriado e das existências aí verificadas (dado que as utilidade agropecuárias se mantêm estruturalmente e que a exploração agropecuária existente poderá continuar a ser desenvolvida, por um lado, e que, por outro, o Monte habitacional continuará a poder ser utilizado), os Senhores Peritos indicados pelo Tribunal não retrataram a situação de facto subjacente a esses danos e indemnização.
4ª.3 Assim, o que se verifica é um efetivo deficit na descrição da situação de facto (complexa) com que nos deparamos, impedindo-se assim que o Tribunal, na fase de julgamento, possa daí retirar consequências indemnizatórias. É este o propósito essencial deste recurso: permitir ao Tribunal esclarecer essa situação de facto relevante e complexa para depois concluir se a mesma deve ser indemnizada ou não. Sem esclarecer/conhecer esses factos, o Tribunal terá uma natural dificuldade em apurar/decidir se a situação deverá ou não ser indemnizada.
Sem o completo esclarecimento da factualidade relevante nunca teremos o bom Direito.
E a situação em que os Expropriados se encontram, em função dos referidos deficits da Avaliação pericial maioritária e limitação instrutória decidida no Despacho recorrido, é a de um evidente estado de necessidade instrutório. Mantendo-se a decisão recorrida resulta violado o direito dos Expropriados à instrução do processo; neste caso, por se tratar de uma expropriação, do direito fundamental de defesa perante uma ablação do seu direito fundamental de propriedade privada. Em suma, perde-se o direito fundamental a um processo equitativo e o essencial/material do direito fundamental de acesso à justiça e a uma justa indemnização (arts. 20º e 62º da Constituição).
4ª.4 Neste contexto e para assegurar esses princípios e direitos fundamentais, torna-se necessário/essencial que o Tribunal recolha os depoimentos das testemunhas que os Recorrentes Expropriados indicaram e das suas próprias declarações: são pessoas que conhecem a realidade (propriedade e exploração agropecuária) que se pretende avaliar e que podem auxiliar o Tribunal recorrido a atender a fatores que não vêm abordados na Avaliação pericial maioritária). E estes depoimentos podem não valer por si só. De facto, com base nos mesmos, o Tribunal poderá até entender necessário, ao abrigo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material (arts. do CPC), determinar aos Peritos maioritários que se pronunciem ou complementem a Avaliação pericial efetuada.
5ª O ilegal indeferimento da tomada de declarações de parte não pode ser mantida, seja pelas razões gerais que ficaram referidas nos nºs. 12 a 14 destas Alegações, seja pelas seguintes razões principais:
5ª.1 No seu Requerimento de 28.02.2022 os Expropriados cumpriu de pleno o Despacho de 18.02.2022, pois referiu aí expressamente, como solicitado, que “os factos relativos às declarações de parte são essencialmente os que se referem à desvalorização das parcelas sobrantes e demais danos provocados por esta expropriação na propriedade em que se integram as parcelas expropriadas, factos esses que foram referidos nos arts. 20º a 30º da petição de recurso do Acórdão Arbitral da Expropriada”.
Quanto ao rol de Testemunhas apresentado, os Expropriados tiveram a oportunidade de salientar o facto de serem “pessoas que não só conhecem a propriedade em causa, como também conhecem outras propriedades na envolvência desta e, sobretudo, que conhecem o mercado deste tipo de propriedades no Alentejo, sendo o seu testemunho essencial para apurar a desvalorização que esta expropriação vem provocar ao valor de mercado desta propriedade (arts. 20º a 30º da petição de recurso do Acórdão Arbitral da Expropriada) ”.
Depois, os Expropriados
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