Acórdão nº 637/20.1T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-10

Ano2022
Número Acordão637/20.1T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 637/20.1T8PRT.P1 – 3ª Secção (Apelação) - 1388
Acção de Processo Comum – Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 5


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
AA, de nacionalidade ..., residente em Rua..., ... ..., Portugal,
instaurou acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum, contra
E...., com sede em 209, ..., ..., ..., ..., EUA.
Pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe:
- A título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 84.000,00 de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 37.892,58, e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal;
- Montante nunca inferior a € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 1.826,30, dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal.
Como fundamento, alegou, em síntese:
- A ré, através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa líder global em entretenimento digital interactivo, contando com várias subsidiárias, entre as quais se destaca, na Europa, a E...1, com sede na Suíça, a qual e assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão;
- O autor é um jogador de futebol português, que, actualmente, joga na Roménia, ao serviço do C...;
- O autor mantém já uma longa carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses e estrangeiros, tendo ainda sido internacional pelas Selecções Portuguesas de Futebol Sub 17, Sub 18, Sub 19, Sub 20 e Sub 21, por 46 vezes;
- O autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados ... (também com as designações ... ou ...), pelo menos nas edições 2011, 2012, 2014 e 2015; ..., pelo menos na edição de 2012; e ..., pelo menos nas edições de 2014 e 2015, todos propriedade da ré;
- O autor jamais concedeu autorização para ser incluído nos supra identificados jogos electrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, nem conferiu poderes aos Clubes, para que estes negociassem a licença para o uso da sua imagem e do seu nome para tal;
- A imagem do autor é utilizada pela ré a nível global;
- A ré está a utilizar a imagem e o nome do autor, pelo menos, desde 28.09.10 (data de lançamento do jogo de vídeo ... 2011);
- Nos jogos em que aparece, a imagem do autor é individualizada.
A ré contestou, invocando, além do mais, a excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses.
O autor respondeu à excepção, pugnando pela sua improcedência.
Por despacho de 21.01.21, foi designado o dia 23.02.21 para a realização de audiência prévia, abrangendo todas as finalidades previstas na lei (artigo 591.º do CPC).
Por despacho de 02.02.21, foi determinado que, por força do disposto no n.º 1 do art. do 6.º-B da Lei 1-A/20, de 19.03 (na redacção introduzida pela Lei n.º 4-B/21, de 01.02, a audiência agendada apenas poderia ter lugar por meios telemáticos e que, até 24 horas antes da realização da audiência, os ilustres mandatários poderiam opor-se à sua realização pelo método indicado.
Por requerimento de 05.02.21, a ré veio opor-se à realização da audiência prévia pelo método indicado.
Por despacho de 10.02.21, foi desmarcada a audiência prévia agendada, sem prejuízo de as partes poderem vir informar que lograram reunir as condições logísticas para a realização da audiência prévia por meios telemáticos, ficando os autos a aguardar o impulso das partes até ao termo de vigência da al. c) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei 1-A/20, determinando-se ainda que, nada sendo requerido no prazo de 10 dias após aquele termo, fosse aberta conclusão.
Em 23.02.21, foi proferida decisão que considerou ser inviável a audiência prévia, face à lei em vigor, e considerou ser adequado tratar por escrito as questões que, legalmente, podem ser tratadas imediatamente por esta via, como a excepção de incompetência internacional, já sobejamente discutida nos articulados.
Na mesma decisão, foi o tribunal julgado internacionalmente incompetente e foi a ré absolvida da instância.

O autor recorreu, formulando, em síntese, as seguintes

CONCLUSÕES
1ª – Quanto à audiência prévia, importa salientar que em 21.01.21 o
Tribunal a quo proferiu despacho a convocar a audiência prévia, com todos os fins enumerados no n.º 1 do artigo 591.º do CPC.
2ª – Em 02.02.21, profere novo despacho onde, por força do disposto no n.º 1 do artigo do 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 (na redacção introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02), informou as partes que a audiência prévia terá lugar (na data e hora já agendadas) com recurso ao sistema de videoconferência de acesso livre Zoom, com as seguintes credenciais de acesso aí melhor identificadas.
3ª – Pelo facto de a ré não ter aceitado a realização da audiência prévia, no agendado dia 23 de Fevereiro, cfr. alínea c) do n.º 5 do citado artigo 6.º-B, veio, o Tribunal a quo, em 09.02.21, a proferir novo despacho de, que procede à desmarcação daquela diligência e na sua parte final refere ainda que: “Aguardem os autos o impulso das partes até ao termo de vigência da al. c) do n.º 5 do art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020. Nada sendo requerido no prazo de 10 dias após aquele termo, abra conclusão.
4ª – Considerados os despachos preferidos e o motivo que levou à desmarcação da data, entretanto, agendada para a realização da audiência prévia, ficaram as partes – pelo menos o autor e estamos em crer, também, a ré – a aguardar a designação de nova data para a mesma.
5ª – Nunca foi demonstrado nos autos o desinteresse na realização dessa audiência prévia, por nenhuma das partes, pelo que não se pode considerar que alguma delas tenha renunciado à mesma.
6ª – Para além de que a decisão recorrida vem a ser proferida ainda antes de decorrido o prazo de pronúncia dos mandatários das partes, em cumprimento daquele despacho de fls., i.e., até 10 dias após o termo de vigência da alínea c) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/20.
7ª – A prolação de uma decisão-surpresa é um vício que afecta essa mesma decisão e respeita ao seu conteúdo, pelo que o Tribunal a quo, em face dos despachos anteriores, ao não convocar novamente a audiência prévia e proferir a decisão de que se recorre, surpreendeu as partes, que esperavam pela sua marcação, cometeu uma nulidade traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve (artigo 195.º, n.º 1, do CPC), e que acaba por se comunicar, inquinando, à sentença proferida, nulidade que expressamente se invoca.
8ª – Tal nulidade acarreta a nulidade da sentença proferida, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, do CPC, i.e., o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, sem que antes tivesse levado a cabo a diligência processual a que se encontrava estritamente obrigado a designar.
9ª – A ré produziu e comercializou, fisicamente e online, milhões de jogos de vídeo contendo a imagem, nome e demais características pessoais do autor, sem o seu consentimento ou autorização e sem lhe pagar qualquer contrapartida económica e isso verifica-se, pelo menos, desde o ano de 2011, com o lançamento do jogo ... (também com as designações ... ou ...), cfr. artigo 9.º da petição inicial.
10ª – Tal conduta constituiu uma apropriação da imagem do autor, que tem um valor patrimonial, emergente do valor comercial que aquela imagem, tem no mercado.
11ª – Tal mostra-se devidamente alegado na petição inicial, designadamente, nos seus artigos 9.º, 10.º, 11.º 18.º, 67.º, 87.º, 91.º, 93.º, 98.º, 130.º, 176.º e 179.º n.º 2, onde são expressamente identificados os jogos onde aquela apropriação ocorreu e que nunca foi conferida qualquer autorização expressa, ou sequer autorização tácita, pelo autor a quem quer que fosse, para ser incluído nos supra identificados jogos electrónicos, jogos de vídeo e aplicativos.
12ª – É, pois, manifesto que o autor – ao contrário do que a decisão recorrida refere – substanciou em factos a ocorrência de um dano, e os danos causados ao autor, por acção da ré, apenas a esta podem ser imputáveis, por ela a única autora do facto danoso (cfr. artigos 562.º, 563.º, 564, n.º 1, 565.º, 566.º n.ºs 1, 2 e 3, todos do CC e ainda artigo 609.º n.º 2 do CPC).
13ª – Quanto à localização de tal dano em Portugal, os jogos propriedade da ré são comercializados, distribuídos, jogados e a sua imagem, nome e demais características são utilizadas, mundialmente, pelo que, logicamente, também no nosso país. Este é praticamente um facto notório e do conhecimento comum, nos termos do art.º 5.º, n.º 2, alínea c) do CPC.
13ª – Veja-se, a título de exemplo, o alegado na parte final do artigo 14.º, 17.º, 94.º e 172.º todos da petição inicial, e ainda nos artigos 30.º a 33.º (inclusive) da resposta.
14ª – Com a petição inicial, o autor juntou aos autos vasta prova documental dessa comercialização, distribuição e exploração ilícita, da qual se destacam, naturalmente, a factura de aquisição em Portugal dos jogos ... junta como doc. 9, o doc. 12, o doc. 13, e o doc. 14, estes últimos demonstrativos da possibilidade de aquisição dos jogos da ré em território nacional.
15ª – Mais do que a venda dos jogos e o local onde a mesma ocorre – circunstância a que o Tribunal a quo atribui considerável relevância –, o que está em causa é a utilização e divulgação da imagem, nome e demais características do autor, sem o consentimento deste, pela ré nos seus jogos, bem como os avultados lucros daí decorrentes e que esta aufere exclusivamente.
16ª – Pelo que,
...

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