Acórdão nº 636/21.6T8PDL-I.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-06-06

Ano2023
Número Acordão636/21.6T8PDL-I.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-/ Relatório:
(…) Lda., sociedade comercial, Pessoa Coletiva n.º xxx, com sede na (…), intentou a presente ação de impugnação de resolução, contra a Massa Insolvente de “(…) Construção, S.A.”, representada pelo seu Administrador de Insolvência, (…), pedindo para ser julgado não resolvido o negócio de transmissão de propriedade, da fração “B” do prédio urbano composto de edifício destinado a comércio, sito na zona Industrial das Levadas, freguesia e concelho de Velas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Velas na ficha nº …-B da referida freguesia.
Para tanto, alegou, em síntese, que o Sr. Administrador de Insolvência não provou que o negócio de compra e venda da fração B foi feito de má fé e efetuado para prejudicar a massa Insolvente, tanto mais que o referido negócio constituiu, efetivamente, a formalização duma partilha prometida entre os sócios das duas sociedades, decorrente do seu divórcio, há muito acordada. Ainda que a figura jurídica dessa transferência de propriedade possa indiciar uma venda, certo é que a mesma não ocorreu, tendo-se optado por essa modalidade apenas por deficiente aconselhamento jurídico. Por isso mesmo, à luz do artigo 242.º do CC, invoca a simulação do negócio de compra e venda, uma vez que, reitera, o verdadeiro negócio realizado pelos seus intervenientes foi o de uma partilha, corolário dum acordo há muito efetuado.
Citada, a ré não apresentou contestação, tendo o tribunal a quo entendido que a ausência de contestação não conduz, no presente caso, à confissão dos factos.
Realizou-se assim audiência prévia, no decurso da qual se identificou o objeto do litígio e se enunciou os temas da prova, após o que se realizou-se audiência de julgamento.
Foi depois proferida sentença, que julgou a acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu a ré do pedido formulado, mantendo o ato de resolução em causa, absolvendo também a autora do pedido de condenação por litigância de má fé.
Inconformada, a autora interpôs recurso, que finalizou com conclusões, que, por extensas e prolixas, foi convidada a sintetizar, o que acatou, assim concluindo:
«A) O Senhor Administrador da Massa Insolvente da "… Construção S.A", declarou resolvido em benefício da massa insolvente, por título de compra e venda, a fração autónoma designada pela Letra "B" do prédio urbano composto de edifício de um só piso e logradouro, destinado a comércio, sito em Zona Industrial das Levadas - Velas, inscrito na matriz sob o artigo urbano n.º …-B da freguesia de Velas e descrito na Conservatória do Registo Predial de Velas sob o n° … da freguesia de Velas, pelo facto de em 6 de março de 2020 ter sido celebrado um contato de compra e venda, no qual a "(…) Engenharia SA" (que posteriormente adotou a denominação "(…) Construção SA) vendeu à sociedade "(…), Lda.” o imóvel supra identificado e por considerar que estavam reunidos os pressupostos cumulativos da resolução, ou seja, o da temporalidade, o da prejudicialidade e o da má-fé de terceiro que contrata com o Insolvente.
B) O Sr. Administrador de Insolvência considerou os requisitos legais verificados pelas seguintes razões: O pressuposto da má-fé estaria verificado pelo facto de terem sido, os sócios, casados entre si, com base no artigo 120.º n° 4 do CIRE; o pressuposto temporal pelo facto do ato da venda ter ocorrido dois anos antes do início do processo da insolvência (que teve o seu início em março de 2021); e pelo facto de, no seu entender, ter participado ou dele ter aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação não existisse a essa data, presumindo-se que são havidos como pessoa especialmente relacionado com o devedor o cônjuge e as pessoas de que se tenha divorciado do devedor nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, conforme determina o art.° 49.º n.º 1 al a) ex vi n.º 2 d) do mesmo artigo do C.I.R.E.
C) Pelo que, concluiu, no que diz respeito à má-fé de terceiro que contrata com o insolvente, pela verificação com base na presunção iuris tantum da mesma, nos termos do art.° 120° n° 4 do C.I.R.E., fazendo tábua rasa do disposto neste dispositivo legal (in fine).
D) Os únicos sócios quer da (…) Engenharia Ldª, (posteriormente denominada "…. Construção S.A.), quer da "…., Lda”., eram o casal P... (…) e M... (…), casamento esse dissolvido em 22 de dezembro de 2014.
E) Em 17 de dezembro de 2014 — cinco dias antes de ser decretado o divórcio — foi celebrado um contrato promessa de partilha, nos termos do qual, por divórcio, a quota correspondente a 50% do capital da empresa "(…) Engenharia, Lda. da qual era titular M (…) seria cedido a P... (…) e a quota que correspondia a 80% do capital da "…, Ldª", da qual era titular P... (…) seria cedido a M... (…)
F) Pelo facto de em 10 de dezembro de 2012 ter sido celebrado entre a "… Lda." e a Região Autónoma dos Açores um contrato denominado "Empreende Jovem — Sistema de Incentivos ao Empreendimento — que obrigava a que o promotor do Investimento mantivesse, no respeitante aos detentores do capital, as funções executivas e a estrutura do capital existente à data da concessão do incentivo, por um período mínimo de cinco anos, contados a partir da data da conclusão do investimento, que ocorreu em 2014, os sócios não celebraram, após o divórcio, ocorrido em 22 de dezembro de 2014, a respetiva escritura de partilha, tendo, antes, assinado o referido contrato promessa e, decorridos que estavam os cinco anos exigidos pelo contrato "Empreende Jovem" P... (…) cedeu a sua quota na sociedade "…. Lda.” à sua ex-mulher M... (….), fazendo essa transferência sob a forma dum contrato de compra e venda, socorrendo-se da forma mais fácil e menos onerosa.
G) A sentença recorrida, considerando que houve um negócio simulado, concluiu pela improcedência da impugnação, mantendo-se os efeitos da resolução operada pelo Sr. Administrador de Insolvência.
H) Conforme determina o art. 120.º do C.I.R.E. — a que a sentença recorrida faz expressamente referência — a resolução a favor da massa insolvente impõe três requisitos cumulativos: como sejam o da prejudicialidade, o da temporalidade e o da má-fé de terceiro adquirente e por se tratar duma resolução condicional aquele preceito exige que, na carta de resolução, haja uma fundamentação maior, devendo ser enumerados os factos que traduzem a prejudicialidade para a massa e os que caraterizam a má-fé do adquirente.
I) No que ao requisito da má do aquirente diz respeito o Sr. Administrador de Insolvência refere que "constatando-se que a compradora "….. Lda.” era representada na data da compra, cuja resolução ora se decreta, pela esposa do legal representante da Insolvente …. Construção S.A, constata-se, sem margem para dúvida, que nos termos do art.° 49.º do C.I.R.E. se tratava de pessoa especialmente relacionada com o devedor pessoa coletiva, pelo que, no que diz respeito ao requisito da má-fé de terceiro existe, pois, presunção da mesma, nos termos do art.° 120.º n.º 4 do CI.R.E.".
J) Essa presunção de má-fé é de imediato afastada, pelo facto dos intervenientes no ato já se encontrarem divorciados desde 22 de dezembro de 2014, pelo que à data da instauração do processo de insolvência, que ocorreu em 2021, os intervenientes no ato já se encontravam divorciados há mais de seis anos.
K) No caso em concreto, o Sr. Administrador de Insolvência não apresenta na carta resolutiva factos que comprovem a má-fé da terceira adquirente, concretamente: O conhecimento desta de que o devedor se encontrava em situação de insolvência; o conhecimento desta do carácter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente; ou o conhecimento desta do início do processo de insolvência do devedor
L) São estes os requisitos legais que teriam de se verificar à data da resolução do contrato e que teriam de ser provados pelo Sr. AJ., só que este, não logrando fazê-lo, buscou amparo, e mal, na presunção do art.° 49.º já citado que, no caso, como se demonstrou, não se aplica.
M) É esta má-fé que o Sr. A.J. invoca e que, nos termos do n° 5 do art° 120.º do CIRE tem o ónus de provar, para escorar a resolução, má-fé, essa, que não se verifica e que é olvidada pelo Tribunal a quo que defende a resolução por outro caminho que não lhe era lícito seguir, mormente atenta a natureza da ação — simples apreciação negativa — o ónus da prova, a causa de pedir, a resolução nos termos realizados pelo Sr. AJ., e o pedido em si, a verificação da sustentabilidade jurídica da resolução nos moldes em que foi operada e à data em que o foi.
N) Pese embora a sentença recorrida reconheça a necessidade de prova da má-fé da terceira adquirente, em nenhum dos factos considerados como provados refere essa má-fé, nem na motivação de direito fundamenta a existência da mesma, pelo que, não se provando, como não se provou a má-fé da terceira adquirente, outra solução não restaria ao Tribunal a quo senão considerar a ação procedente e, consequentemente, ser julgado não resolvido o negócio da transmissão da supra identificada fração.
O) A sentença recorrida fez, com o devido respeito, tábua rasa, dessa exigência determinante para a resolução, atendendo, apenas, ao facto de, alegadamente, se estar perante um negócio simulado e, como tal, simplisticamente, considerado nulo.
P) No caso presente dúvida não subsiste que os intervenientes ao materializarem sob a forma dum aparente contrato de compra e venda uma verdadeira partilha já acordada em 2014 e, (como bem refere a sentença recorrida no ponto 5° a) da matéria de facto dado como provada) não formalizada à época decorrente das obrigações do Sistema de Incentivos "Empreende Jovem", ocorreram numa simulação relativa, aliás reconhecida na própria sentença recorrida nos pontos 20° e 21° da matéria de facto dada como provada que afirma que, a
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