Acórdão nº 633/22.4T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-03-30

Ano2023
Número Acordão633/22.4T8PTM.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da Herança Indivisa aberta por óbito de DD, e demais herdeiros, DD, casada com EE, DD, FF, casado com GG, DD, HH, casado com II, JJ, intentaram ação declarativa comum, nos termos do artigo 14º da Lei n.º 6/2006 de 27/02 (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), na redação dada pela Lei n.º 43/2017 de 14/06, e Lei nº 13/2019 de 12/02, com a atual redação dada pela Lei nº 2/2020 de 31/03 e 1083º do Código Civil) contra BB e mulher, CC, pedindo a resolução do contrato de arrendamento identificado na petição inicial e, consequentemente, a restituição da posse do imóvel e, ainda, que os sejam Réus condenados ao pagamento a título de danos patrimoniais, ao valor não inferior a €24.000,00, tendo sido calculada uma renda mensal no valor de €600,00, multiplicando-se a renda pelos meses que os Réus ocupam indevidamente o imóvel que até à data perfazem 40 meses e respetivos juros de mora vincendos calculados à taxa legal; bem como a condenação dos Réus ao pagamento a título de danos não patrimoniais, nunca inferior a €6.000,00 e respetivos juros de mora vincendos calculados à taxa legal, e a uma quantia não inferior a €1.000,00, por cada mês em que dure a ocupação indevida, desde a data da citação da presente acção até à efectiva desocupação do imóvel e sua entrega, devoluta de pessoas e bens, aos Autores.

Para tanto alegaram, em síntese, que são herdeiros da herança indivisa aberta por óbito de DD, sendo por esse facto contitulares, sem determinação de parte ou direito, do direito de propriedade incidente sobre a fração autónoma, destinada a habitação, designada pela letra ”G”, correspondente ao primeiro andar direito, do prédio urbano designado por lote n.º ...0, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., freguesia e concelho de Portimão, inscrito sob o artigo matricial nº ...70 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o nº ...02, da freguesia de Portimão.
Através de documento particular, datado de 01-11-2003, o coautor AA e a sua falecida mulher, DD, cederam aos réus o uso e fruição daquele imóvel pelo período de um ano, com início a 01-11-2003 e termo a 31-10-2004, considerando-se o contrato automaticamente renovado, por períodos iguais e sucessivos, mediante o pagamento pelos Réus de uma contraprestação financeira anual, fixada em €600,00, paga em duodécimos de €50,00, até ao primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito e atualizável de acordo com aplicação dos coeficientes aprovados pelo governo.
Mais alegaram que o contrato em causa tinha, por força da lei, a duração de cinco anos, tendo-se renovado em novembro de 2008 e após essa data foi objeto de uma nova renovação em novembro de 2013.
Através de carta registada com aviso de receção, datada de 27-11-2017, e, bem assim através de notificação judicial avulsa de 19-02-2018, foram os Réus notificados da oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais, a qual ocorreria após 31-10-2018.
Os Réus após essa data não entregaram o imóvel, o que causou aos Autores os danos que peticionam.

Contestaram os Réus por exceção (ineptidão da petição inicial e abuso de direito) e por impugnação alegando, em suma, que o contrato de arrendamento foi celebrado ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU).
Em meados de 2014, após a publicação da Lei nº 6/2006, de 27-02, o cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD tentou proceder ao aumento da renda para €270,67 invocando que o contrato havia sido celebrado antes da entrada em vigor da RAU.
Os Réus responderam não aceitando o valor da renda proposta.
A renda atual é de €70,00 mensais e o contrato é de duração ilimitada.
Os Réus têm mais de 65 anos, pelo que, nos termos do artigo 36.º da Lei nº 31/2012 de 14-08, o contrato de arrendamento só estaria submetido ao NRAU, mediante acordo entre as partes, o que os Réus não aceitam.
Também não foram invocados os fundamentos de denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio, previstos no artigo 69.º do RAU, pelo que também por este motivo a ação deve improceder em toda a linha e, em consequência, serem absolvidos do pedido.

Foi dispensada a realização de audiência prévia e em sede de saneador foi julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial.
De seguida, foi conhecido do mérito da causa, com a prolação de saneador-sentença que julgou a ação totalmente improcedente.

Inconformados, apelaram os Autores, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«I. Vieram os recorrentes intentar ação Declarativa de Despejo sob a Forma de Processo Comum, alegando a produção de efeitos jurídicos da oposição à renovação e a não desocupação dos réus do locado.
II. O Tribunal a quo proferiu decisão no sentido de improceder totalmente a ação, absolvendo os réus de todo o peticionado.
III. A douta Sentença padece de vários erros de julgamento, fazendo por isso uma incorreta interpretação e aplicação do direito.
IV. Entende o tribunal a quo que estamos perante um contrato de duração indeterminada celebrado na vigência do NRAU e que porventura o contrato de arrendamento não caducou na sequência das comunicações que foram efetuadas pelos autores, entendendo em último que existe uma ocupação legal dos réus.
V. Foi celebrado entre as partes um contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais com prazo certo, pelo prazo de um ano, com início em 1 de novembro de 2003 e o mesmo veio a renovar-se, por iguais períodos sucessivos.
VI. De acordo com a anterior redação do artigo 1096.º do Código Civil (Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro), o mesmo veio a renovar-se em 31.10.2008, renovando-se sucessivamente, até à concretização da oposição à renovação pelos autores, atempadamente, em 19.02.2018, por via de notificação judicial avulsa.
VII. Regulando o artigo 98º, as partes podem estipular um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para habitação desde que a respectiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato (que é o caso – 1 ano), assinado pelas partes, sendo que o prazo referido não pode, contudo, ser inferior a cinco anos.
VIII. Tendo as partes estipulado um prazo de um ano, tal prazo não poderia prevalecer, porquanto por força da lei o prazo seria de 5 anos, teremos de concluir que estamos perante um contrato de arrendamento de duração limitada, em que as partes estipularam um prazo de duração de contrato, os seus termos e suas renovações.
IX. O contrato de arrendamento em apreço foi sucessivamente renovado, tendo os autores de forma legítima e atempada, por via de notificação judicial avulsa, exercido o seu direito de oposição à renovação.
X. Ambas as partes quiseram-se vincular à duração do contrato, tanto que das missivas em resposta, os réus sempre assumiram a natureza de duração limitada do contrato de arrendamento.
XI. É manifesto que a notificação judicial avulsa produz os seus efeitos jurídicos, por estarmos em primeira via perante um contrato de duração limitada, e segundo, por estar dentro do prazo legalmente admissível para operar a oposição à renovação, sendo a mesma admissível.
Nestes Termos e nos mais de Direito, deverá a sentença do tribunal a quo ser revogada e consequentemente ser substituída por outra em que se determine a procedência da ação declarativa, ordenando a prossecução dos presentes autos e os seus ulteriores termos até final (…).»

Não foi apresentada resposta ao recurso.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar da duração do contrato de arrendamento e da oposição à renovação do contrato pelos Réus.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto com base no acordo das partes e prova documental junta aos autos:
«1) Através de documento particular, datado de 01/11/2003, epigrafado de “Contrato de Arrendamento para Habitação” o coautor AA e sua esposa DD, cederam aos réus o uso e fruição da fração autónoma, destinada a habitação, designada pela letra ”G”, correspondente ao primeiro andar direito, do prédio urbano designado por lote n.º ...0, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... freguesia e concelho de Portimão, inscrito sob o
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