Acórdão nº 632/20.0T8BCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-01-25

Ano2024
Número Acordão632/20.0T8BCL-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1.1. Na ação declarativa, sob a forma de processo comum, que AA e BB intentaram contra CC e mulher, DD, foi em 06.06.2023 proferido o seguinte despacho:
«Requerimento do I. Mandatário dos autores de 26/05/2023:
Atentos os motivos invocados, devidamente comprovados pela certidão de óbito junta, considero justificada e, por conseguinte, atempada a prática do ato processual de interposição de recurso por parte dos autores no dia 29/05/2023, por interpretação extensiva do artigo 3º, alínea a), do D.L. nº 131/2009, de 01/06.
Com efeito, só interpretando extensivamente esta norma no sentido de abarcar as situações de prática de atos processuais, como no caso dos autos, se cumpre o objetivo plasmado no preâmbulo do referido diploma legal, de estender aos advogados o direito de dispensa de atividade durante certo período de tempo no caso de falecimento de familiar próximo, compatibilizando-se o exercício da profissão com a vida familiar, sendo certo que se entende que tal não afeta excessivamente a necessária celeridade da justiça.
Termos em que se admite a prática do ato processual de interposição de recurso por parte dos autores no dia 29/05/2023.»
*
1.2. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:

«A. Por Despacho proferido pelo Tribunal recorrido do dia 05-06-2023, foi admitida a prática do ato processual de interposição de recurso por parte dos AA no dia 29-05-2023, por interpretação extensiva do art.º 3.º, al. a), do D-Lei n.º 131/2009, de 01/06.
B. Os aqui Recorrentes não se conformam com o douto Despacho recorrido pois - pese embora as sinceras condolências e respeito pelo facto impedimento alegado pelo I. Mandatário dos AA (o falecimento da sua mãe), que, desde já, e uma vez mais, aqui se manifesta - como veremos, a decisão do Tribunal a quo faz, no humilde entendimento dos Apelantes, uma aplicação e interpretação errada do artigo 139.º, n.º 2, do CPC e, consequentemente, do art.º 3.º, al. a), do D-Lei n.º 131/2009, de 01/06; Vejamos, então, por partes:
Primeiro: da natureza dos prazos perentório e dilatório – invocação de justo impedimento apenas no decurso do prazo perentório
C. O prazo para a interposição do recurso de apelação tem natureza perentória, o que significa que decorrido este prazo, extingue-se o direito de o praticar, conforme resulta do disposto no art.º 139.º, n.º 3, do CPC.
D. Natureza bem diferente assume o prazo dilatório, na medida em que este difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo - art.º 139.º, n.º 2, do CPC.
E. Resulta, assim, do n.º 3 do preceito transcrito que é prazo perentório o estabelecido para a prática de um ato processual que, uma vez ele decorrido, deixa de poder ser praticado.
F. A este regime preclusivo que decorre do decurso de prazo perentório estabelece a lei duas exceções: a primeira, a parte pode praticar o ato fora do prazo, havendo justo impedimento (entenda-se, de o praticar dentro do prazo); a segunda, independentemente do justo impedimento, a parte pode praticar o ato fora do prazo desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo, e pague a multa fixada na lei.
G. A regra é ser perentório o prazo processual relativo a ato a praticar pela parte – como a apresentação da contestação.
H. Veja-se que, à semelhança do juízo feito para o prazo dilatório, esta faculdade concedida pelo art.º 139.º, n.º 5, do CPC – prática do ato dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo - não representa um acréscimo do prazo perentório, tanto mais que a validade do ato praticado depende do ato do pagamento imediato de uma multa que tem o carácter de sanção para um comportamento processual presumivelmente menos diligente ou negligente.
I. A possibilidade, conferida pelo n.º 5 do art.º 139º, de o ato processual, sujeito a prazo perentório, ser praticado, mediante pagamento de multa, nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, independentemente da existência de justo impedimento, é uma inovação introduzida na lei processual pelo Dec-Lei 323/70, de 11 de Julho, embora em termos menos permissivos do que os atualmente previstos (a redação inicial do mencionado n.º 5, introduzido pelo dito Dec-Lei, apenas permitia a prática do ato no 1º dia útil posterior ao termo do prazo, na condição do pagamento imediato de multa equivalente a ¼ da taxa de justiça e não inferior a 500$00; a admissibilidade da prática do ato no segundo ou terceiro dia útil posterior ao termo do prazo, mediante o pagamento de multas sucessivamente mais gravosas, foi trazida pela reforma intercalar de 1985 (Dec-Lei 242/85, de 9 de Julho), e manteve-se desde então, apenas com alterações quanto ao montante das multas).
J. Como explica o Prof. ANTUNES VARELA (na Rev. Leg. Jur., ano 116º, págs. 31/32.2), a inovação aportada pelo Dec-Lei 323/70 teve por base “o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira coletiva de agir, a que não se mostram imunes os procuradores mais qualificados de negócios alheios, que são os mandatários judiciais” – o hábito condenável de guardar para a última hora todo o ato que tem um prazo para ser validamente praticado – visando, assim, fundamentalmente, prevenir o possível descuido, esquecimento ou negligência do interessado e evitar que a omissão de uma simples formalidade processual possa conduzir à perda definitiva de um direito material.
K. Por isso mesmo, para que a faculdade concedida não representasse um prémio ou um “bónus” para a parte processual negligente, fez-se depender a validade do ato do pagamento imediato de uma multa, que assume, assim, o carácter de sanção para um comportamento processual presumivelmente menos diligente ou negligente.
L. Que assim é, resulta da vincada preocupação do legislador em estabelecer multas gradativamente mais pesadas, conforme o ato for praticado no 1º, no 2º ou no 3º dia posterior ao termo do prazo: para sancionar graus de negligência sucessivamente mais intensos, multas correspondentemente mais pesadas.
M. Sendo esta a ratio legis, seria inaceitável que o justo impedimento pudesse funcionar e produzir efeitos relativamente a um período temporal adicional, que está fora do prazo perentório estabelecido na lei e de que a parte só pode valer-se pagando uma multa, como sanção pelo desrespeito pelo prazo que devia ter observado, presumindo-se que o não observou por negligência.
N. Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 04.05.2006 (Acórdão proferido nos autos de Recurso Penal n.º 2786/05, da 5ª Secção), protelando a prática do ato para os três dias seguintes ao termo do prazo, sem que haja qualquer impedimento à sua prática em tempo (i.e., dentro do prazo), a parte perde a salvaguarda do justo impedimento, pois que este só vale para o «impedimento» surgido no decurso do prazo perentório. A parte não pode «acumular» o justo impedimento com o alternativo prazo suplementar de condescendência (este já «independente do justo impedimento»).
O. Em suma – lê-se no aludido aresto – “o «justo impedimento» não vale para o prazo de complacência (dele «independente») condescendido residualmente pelo art.º 145º/5 do CPC” – o ora correspondente art.º 139º, n.º 5, do Novo CPC.
P. “Esse prazo residual, concedendo uma última oportunidade para a prática do ato e constituindo já de si uma «condescendência», não poderá contar – sob pena de descaracterização dos prazos perentórios e da finalidade da sua perentoriedade (máxime, a celeridade da marcha processual) – com o amparo concedido ao prazo perentório pelo instituto do «justo impedimento».”
Q. Entendimento idêntico foi ainda seguido pela Relação de Coimbra, no seu acórdão de 12.07.95 (publicado na Col. Jur., ano XX, tomo IV, pág. 18.), e pela Relação do Porto, em acórdão de 19.05.97, cujo sumário (publicado no BMJ 467/632.) é o seguinte:
R. O justo impedimento só pode ser invocado nas situações em que ainda não tenha decorrido o prazo normal para praticar o ato, devendo a parte, logo que cesse o impedimento, praticar o ato alegando simultaneamente o justo impedimento (Cf. Ac. STJ, de 27.11.2008, in dgsi.pt)» - cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01-07-2014, Processo 704/07.7TBCNT-B.C1, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/18d1da2c87f0f2dd80257d250032dd45?OpenDocument
S. Atente-se, ainda, que é o próprio I. Mandatário dos AA quem refere, no seu requerimento de 26-05-2023, Ref.ª ...86, que «2.- Atenta a complexidade da acção, decidiram os demandantes interpor recurso no 3.º dia útil após o termo do prazo, ou seja, no dia 25/05/2023». – o que, conforme supra referenciado – não vai de encontro ao espírito da Lei, sob pena de descaracterização dos prazos perentórios e da finalidade da sua perentoriedade (máxime, a celeridade da marcha processual).
T. Considerando que o prazo para a interposição do recurso era de 30 dias contados da notificação da decisão (art.º 638º, nº 1, e 644º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Civil), acrescido de 10 dias caso o recurso tivesse por objeto a reapreciação da prova gravada, o qual ocorreu a .../.../2023; e, sendo certo que o invocando falecimento da mãe do I. Mandatário dos AA, ocorreu no dia ..., não há que considerar, para efeitos de contagem do prazo de recurso, o “justo impedimento” invocado.
U. Ou seja, o impedimento invocado pelo I. Mandatário dos AA ocorre no 2.º dia para além do prazo de natureza perentório.
V. Assim, o recurso interposto, tendo dado entrada em juízo em 29-05-2023, mostra-se manifestamente extemporâneo, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 641º, nº 2, al. a), do Cód. Proc. Civil, deveria o Venerando Tribunal recorrido ter indeferido o mesmo.

Segundo: do benefício estabelecido a Advogado/a enlutado/a - faculdade de adiamento de ato...

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