Acórdão nº 631/10.0BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-01-11

Ano2023
Número Acordão631/10.0BELRA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 14.02.2022, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por M. P. V. (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), referente ao ano de 2005.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A. Concluiu o douto tribunal que a administração tributária não logrou provar e demonstrar, conforme dispõe o artigo 74.º da LGT e artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, que as verbas alegadamente recebidas pelo Impugnante, foram a título de adiantamento por conta de lucros

B. Não podemos deixar de dissentir da decisão proferida, pelas razões que sustentam o presente recurso, sob o prisma do que julgamos ter sido erros de julgamento, resultantes da errada apreciação da matéria de facto e subsunção da mesma à matéria de direito, bem como da errada interpretação e aplicação da matéria de direito relativa ao ónus da prova em procedimento tributário.

C. Ora, no que concerne à decisão do procedimento tributário, dispõe o artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária que a mesma deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

D. Por sua vez, no que se refere à fundamentação dos actos tributários de liquidação, o n.º 2 do artigo 77.º da LGT estabelece que a mesma pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

E. Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina, o ato encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. (Ver neste sentido, entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proc. 0510/10, de 10/06/2010, e proc. 0561/03.2BTCBR 01438/15, de 03-07-2019).

F. Ponto é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.

G. Conforme igualmente referiu o Tribunal a quo, para que a fundamentação possa ser considerada suficiente terá de ser compreensível para um destinatário médio, ou seja, o bonus pater familiae a que alude o 487.º, n.º 2, do Código Civil, o que exige clareza nas razões de facto e de direito apresentadas.

H. A compreensibilidade do destinatário médio, postado numa situação concreta, será, pois, o critério adequado para aquilatar da suficiência da fundamentação.

I. Entende-se, no entanto, que o Tribunal a quo não aplicou corretamente o conceito de fundamentação anteriormente explanado à situação em apreço nos autos, incorrendo assim em erro de julgamento resultante de uma errada subsunção dos factos à matéria de direito.

J. O sobredito preceito, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais, consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos associados.

K. Mas para que tal suceda é necessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares, sendo que não existe qualquer presunção de que no caso de haver lucros estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares.

L. Por sua vez, o artigo 6.º, n.º 4, do mesmo Código, sob a epígrafe «Presunções relativas a rendimentos da categoria E», estatui: «Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros».

M. A lei não se refere expressamente às quantias escrituradas nas contas de sócios a título de suprimentos.

N. O que a lei, com a presunção em análise, quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja "causa" jurídica não foi expressamente declarada (cfr. José Guilherme Xavier de Basto, in Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, 2007, págs. 221 e seg.).

O. Por isso, vale a regra constante do n.º2 do art.º 350.º do C.C., própria para as presunções legais – as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário.

P. Resulta da fundamentação externada, enquanto suporte da correção que originou os actos tributários de liquidação sindicados, a Administração Tributária não fez qualquer presunção de rendimentos;

Q. Ora, a correção controvertida não assenta num rendimento presumido ao abrigo do nº 4 do artigo 6.º do CIRS, mas num rendimento real apurado e qualificado como adiantamento por conta de lucros.

R. Ou dito de outro modo, existiam indícios concretos e suficientes para considerar a retirada daquelas quantia como adiantamento por conta de lucros e, consequentemente, como rendimentos de capitais, da categoria E, nos termos do artigo 5.º, n.º1, alínea h) do CIRS, sujeitos a tributação.

S. Ora, está provado nos autos, que relativamente à venda de imóveis, por parte da sociedade "C. R. & M. V. Ldª". houve simulação de preços, uma vez que os valores declarados de venda não correspondem aos valores reais. pelos quais os imóveis foram efetivamente transacionados

T. E. também está provado nos autos, que as diferenças entre o valor real e o valor declarado, não deram entrada nas contas bancárias da sociedade.

U. Mas sim que tais diferenças de valores foram pagas pelos adquirentes dos imóveis diretamente ao impugnante, através de cheques passados à sua ordem ou através de transferências bancárias para uma conta por si titulada.

V. Assim não há dúvida que tais diferenças. tais vantagens económicas foram diretamente colocadas à disposição do impugnante.

W. E, embora constituíssem proveitos da sociedade foram por esta omitidos pois não entraram na sua contabilidade.

X. Assim embora tais rendimentos correspondessem a lucros da sociedade, os mesmos não foram por esta recebidos e declarados, já que o ite. deles se apropriou, não os tendo devolvido à mesma Sociedade.

Y. Logo os mesmos rendimentos só podiam ser tributados na esfera do impugnante que foi quem efetivamente os recebeu, como rendimento da categoria E. como adiantamento por conta de lucros. nos termos do citado art. 5°. nº 2, ai a) do CIRS.

Z. Coloca-se, então a questão de saber se a Administração Tributária cumpriu o ónus de alegar e provou factos índices donde se pudesse extrair conclusão que extraiu (cfr. artigo 74.º da LGT), no sentido de que foram postos à disposição do recorrente proveitos auferidos pela sociedade, constituindo adiantamentos por conta de lucros e, nessa medida, devem ser qualificados como rendimento de capitais nos termos do artigo 5.º, n.º2, alínea h) do CIRS.

AA. Neste particular, entendemos que pertencendo os mencionados montantes à sociedade (proveitos), e deles se tendo apropriado o recorrente e perante a ausência de prova que o tenha devolvido à mesma sociedade, onde não consta escriturado nas respectivas contas sociais – em termos fiscais não pode deixar tal montante de lhe ser imputado como um seu rendimento, obtido naquele exercício, subsumível na alínea h) do artigo 5.º do CIRS, como rendimento da categoria.

BB. Consequentemente, tendo a Administração Tributária demonstrado a legalidade do seu agir, incumbia ao recorrente o ónus de demonstrar que os montantes em causa, indiscutivelmente depositados na sua conta e por si recebidos, o foram a qualquer outro título, ou por outrem, ou que os mesmos foram transferidos para a sociedade ónus que não cumpriu, de todo em todo.

CC. Ora, não podemos também aqui de dissentir das conclusões do Tribunal a quo.

DD. Pois, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

EE. Assim sendo, a alegação do Impugnante carecia de prova, a qual manifestamente não logrou efetuar, conforme se afere do probatório do arresto recorrido

FF. Entende-se, por isso, que também aqui o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, resultante de uma errónea interpretação das regras relativas ao ónus da prova em procedimento tributário.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo e, desse modo, julgar parcialmente procedente a impugnação judicial interposta pela Recorrida, com o que V. Exas. farão a almejada Justiça!”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“I No presente recurso está em causa uma liquidação adicional do IRS relativa ao ano de 2005.

II – Invoca o Recorrente que o ato do procedimento e do ato tributário estão devidamente fundamentados e provados.

III – Que a AT cumpriu o ónus da prova de que o Impugnante obteve rendimentos e que os mesmos revestiram a natureza de adiantamentos por conta de lucros auferidos pela sociedade C. R. & M. V., Lda., nos termos do artigo 5.º. n.º 2, alínea h) do Código do IRS.

IV – Discorda totalmente o Recorrido da posição assumida pelo RFP.

V – Com efeito, a tributação...

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