Acórdão nº 6270/19.3T8GMR-G.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-12-07

Ano2023
Número Acordão6270/19.3T8GMR-G.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Recorrente: Massa Insolvente de EMP01..., Lda.
Recorrida: EMP02..., S.A.
*

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório
Massa Insolvente de EMP01..., Lda. intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra EMP02..., SA, pedindo fosse a Ré condenada:
a) a reconhecer que, declarada a insolvência de EMP01..., LDA., tinha de proceder à entrega da malha ao Sr. Administrador da insolvência, mesmo que gozasse de direito de retenção;
b) a reconhecer que não tem direito de exigir à A. custos de armazenagem da malha;
c) a reconhecer que os serviços de acabamento que alega ter efectuado na malha não lhe conferia o direito à manutenção da malha em seu poder após o trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência;
d) a pagar à A. a quantia de € 10,00 por cada dia que ultrapasse a data do trânsito em julgado da sentença proferida nesta acção, sem que a Ré tenha entregue a malha ao Sr. Administrador da insolvência.

Alegou para tanto e em síntese que a EMP01..., Lda. dedicava-se à produção e comercialização de artigos têxteis; por sentença de 14/11/2019 foi declarada a insolvência da mesma; aquando da declaração da insolvência, existiam, nas instalações da Ré, 2000 kg de malha pertencente à A., o que foi confirmado por aquela; aquela sentença decretou a entrega imediata ao AI de todos os bens da insolvente, mesmo que arrestados, penhorados, ou, por qualquer forma, apreendidos ou detidos; não obstante a Ré dever proceder à entrega da malha, não o fez; a 10/03/2020 o Sr. AI notificou a Ré para entregar a malha em 5 dias, o que a mesma não fez, ora alegando ter tido despesas com a armazenagem da malha, a partir de Julho de 2020 em diante e por um período de 6 meses, ora alegando que anteriormente à declaração de insolvência efectuou serviços de acabamento na malha, arrogando-se, em face disso, de um direito de retenção sobre a malha; se a Ré efectuou a armazenagem da malha e com isso teve custos, à Ré é imputável tal facto, pois, com o trânsito em julgado da sentença de insolvência, estava obrigada a entregar a malha ao AI; a lei confere a possibilidade de reclamar créditos na insolvência, garantidos por direito de retenção; a Ré é reclamante.

A Ré, citada, contestou, pedindo que a acção seja julgada improcedente, declarando-se que a tem o direito a compensar o seu crédito com o valor da malha em sua posse, bem como a exercer o direito de retenção enquanto o seu crédito não for pago e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da A. a pagar à Ré a quantia de € 5.670,00 a título de custos de armazenagem da malha e € 3.800,00 a título de serviços incorporados na malha.

Alegou que reclamou um crédito sobre a insolvência no montante de € 51.344,53, o qual ainda não foi pago; a Ré não pode ser condenada a entregar a malha enquanto não for paga do seu crédito; tem o direito a compensar o seu crédito com o alegado crédito da massa (valor da massa); goza do direito de retenção, enquanto depositária da malha e enquanto o seu crédito, anterior à insolvência, sobre a insolvente não lhe for pago.

Alegou ainda que antes da insolvência, a insolvente entregou nas instalações da Ré cerca de 20.000 kg de malha em cru, para acabamento/tingimento; já depois da insolvência a malha sofreu diversos acabamentos, prestados pela Ré, os quais valorizaram a malha; a malha não chegou a ser levantada, ficando a Ré com um prejuízo de € 3.800,00, relativos aos serviços incorporados; em Março de 2020 o AI contactou a Ré para lhe entregar a malha; a Ré solicitou o pagamento dos serviços; em Julho de 2020 a Ré comunicou o AI que podia proceder ao levantamento da malha, solicitando a prévia marcação de dia e hora para o efeito; o AI não levantou a malha, nem voltou a contactar a Ré; desde então a malha ficou nas instalações da Ré; foi contactada para entregar a malha, tendo comunicado que a entregaria se pagasse os custos de armazenagem; o AI comunicou que nada pagaria; os custos de armazenagem ascendem a € 5.670,00.

A A. apresentou réplica.

Foi designada data para audiência prévia, que se realizou, tendo sido consignado que:
- foi aceite a reconvenção por peticionados créditos sobre a massa;
- o objecto do litigio – “A condenação da Ré a reconhecer que, declarada a insolvência de EMP01..., LDA., tinha de proceder à entrega da malha ao Sr. Administrador da insolvência, mesmo que gozasse de direito de retenção. A licitude da recusa pela Ré a entrega dessa malha ao Sr. A.I.. De a Ré ser credora da massa insolvente no montante peticionados a título de reconvenção.”;
- os temas da prova:
a) Da existência de direito de retenção da Ré.
b) o Sr. Administrador da insolvência em 10/3/2020, notificado a Ré para que entregasse voluntariamente a malha, concedendo-lhe um prazo de 5 dias para o efeito.
c) A Ré, porém, continuou a não proceder à entrega da malha, alegando a Ré para legitimar a sua recusa em entregar a malha, ora que teve despesas com a armazenagem da malha, a partir de julho de 2020 em diante, e por um período de 6 meses, ora que anteriormente à declaração da insolvência efetuou serviços de acabamento na malha, arrogando-se a Ré, em face disso, de um direito de retenção que lhe facultaria recusar-se a entregar a malha em causa.
d) O valor da malha.
e) O Senhor AI não levantou a malha, que ficou a impedir as instalações da Ré, com o inerente prejuízo acima quantificado.
f) O Senhor AI não pagou os custos de armazenagem que a Ré imputou à massa e que não tem obrigação de suportar.
g) O Senhor AI não pagou o custo dos serviços prestados na malha e que são da responsabilidade da massa.

Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença com o seguinte decisório:

“Julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e consequentemente:
- Condena-se a Ré a entregar ao Sr. A.I. a malha referida em d) dos factos provados.
Julga-se parcialmente procedente a reconvenção, devendo a Massa Insolvente ser condenada a pagar à Ré/reconvinte a quantia de € 5760,00, subordinada à condição supra referida.
Custas por A. e Ré em partes iguais.”

Interpôs a A. recurso, pedindo seja revogada a sentença recorrida na parte em que julgou parcialmente procedente a reconvenção a qual deve ser julgada totalmente improcedente, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) Os factos constantes da alínea n) dos Factos dados por Provados pela douta sentença recorrida, devem ser eliminados dos Factos Provados, passando a figurar nos factos não provados;
2) Pois os factos constantes da alínea n) dos Factos Provados, conquanto tivessem sido alegados pela Ré no art. 32º da reconvenção foram impugnados pela A. no art. 3º da réplica, e sobre tais factos não foi feita qualquer prova, pois sequer existiu alguma pergunta ao menos que fosse sobre tal matéria, que tivesse sido feita ou sido respondida por alguma testemunha que fosse, tendo apenas sido feita a prova de que a malha continua na detenção da Ré, e nada mais;
3) Pelo que não faz qualquer sentido e é um absurdo dar tais factos como provados, quando não foram provados, nem a qualquer das testemunhas foram perguntados sequer;
4) O que foi dado por provado em als. i) e j) dos Factos Provados, são apenas alegações feitas pela Ré quer dizer o que se provou constante dessas alíneas foi que a Ré / Reconvinte fez essas alegações, mas não que sejam verdadeiros os factos a que aludem essas alegações;
5)Os factos constantes da alínea l) dos Factos Provados, devem ser eliminados dos Factos Provados;
6) Efetivamente os factos constantes da alínea l) dos Factos Provados são incompreensíveis, irrelevantes e inúteis pois não está provado que se trate de malhas idênticas com as mesmas qualidades e características, nomeadamente nas linhas e fios, e por conseguinte com valores de custo que sejam iguais;
7) A detenção pela Ré da malha após ser declarada a insolvência de EMP01..., Lda. é ilícita mormente é ilícita decorrido o prazo de 5 dias a contar de 10/3/2020 para que foi notificada pelo Sr. Administrador da insolvência para que entregasse a malha, e que a Ré continuou a não proceder à entrega ( alíneas f), g) e h) dos Factos Dados por Provados na douta sentença, e cfr. excertos dos depoimentos transcritos nas alegações, e emails trocados entre a mandatária da Ré e a colaboradora do Sr. Administrador da Insolvência de tal incumbida, e que estão juntos aos autos e apensos );
8) Dá por reproduzidos e integrados os excertos e momentos dos depoimentos das testemunhas feitos na audiência de julgamento em 14/2/2023, constantes das alegações;
9) Na data em que a Ré alegou custos de armazenagem (vide alínea i) dos Factos Dados por Provados) já detinha ilicitamente a malha, pelo que sobre a Massa não impendia qualquer responsabilidade por eventuais custos de armazenagem;
10) A Ré dispunha da possibilidade de reclamar o crédito que alegava de, anteriormente à declaração da insolvência ter efectuado serviços de acabamento na malha (parte final da alínea i) dos Factos Dados por Provados), inclusive tendo reclamado e visto reconhecido um crédito sobre a insolvência no montante de € 51.344,53 (alínea k) dos Factos Dados por Provados);
11) Na audiência de julgamento, foram ouvidas 2 testemunhas indicadas pela Ré, e ambas declararam categoricamente que a Ré sempre recusou a entrega da malha sem que previamente o Sr. Administrador da Insolvência efetuasse o pagamento, inicialmente de serviços de acabamento na malha e posteriormente de custos de armazenagem.
12) Portanto, se a posição da Ré foi a de que recusava entregar a malha sem o Sr. Administrador da Insolvência previamente pagar o custo do acabamento realizado pela Ré na malha, é evidente que:
- Por um lado, a manutenção da malha na detenção da Ré posteriormente à declaração da insolvência mormente depois de decorridos 5 dias a contar da notificação de 10/3/2020 ( vide...

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