Acórdão nº 6249/21.5T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-09-18

Ano2023
Número Acordão6249/21.5T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 6249/21.5T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 3
Relatora: Teresa Sá Lopes
1ºAdjunto: Desembargador António Luís Carvalhão
2ª Adjunta: Desembargadora Paula Leal de Carvalho

1. Relatório (aproveitando o relatório efetuado na sentença recorrida):
AA intentou a presente ação de processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra A..., Unipessoal, Ld.ª, pedindo que se condene a R. a pagar-lhe a quantia global de € 21 102,95, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, em suma, que a R. não o remunerou corretamente em termos de trabalho noturno, de trabalho suplementar, de trabalho prestado em dias de descanso semanal obrigatório ou complementar, nem quanto ao subsídio de alimentação, tudo de acordo com o Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho aplicável.
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Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, foi designada data para realização da audiência final, tendo a Ré sido notificada para contestar.
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A Ré contestou a ação, pugnando pela sua absolvição dos pedidos formulados.
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Foi proferido despacho saneador.
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Foi realizada a audiência final.

Foi posteriormente proferida sentença com o seguinte dispositivo que se transcreve:
“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a R., A..., Unipessoal, Ld.ª, a pagar ao A., AA:
a) a quantia de € 1489,71 (mil quatrocentos e oitenta e nove euros e setenta e um cêntimos) a título de trabalho noturno prestado;
b) a quantia de € 1145,40 (mil cento e quarenta e cinco euros e quarenta cêntimos) a título de média do trabalho noturno prestado, a incidir sobre a retribuição de férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal;
c) a quantia de € 2170,33 (dois mil cento e setenta euros e trinta e três cêntimos) a título de trabalho suplementar prestado;
d )a quantia de € 8462,88 (oito mil quatrocentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos) a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal obrigatório ou complementar;
e) a quantia de € 2718 (dois mil setecentos e dezoito euros) a título de descanso compensatório não gozado;
f) a quantia de € 888,36 (oitocentos e oitenta e oito euros e trinta e seis cêntimos) a título de subsídio de alimentação;
g) a quantia de € 966,48 (novecentos e sessenta e seis euros e quarenta e oito cêntimos) a título de trabalho prestado em dias feriado;
h) juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma daquelas prestações, até efetivo e integral pagamento.
Condeno o A. e a R. no pagamento das custas da ação, na proporção do respetivo decaimento.
Registe e notifique.”

Notificada a Ré veio interpor o presente recurso, o qual finalizou com as seguintes conclusões:
“(i) A Recorrente não pode, de todo, concordar que tenham sido dados por provados os factos constantes dos pontos n), r), s), t) e u) da matéria de facto;
(ii) Por um lado, nenhuma prova foi produzida pelo Autor que o permitisse;
(iii) Por outro lado, a aqui Recorrente foi confrontada com a inversão do ónus da prova, apenas em sede de sentença, sem que existisse fundamento legal que o justificasse;
(iv) Está em causa nos autos - sendo contra o entendimento que foi consagrado na sentença proferida que a aqui apelante se insurge - aferir se, no caso concreto, em que estava invocada a prestação de trabalho noturno, trabalho suplementar, trabalho prestado em dias de descanso semanal obrigatório ou complementar, em dias feriados, e descanso compensatório não gozado, por parte do autor, o tribunal podia, sem mais, sem qualquer advertência, ter na sentença recorrida optado por inverter as regras do ónus da prova.
(v) A R., no cumprimento do seu princípio de colaboração, tudo esclareceu ao Tribunal no que concerne aos registos para que foi notificada para juntar, sendo que a inversão do ónus da prova, ao abrigo do estipulado no artigo 344.º, n.º 2 do Código Civil, apenas acontece quando “… a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (…)”,
(vi) Nada disso sucede nos autos, pois que se a A. alega que trabalhou para além do seu horário, e em determinados dias e horas, poderia produzir prova testemunhal para tanto comprovar, ou também fazer essa prova por declarações e depoimento de parte, o que manifestamente não fez.
(vii) Não tendo o A. esgotado os meios de prova ao seu dispor, enquadramento, afigura-se à Ré que jamais impediu ou tornou impossível ao A. a prova do por si alegado, pelo que errou o Tribunal ao determinar a inversão do ónus da prova.
(viii) Além disso, o CT previu expressamente as consequências da violação de registo, fazendo-o apenas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 231.º do CT e não já em termos de inversão do ónus da prova.
(ix) Pelo que, tendo o Tribunal dúvidas no ocorrido, implicaria que essa dúvida fosse decidida contra a parte a quem o facto aproveita, pelo que a pretensão do A. sempre teria que naufragar, não se podendo bastar com a junção aos autos de umas meras escalas feitas por si e nada mais, sem, como dissemos já nos autos, qualquer sinal de aprovação ou aceitação por parte da R., que não os assinou, estando, como tal, sujeitos à viciação que os trabalhadores queiram fazer de tais documentos.
(x) Donde, e sem mais, a inexistência de prova suficiente para a demonstração dos factos alegados pelo A., a inexistência de fundamento legal para alterar as regras do ónus da prova e inverter o seu ónus, imporia que fossem julgados não provados os factos aludidos em n), r), s), t) e u), e, consequentemente, obrigaria a que fosse julgada totalmente improcedente por não provada a presente ação.
(xi) Como é, aliás, de inteira justiça, pois, como dissemos já nos autos, é inadmissível que um trabalhador que durante toda a vigência do seu contrato de trabalho nunca nada reclamou à R., nunca peticionando quaisquer valores que entendesse estarem em divida, possa vir agora reclamar, sem mais, um valor de mais de vinte mil euros, bastando-lhe para tanto fabricar uns documentos, que, por si só, foram suficientes para que o tribunal desse por provada toda a sua construída tese.
Requer, pois, seja atendida a pretensão da aqui Recorrente, no sentido de ser absolvida do pedido contra si formulado, assim se fazendo, como sempre, JUSTIÇA!”

Contra-alegou o Autor, finalizando com as seguintes conclusões:
“1. As presentes contra-alegações vêm na sequência do recurso apresentado pela R. A..., Unipessoal, Lda., que foi condenada no pedido do A.
2. O Douto Tribunal a quo julgou procedente a ação do Trabalhador por considerar, além do mais, “nos termos previstos no art.º 344.º n.º 2 do C. Civil, que a R. tornou culposamente impossível a prova ao onerado com a mesma, o que justifica a inversão do respetivo ónus”.
3. É neste ponto que a Recorrente se demonstra insatisfeita e discordante com o Tribunal, referindo que “a questão recursiva apenas terá relevância se a matéria de facto for alterada”. E fá-lo em virtude de ter sido invertido o ónus da prova que em situações normais caberia ao Trabalhador.
4. A Recorrente refere nas alegações que essa é a questão central, insurgindo-se contra a decisão do Tribunal a quo, uma vez que este, na sua visão, “sem mais, sem qualquer advertência, ter na sentença recorrida optado por inverter as regras do ónus da prova”.
5. Com a interposição da petição inicial, o A. indicou a celebração, duração do contrato de trabalho, a prestação de trabalho no período correspondente ao pedido formulado, bem como as retribuições e quantias que lhe foram pagas a fim de se proceder ao correto apuramento do que lhe é devido, juntado as escalas que possuía e que lhe foram dadas pela R., bem como registos de tempos de trabalho que durante parte da relação laboral enviava, por ordem e instruções da R. para um e-mail, tendo-o deixado de fazer também por instruções da R., conforme doc. 5 junto a fls.
6. O Autor requer na p.i. que a R. seja notificada para juntar, além do mais, “os registos diários dos tempos de trabalho do A., desde o início da relação laboral com a R. até ao fim desta; os registos do trabalho suplementar prestado pelo A.; o “mapa do horário de trabalho”.
7. O requerimento apresentado desde o início pelo Autor estriba-se no artigo 429 n.º 1 do CPC, que estabelece que quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado.
8. O douto Tribunal, no despacho saneador, notificou a R. para juntar os documentos aludidos na “parte final da petição inicial”, ou seja, registos dos tempos de trabalho, registos de trabalho suplementar e mapas do horário de trabalho.
9. A R. não cumpriu aquele ditame.
10.Juntou 131 páginas de documentos (através do requerimento junto ao Citius com a ref. Eletrónica n.º 30504302), sendo que nas primeiras juntou os recibos do A.
11. Juntou ainda escalas que não correspondem aos horários praticados pelos vigilantes.
12. Juntou registos de tempos de trabalho que não têm qualquer marca distintiva do Autor ou de Colegas, sendo da exclusiva autoria da Recorrente.
13. Estes documentos foram impugnados pelo Autor (através do requerimento junto ao Citius com a ref. Eletrónica n.º 30545292).
14. Nesse mesmo requerimento, o Autor reitera que “requereu a junção dos registos dos tempos de trabalho, registos esses da responsabilidade do empregador manter, conforme o estabelecido no artigo202 n.º 1,sendo sua obrigação manter aquele registo durante 5 (cinco) anos – artigo 202 n.º 4”, concluindo que se a R. não apresentar os documentos pedidos, deveria ser invertido o ónus da prova, conforme o previsto no artigo 344 n.º 2 do Código Civil.
15. A R. sabia da possibilidade da inversão do ónus da prova, nem que seja pelo facto de o mesmo ter sido
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