Acórdão nº 6248/22.0T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-11-2023

Data de Julgamento23 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão6248/22.0T8LSB.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
AR e outros, requerentes neste processo especial para divisão de coisa comum, em que são requeridos SD e outros, notificados da decisão proferida em 8 de fevereiro de 2023, que absolveu os requeridos da instância com fundamento em exceção dilatória de falta de personalidade judiciária e ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário, e com essa decisão não se conformando, interpuseram o presente recurso.

A compreensão do litígio e do objeto do recurso impõe um pequeno relato cronológico do processado:
AR, por si e em representação de seu potencial filho nascituro, e ASR, casados entre si, e, ainda, LR intentaram a presente ação de divisão de coisa comum, com processo especial, contra SR e SL, casados entre si, e GB, casado com BH, alegando que:
=> A titularidade dos direitos de usufruto e de propriedade sobre o prédio sito na Avenida …, …, descrito na CRP de Lisboa, sob o n.º …-São Jorge de Arroios, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvalade, sob o art.º … (com origem no art.º …), distribui-se da seguinte forma:
a) Requerente AR – 1/3 (um terço) do direito de usufruto e 1/3 (um terço) do direito de propriedade plena;
b) Requerente LR – 1/12 (um doze avos) da nua propriedade;
c) 1º Requerido, SD – 1/12 da nua propriedade (um doze avos) e 1/6 (um sexto) do direito da propriedade plena;
d) 2º Requerido, GB – 1/12 (um doze avos) da nua propriedade e 1/6 (um sexto) do direito da propriedade plena; e
e) Nascituros do 1º Requerente marido, AR – 1/12 (um doze avos) da nua propriedade.
=> Os Requerentes não pretendem continuar na indivisão do prédio.
=> O prédio é divisível porque suscetível de ser constituído no regime da propriedade horizontal, dispondo já de autorização administrativa emitida pela Câmara Municipal de Lisboa.
=> A representação dos nascituros, titulares de 1/12 (um doze avos) da nua propriedade, cabe ao ora 1.º Requerente, nos termos do art.º 2240.º do Código Civil.
Terminam requerendo que, fixados os quinhões de cada interessado conforme supra alegado, e reconhecida a divisibilidade do prédio, o mesmo seja constituído no regime da propriedade horizontal, atribuindo-se as futuras frações a todos os interessados, na proporção daqueles quinhões, e sem prejuízo das tornas que possam caber feita que seja a pertinente perícia de avaliação.

Os requeridos não deduziram oposição.

Por despacho de 18/10/2022, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a falta de personalidade e capacidade judiciária do(s) nascituro(s) do requerente AR e sobre o prosseguimento dos autos no sentido de a divisão da coisa ser apenas provisória, ficando sujeita ao regime de propriedade resolúvel.

Por requerimento de 03/11/2022, os requerentes responderam, em suma, que:
- não fizeram intervir na ação os nascituros do requerente, seja na qualidade de requerentes, seja na qualidade de requeridos;
- entendem simplesmente que a respetiva representação cabe ao referido requerente por força do disposto no art.º 2240º do Código Civil (sem prejuízo da intervenção do Ministério Público aquando da conferência de interessados por aplicação do disposto no art.º 929.º, n.º 3, do CPC).
Terminaram pedindo o prosseguimento dos autos para a fase subsequente, ou seja, a do reconhecimento da divisibilidade do prédio, com a sua constituição no regime da propriedade horizontal, e atribuindo-se as futuras frações aos interessados na proporção dos respetivos quinhões conforme requerido na petição inicial.

Por despacho de 06/01/2023, o tribunal a quo, afirmando que os requerentes não se pronunciaram sobre a possibilidade de divisão mediante condição resolutiva entre os comproprietários e usufrutuários nascidos, portanto, entre as partes na ação, voltou a determinar a sua notificação para, no prazo de 10 dias, comunicarem aos autos se concordam com a prosseguimento da ação nos termos expostos.
Mais clarificou que tal implica a provisoriedade da divisão da coisa comum efetuada, a qual ficará sujeita ao regime de propriedade resolúvel, logo será suscetível de modificação mediante o nascimento dos donatários nascituros; e, caso o requerente AR não venha a ter filhos, o direito dos comproprietários consolidar-se-á.

Por requerimento de 20/01/2023, os requerentes opuseram-se nos seguintes termos:
«Os ora requerentes não concordam com o prosseguimento da ação nos termos propostos no despacho de 18 de outubro p.p. e reiterados no despacho agora notificado.
A seguirem-se aqueles termos, todas as frações ficariam sujeitas à provisoriedade da divisão, inutilizando-a na prática e com claro prejuízo para os restantes comproprietários que não sejam o ora requerente AR cujos nascituros constituiriam a razão da dita provisoriedade.
Tanto quanto se afigura ser do conhecimento e do interesse de todos os intervenientes, é que apenas as frações que possam vir a ser adjudicadas ao requerente AR fiquem sujeitas à incidência registal dos nascituros e daí que se tenha pedido a intervenção do Ministério Público para aferir se, em concreto, a adjudicação que for acordada não é prejudicial para os ditos nascituros».

Foi, de seguida, proferida a decisão objeto de recurso, que absolveu os requeridos da instância, com fundamento em falta de personalidade judiciária do(s) nascituro(s).

Os requerentes não se conformaram e recorreram, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«a) Estão em juízo todos os comproprietários dotados de personalidade judiciária para que seja possível exercer o direito à não indivisão previsto no art.º 1412.º do Código Civil;
b) É irrelevante, para tal efeito, que na Conservatória do Registo Predial se encontre inscrito o direito a 1/12 da nua propriedade a favor de nascituro de um daqueles comproprietários;
c) Aquele direito deve-se ter como transitoriamente sem sujeito até que sobrevenha o nascimento ou a certeza da impossibilidade da sua verificação sendo que, até lá, todos os direitos de propriedade e afins relativos ao prédio podem ser exercidos exclusivamente pelos comproprietários dotados de personalidade jurídica;
d) Não se justifica que a divisão do prédio através da respetiva constituição no regime da propriedade horizontal implique que todas as futuras frações fiquem sujeitas à condição resolutiva do nascimento dos nascituros a favor de quem se encontre inscrito o direito a 1/12 da nua propriedade, algo altamente limitativo do exercício do direito de propriedade constitucionalmente garantido, condição resolutiva àquela que atualmente, e bem, não se encontra inscrita no Registo Predial;
e) A pretender-se salvaguardar os putativos direitos dos nascituros de AR, basta que, na atribuição das frações, fiquem a este adjudicadas aquelas que salvaguardem o correspondente a 1/12 da nua propriedade, sendo que só nessa condição é que poderia ser homologada a sentença reconhecendo a divisão do prédio no já aludido regime;
f) Considera-se, consequentemente, que a sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos art.ºs 66.º n.º 1, 952.º e 1412.º do Código Civil e 32.º n.º 2 do CPC, que se deverão ser interpretados e aplicados nos termos propugnados nas presentes alegações e conclusões.»

Os requeridos não apresentaram contra-alegações.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
a) Estão na ação todas as pessoas a quem respeita a relação material controvertida, não se verificando preterição de litisconsórcio necessário e sendo, portanto, as partes legítimas?
b) O processo reúne as condições necessárias à “fixação dos quinhões”, in casu, à constituição da propriedade horizontal, com definição das suas frações autónomas?

II. Fundamentação de facto
Estão provados os seguintes factos:
1. O prédio descrito na CRP de Lisboa n.º …/… da freguesia de São Jorge de Arroios, encontra-se inscrito a favor de:
a) Usufruto de 1/3 (um terço) a favor do requerente AR, considerando a AP. 14 de 2006/06/21 e o averbamento oficioso de 2006/08/18;
b) Nua propriedade 1/3 (um terço), sem determinação de parte ou direito, a favor do requerente LR, de cada um dos requeridos, SD e GB, e dos filhos nascituros, concebidos ou não concebidos, do ora requerente AR, conforme AP. 15 de 2006/06/21;
c) Metade de 1/3 (metade de um terço) da propriedade plena a favor do requerente AR conforme AP. 15 de 2008/09/22;
d) A outra metade pertencia a MB e, com o seu falecimento, passou para os requeridos GB e SD, que, assim, ficaram com 1/12 (um doze avos) cada um, da propriedade plena, conforme AP. … de 2010/10/25;
e) Mais 1/6 (um sexto) da nua propriedade a favor do requerente AR, e de 1/12 (um doze avos), a favor de cada um dos requeridos SD e GB, conforme AP. 3387 de 2012/11/29.
2. O prédio descrito na CRP de Lisboa n.º …/… da freguesia de São Jorge de Arroios está inscrito na matriz predial urbana sob o art.º … da freguesia de Alvalade (que teve origem no art.º … da extinta freguesia de Alvalade), e é composto por edifício com cave, rés-do-chão, mais três andares e logradouro, tendo área total de 300 m2 e de implantação 180 m2.
3. O imóvel dispõe de Certificação de Propriedade Horizontal emitida pela Câmara Municipal de Lisboa em 16/06/2021, no Pedido n.º CML- …-…, de acordo com o projeto de licenciamento aprovado em 17/01/2020, através do processo n.º …/EDI/…, inserido no volume obra n.º …, nomeadamente no que se refere à sua composição, descrição, usos e partes comuns, ao abrigo dos artigos 1414.º e seguintes do CC.
4. Consta da memória descritiva da certificação de propriedade horizontal a descrição geral, as frações e áreas
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