Acórdão nº 621/20.5T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11-01-2024
Data de Julgamento | 11 Janeiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 621/20.5T8VRL.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I- Relatório
AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., ..., em ..., propuseram, junto do Tribunal Judicial da Comarca ..., a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra CC, agente de execução com domicílio profissional na Rua ..., ..., em ..., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 11.596,65, a título de danos patrimoniais, quantia a que há de acrescer a quantia que venham a pagar a título de honorários ao Mandatário que constituíram na execução n.º 231/19.... e cuja liquidação deixam para incidente ulterior, bem como todas as despesas judicias e extrajudiciais que venham a suportar com a instauração da presente acção e que igualmente relegam para incidente de liquidação.
Peticionam, ainda, a condenação da ré a pagar-lhes indemnização, que liquidam no valor de € 5.000,00, pelos danos não patrimoniais que afirmam ter sofrido.
Peticionam, finalmente, que sobre todas as quantias sejam liquidados e pagos os juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegam, em suma, que: (i) a ré publicitou leilão electrónico, no âmbito do processo 357/17...., que corria termos no Juízo de Execução ..., tendo por objecto o prédio misto ali identificado; (ii) a proposta de aquisição apresentada pelos autores, do valor de € 271.892,00, foi aceite, vindo o aludido prédio a ser-lhes adjudicado em 29/01/2019; (iii) notificados, em 01/02/2019, para, no prazo de 15 dias, efectuarem o pagamento do preço e despesas com o registo de aquisição, o autor marido fez saber à AE que tal prazo seria inviável, pois que necessitava de recorrer a financiamento bancário, tendo sido acordada a prorrogação do prazo por mais duas semanas; (iv) poucos dias depois e quando o processo tendente ao financiamento já iniciara os seus trâmites, a ré fez saber ao autor marido que era do seu conhecimento que a executada projectava apresentar-se à insolvência, o que tornava premente a realização da escritura; (v) obtido o financiamento em 15/02/2019, os autores tentaram pagar o preço, através da referência multibanco comunicada em 01/02/2019, posto o que foi solicitada emissão de nova guia, com prazo de pagamento até 18/02/2019; (vi) tendo o pagamento sido efectuado ainda no dia 15/02/2019, foi agendada escritura de compra e venda para 21/02/2019, sendo que, nos dias que intermediaram entre o pagamento e a data agendada, questionavam a ré sobre a eventual apresentação à insolvência; (vii) no dia 20/02/2019, antes de proceder ao pagamento das obrigações fiscais, o autor marido voltou a questionar a ré sobre a existência do processo de insolvência e a manutenção da escritura, sendo que, em face da resposta de que se mantinha a outorga, procedeu ao pagamento do IMT e IS; (viii) na outorga da escritura, a ré reafirmou não ter sido notificada da insolvência, vindo a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca a ser, efectivamente outorgada em 21/02/2019, procedendo os autores ao pagamento das despesas notariais e emolumentos de registo, tendo a aquisição do prédio pelos autores ficado registada no mesmo dia 21/02/2019; (ix) como os autores vieram a descobrir mais tarde, a executada havia sido declarada insolvente em 06/02/2019, no âmbito do processo 231/19...., em data anterior à de qualquer dos pagamentos suportados pelos autores, sendo que, no apenso A ao processo de insolvência, a executada suscitou incidente de nulidade da escritura de compra e venda outorgada a favor dos autores, na sequência do que foi proferido despacho em que, resumidamente, anula os actos praticados após 18/02/2019, data em que a execução foi declarada suspensa, com a consequente ineficácia da venda ocorrida, mais determinando a restituição, pela ré, da importância paga com a aquisição do prédio; (x) a verdade é que a ré violou os deveres que sobre si impendiam; (xi) sem as garantias que, ao longo do tempo, a ré lhes foi dando, jamais teriam solicitado empréstimo junto do Banco 1... e, menos ainda, efectuado os pagamentos que efectuaram; (xii) ademais, tardou a ré nas diligências tendentes à restituição do valor pago, o que fez apenas em Janeiro de 2020, ainda que o montante restituído não tenha sido suficiente para reembolsar os autores de todas as despesas que suportaram com o empréstimo e toda a negociação prévia, máxime, com os juros, que ascenderam ao valor de € 1.709,04, prestações pagas, comissões de despesas com a negociação e formalização da escritura e seguro de vida, despesas em que não teriam incorrido, não fora a actuação da ré; (xiii) ademais, incorreram em despesas de deslocação de e para ... para a outorga da escritura e para reunirem com o seu Mandatário ou ao prédio, peticionando, ainda, o autor marido compensação, à razão de €14,27/hora, pelas 162 horas que dedicou a toda a situação, do passo que a autora mulher peticionou compensação, à razão de € 8,90/hora pelas 157 horas que despendeu com a situação; (xiv) alegam, ainda, os autores que toda a situação lhes provocou sobressalto e desgaste pessoal, com impacto na vida familiar, laboral e social, razão pela qual peticionam seja arbitrada indemnização do valor de € 2.500,00 a cada um, a título de danos não patrimoniais.
Citada, a ré contestou a acção, excepcionando a incompetência territorial do Juízo Local Cível ..., porquanto a totalidade dos actos teriam sido praticados em ... e impugnando a factualidade alegada.
Em resumo, afirma que o maior problema reside no facto de terem os autores licitado para aquisição do prédio, sem que dispusessem do dinheiro para o efeito, o que provocou atrasos e, além do mais, tornou necessária a outorga de escritura pública, quando o normal seria a suficiência do título emitido pelo AE, o que determinou que um negócio que deveria estar concluído até 13/02/2019, só o tenha sido em 21/02/2019.
De todo o modo e uma vez que a adjudicação do bem estava feita por decisão datada de 29/01/2019, era entendimento da ré que era seu dever proceder à outorga da escritura, até porque, aquando da suspensão da execução, inclusive o preço já se mostrava depositado, pelo que apenas a afectação do preço da venda estaria em causa.
Tinha, assim, (e mantém) a convicção de que estava, efectivamente, obrigada a praticar o acto que formalizava a adjudicação já decidida, após pagamento do preço, entendimento que, curiosamente, também os autores pugnaram no incidente de nulidade da venda executiva, invocando diversa jurisprudência a sustentar tal entendimento.
Com efeito, os mesmos autores, que em 2019 pugnaram pela legalidade da venda e que, a não ser assim, entendiam dever a massa insolvente responder pelos danos que sofreram, na presente acção vêm sustentar precisamente o contrário do ali defendido.
Entende a ré não ter praticado qualquer facto ilícito, não obstante e quanto à prolatada delonga na restituição do preço pago, a verdade é que a restituição foi judicialmente ordenada em 17/10/2019, posto o que, já em 26/10/2019, os autores indicaram o IBAN por e-mail, sendo que só em 28/10/2019 e por sugestão da ré da comunicação pelo meio processualmente adequado, foi comunicado o IBAN via citius, mas a verdade é que se mostrava necessário aguardar o trânsito em julgado da decisão, como a ré fez ver aos autores.
As despesas com a escritura decorrem apenas e só de opção dos autores.
Quanto aos honorários e despesas judiciais, o meio adequado para o ressarcimento é o instituto das custas de parte, em caso de ganho de causa.
Foi por boa-fé que aceitou prorrogar-lhes o prazo de depósito do preço, por 8 e não 15 dias, apesar de assinalar repetidamente, a urgência face aos prazos já ultrapassados.
Afirma que os autores litigam de má-fé, e devem ser condenados em multa de valor não inferior a € 2.500,00 e indemnização a favor da ré.
Por outro lado, requer a intervenção acessória da EMP01... – Companhia de Seguros, actualmente EMP02..., por estar em causa actuação profissional, estando a responsabilidade civil perante terceiros por danos causados por AE’s inscritos na Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução transferida para a aludida companhia de seguros, através da apólice n.º ...96.
Em resposta, vieram os autores dizer nada ter a opor à remessa dos autos para o Tribunal Judicial da Comarca ....
Responderam à excepção de abuso de direito, reafirmam que a ré sempre soube que os autores necessitariam de recorrer a financiamento bancário e da incompatibilidade de tal necessidade com os prazos processuais, posto o que, caso não fossem prorrogados, desistiriam da aquisição.
Refutam, igualmente, que litiguem com má-fé.
Por despacho datado de 16/09/2020, foi julgada procedente a excepção dilatória de incompetência territorial e ordenada a remessa dos autos ao Juízo Local Cível ..., após trânsito em julgado.
Em 21/04/2021 os autores suscitaram o incidente de intervenção principal provocada da EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., (actualmente EMP02... – Companhia de Seguros, S.A) pretendendo dirigir contra esta os pedidos por si formulados contra a ré, por força da transferência da responsabilidade civil operada pela aludida apólice de seguro.
Assegurado o contraditório, viria a ser decidido, por despacho datado de 17/09/2021, admitir a intervenção dessa seguradora a título principal e determinar a sua citação.
Regularmente citada, a chamada seguradora apresentou contestação, começando por excepcionar com a inexistência do facto ilícito alegado, pois que não era obrigação da AE comunicar aos autores a declaração de insolvência ou a suspensão da execução (de resto, automática), pelo que entende estar o Tribunal em posição de conhecer, de imediato, o mérito da causa.
No mais, concede que efectivamente havia sido celebrado e estava em vigor à data dos factos o seguro do ramo responsabilidade civil com a apólice ...64, contudo, o o artigo 4º, al. b) das Condições...
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