Acórdão nº 619/22.9T8AGH-B.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-11-14

Ano2023
Número Acordão619/22.9T8AGH-B.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. A sociedade M., UNIPESSOAL, LIMITADA foi declarada insolvente por sentença proferida em 25/08/2022. Nesta sentença não se designou dia para a realização da assembleia de apreciação do relatório a que alude o artigo 155º do CIRE, nem foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência.
Após junção aos autos, em 11/10/2022, do relatório a que aludem os artigos 155º e 156º do CIRE, por requerimento de 25/10/2022, a Senhora Administradora da Insolvência requereu a prorrogação do prazo para eventual abertura do incidente de qualificação da insolvência.
Por despacho proferido em 17/11/2022 foi deferida a prorrogação do prazo para eventual abertura do incidente de qualificação da insolvência, pelo período de 30 (trinta) dias.
No dia 13/12/2022, a Senhora Administradora da Insolvência juntou aos autos o seu parecer, que finaliza pela qualificação da insolvência como culposa, devendo ser afectado pela referida qualificação LM.
Por despacho datado de 19/12/2022 foi declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência.
Entretanto, no dia 04/01/2023, veio o MINISTÉRIO PÚBLICO, por sua vez, juntar aos autos o seu parecer sobre a qualificação da insolvência, que termina concordando com o parecer da Senhora Administradora da Insolvência.
De seguida, foi ordenada a notificação da devedora/insolvente e a citação do seu gerente, LM., pessoa possivelmente afectada pela qualificação da insolvência como culposa (cfr. despacho de 09/01/2022).
Na oposição que deduziu, o Requerido, LM., alegou que a situação dos autos não é subsumível a nenhuma das presunções de culpa previstas no nº 2 e/ou nº 3 do artigo 186º do CIRE e nem preenche nenhum dos pressupostos de insolvência culposa estabelecidos no nº 1 do mesmo artigo, pelo que concluiu que a insolvência da sociedade deverá ser qualificada como fortuita.
Dispensada a tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador tabelar, seguido de despacho que fixou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.
Por fim, realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, ao abrigo do disposto nos artigos 186º, nº 2, alínea i) e 189º, nºs 1, 2 e 4, do CIRE, decidiu qualificar como culposa a insolvência da sociedade M., UNIPESSOAL, LIMITADA, e, em consequência:
A. Afectou pela referida qualificação, LM.;
B. Fixou em 3 (três) anos o período de inibição de LM. para administrar património de terceiros, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; e
C. Condenou LM. a indemnizar os credores da sociedade insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, devendo a indemnização equiparar-se ao valor dos créditos não pagos nos autos principais.
É desta sentença que vem interposto recurso, pela devedora/insolvente e pelo afectado pela qualificação, que o terminam alinhando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. A sentença recorrida padece de nulidade e, subsidiariamente, consubstancia erro sobre os factos e uma errada interpretação e aplicação da Lei e da Constituição.
2. No caso “sub judice”, foi dispensada a realização da assembleia de apreciação do relatório e o relatório da senhora Administradora de Insolvência foi junto aos autos em 11/10/2022, pelo que o prazo perentório de 15 dias para requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa terminava no dia 26/10/2022 (cfr. art.º 188.º, n.º 1).
3. Por requerimento de 25/10/2022, a senhora Administradora de Insolvência requereu a prorrogação do referido prazo, tendo sido deferida, por despacho de 17/11/2022, uma prorrogação de 30 (trinta) dias.
4. Tratando-se de uma primeira (e única) prorrogação do prazo, tem sido entendimento jurisprudencial e doutrinário que o 1.º (primeiro) dia da prorrogação corresponde ao 1.º (primeiro) dia seguinte ao termo do prazo inicial, na medida em que o prazo prorrogado vale como um único prazo cuja duração corresponde ao prazo inicial acrescido do da prorrogação (cfr. excerto acima transcrito do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/02/2022).
5. Logo, tendo em conta que o requerimento de prorrogação do prazo apresentado pela senhora Administradora não suspendeu o prazo inicial de 15 dias em curso, (cfr. art.º 188.º, n.º 2 do CIRE), terminando o prazo inicial para requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência no dia 26/10/2022, o 1.º (primeiro) dia da prorrogação de 30 dias correspondeu ao dia seguinte: 27/10/2022; e o 30.º (trigésimo) e último dia da mesma prorrogação correspondeu ao dia 25/11/2022.
6. No entanto, a senhora Administradora de Insolvência veio juntar aos autos o requerimento para abertura do incidente apenas no dia 13/12/2022, sem ter invocado qualquer justo impedimento que pudesse ter obstado à prática atempada do ato em questão (cfr. art.ºs 139.º, n.º 5 e 140.º, ambos do CPC).
7. Do exposto resulta, a absoluta extemporaneidade do requerimento da senhora Administradora de Insolvência para abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa (cfr. art.º 139.º, n.º 3 do CPC),
8. Sendo a intempestividade de um ato sujeito a prazo perentório de conhecimento oficioso (cfr. art.º 579.º do CPC ex vi art.º 17.º, n.º 1 do CIRE), impunha-se que o Tribunal “a quo” tivesse declarado, oficiosamente, verificada a exceção perentória extintiva da caducidade do direito de ação, considerando o termo do prazo perentório para a senhora Administradora de Insolvência requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa (cfr. excerto acima transcrito do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 19/03/2009)
9. A apreciação do mérito da qualificação da insolvência como culposa (questão de fundo da causa) devia ter ficado prejudicada pela verificação da referida exceção, pelo que, tendo o Tribunal “a quo” prosseguido (indevidamente) com o conhecimento dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
10. Por conseguinte, tendo o Tribunal “a quo” conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, é a presente sentença recorrida nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, o que se argui.
11. A convicção do Tribunal relativamente ao preenchimento do facto-índice contido na alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE (único julgado preenchido pelo Tribunal “a quo”) – incumprimento, de forma reiterada, dos deveres de colaboração previstos no artigo 83.º até à data de apresentação do incidente de qualificação de insolvência) – assentou, com bastante relevância, no depoimento/declarações de parte do Recorrente LM., gerente da Recorrente sociedade insolvente.
12. Andou mal o Tribunal “a quo” ao julgar provado, com base na prova declarativa produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, o facto n.º 27, nos termos do qual consta que o Recorrente LM. “sabia que a Sra. Administradora de Insolvência tinha solicitado as informações identificadas em 25. [relativas ao paradeiro e venda de alguns veículos e ao cancelamento do direito de superfície relativamente a um prédio urbano], e não as prestou.” (cfr. facto provado n.º 27 da sentença recorrida).
13. A prova declarativa produzida em sede de audiência não permite concluir que o Recorrente LM. tivesse o conhecimento ou a compreensão devida relativamente à pendência de uma solicitação de informações por parte da senhora Administradora de Insolvência.
14. Do mesmo modo, não resulta da prova declarativa produzida em sede de audiência que o Recorrente tivesse, de forma livre e consciente, recusado a prestação das informações solicitadas pela senhora Administradora de Insolvência.
15. O pretenso conhecimento da solicitação de informações por parte da senhora Administradora de Insolvência, bem como a pretensa recusa na sua prestação são, pois, especificamente, alguns dos concretos pontos de facto que os Recorrentes consideram incorretamente julgados (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a) do CPC ex vi art.º 17.º, n.º 1 do CIRE).
16. O depoimento de parte do Recorrente LM. surge, nesta sede, como o concreto meio probatório que impunha uma decisão, sobre o referido ponto de facto impugnado, diversa da recorrida (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b) do CPC ex vi art.º 17.º, n.º 1 do CIRE).
17. O depoimento de parte decorreu de forma isenta, esclarecida e assertiva, durante a sessão da audiência final realizada no dia 02/05/2023 e foi gravado entre o minuto 00:00:00 e o minuto 00:34:19 (cfr. ata da sessão de 02/05/2023, constante do processo e cfr. ficheiro áudio n.º 20230502152211_12286747_2870413 disponibilizado pela secretaria do Tribunal “a quo”) e do mesmo resultou que (cfr. art.º 640.º, n.º 2, al. a) do CPC ex vi art.º 17.º, n.º 1 do CIRE):
a. quando a senhora Dra. Juíza perguntou ao Recorrente LM. se lhe tinham sido solicitadas, pela senhora Administradora de Insolvência, informações sobre a questão do direito de superfície e sobre a questão dos veículos, o Recorrente respondeu, de forma espontânea, que “deve ter sido pedido”, ou seja, no campo da probabilidade ou da suposição por não se conseguir recordar:

“[00:16:17] Juíza
Foi-lhe pedido estas informações pela Senhora administradora de insolvência? Foi, quando e de que forma?
Quando eu digo essas informações é sobre a questão do direito de reversão e sobre esta questão dos veículos que estivemos agora aqui a falar.
Foi-lhe pedido esta informação, já me disse que sim.
[00:16:38] LM.
Sim, vou-lhe dizer assim: sinceramente, eu vou dizer-lhe que sim. Deve ter sido pedido…”

b. quando a senhora Dra. Juíza perguntou ao Recorrente LM. como lhe tinham sido solicitadas as referidas informações, o Recorrente voltou a responder, em
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