Acórdão nº 615/22.6T8SCD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 12-04-2023

Data de Julgamento12 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão615/22.6T8SCD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SANTA COMBA DÃO)

Relator: Fonte Ramos
1.º Adjunto: Alberto Ruço
2.º Adjunto: Vítor Amaral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. AA e marido BB, instauraram o presente procedimento cautelar comum contra CC e DD, pedindo que seja decretada providência cautelar inominada e, em consequência, que lhe seja autorizado, “na qualidade de proprietária”, “concluir a obra iniciada, com a colocação da rede de arame entre as estacas colocadas na divisória/extrema entre o prédio da requerente e dos requeridos e ao longo da sua extensão, divisória/extrema essa identificada no documento n.º 3 e seus anexos e na planta mandada elaborar pelo requerido ora junta como documento n.º11 e 12” [a)], e bem assim, “concluir a obra de colocação de um portão no local de entrada do prédio de que é proprietária, identificado no artigo 1º e seguintes desta peça, entrada essa identificada também no documento n.º 10 e na planta que se encontra junta aos autos como documento n.º 11 e 12” [b)] e “desobstruir a entrada do seu prédio rústico, identificado nos presentes autos, removendo qualquer objeto que se encontre a perturbar, no todo ou em parte, ou que impeça a entrada no mesmo pela via pública, conforme alegado nos autos.” [c)].

Alegaram, nomeadamente:

a) A requerente é proprietária e possuidora do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica n.º ...32 da freguesia e concelho ... (anteriormente sob o n.º ...1 da freguesia ...), descrito e inscrito em seu nome.

b) Este prédio confina de nascente e sul com os dois prédios dos requeridos (inscritos na matriz predial sob os antigos n.ºs 9 e 10 da freguesia ...), também de sul com a estrada camarária e de poente com EE, tendo aqueles dois prédios sido vendidos em 20.10.2008[1] pela requerente aos requeridos.

c) No prédio inscrito na matriz com o n.º 10 os requeridos construíram uma casa, tendo o outro prédio continuado rústico.

d) A descrição geográfica dos aludidos prédios está cabalmente identificada no levantamento topográfico junto aos autos, mandado elaborar pelos requeridos - com as indicações geográficas, confrontações, áreas e demais elementos por estes fornecidos - e que instruiu o processo de licenciamento de construção da sua casa; a referida planta revela a linha divisória de demarcação a nascente do prédio dos requerentes com o prédio dos requeridos do lado poente (ao longo da qual estão colocadas as estacas-marcos de vedação e demarcação), mas também a parte da entrada do prédio dos requerentes onde se inclui a entrada e o acesso à restante parte do imóvel, local onde pretendem colocar o portão e que os requeridos agora - e só agora - estão a obstruir.

e) Pela parte do prédio da requerente que constitui a entrada do seu prédio, visível na planta anexa, sempre passaram trabalhadores contratados pela requerente e seus antepassados, carros de bois, rebanhos de ovelhas para pastar, tratores e alfaias agrícolas.

f) Nunca os requeridos, até ao dia 27.7.2022, perturbaram ou colocaram em causa a posse exclusiva do prédio da requerente (nunca se arrogaram qualquer direito ou pretensão sobre a parte do prédio que agora ocuparam e obstruíram) ou a demarcação existente e assinalada na linha de demarcação identificada na planta por eles mandada elaborar (marcos-estacas das extremas colocados pelo requerente e requerido, de comum acordo).

g) Aquando dos preparativos para colocação de um portão na entrada do prédio da requerente bem como de novas estacas na linha de demarcação existente foram a requerente e sua filha surpreendidas com a aparição no local do requerido, acompanhado de advogado, que disseram aos trabalhadores, que estavam a realizar os trabalhos de colocação das novas estacas e de uma rede de proteção, que a obra estava embargada, e que aquela porção de terreno lhe pertencia, assim como a entrada, exigindo que fosse parada a obra.

h) Os trabalhos foram suspensos de imediato e a requerente aguardou (continua a aguardar) pela comunicação judicial de ratificação do embargo.

i) No dia 02.11.2022 a requerente reiniciou os trabalhos para acabar de colocar a rede e colocar o portão.

j) Nessa data, apareceu no local o requerido conduzindo um trator, estacionando-o na entrada do prédio dos requerentes, obstruindo a passagem, tendo depois, munido de uma enxada[2], numa atitude ameaçadora e desafiante, dito em alta e viva voz e num tom agressivo: “Isto é meu e a entrada também”.

k) O presente procedimento justifica-se considerados os incidentes descritos nos art.ºs 23º e seguintes da petição inicial (p. i.), alguns dos quais presenciados por elementos da GNR, «uma vez que a ser dada na altura da ocorrência dos factos, resposta ao esbulho, ameaçador de violência, praticado pelo requerido, e vontade não faltou, alguém estaria possivelmente morto e alguém estaria na prisão. / Por esta gama de razões, têm os requerentes justo receio de com nova tentativa de acabamento da obra serem confrontados possivelmente com uma repetição do sucedido, até com contornos mais graves, caso o Tribunal não decrete as medidas adequadas à proteção dos presentes no local aquando dos trabalhos de acabamento da obra. / De resto, não satisfeito com o seu procedimento, dois dias depois, 6ª feira dia 04 de Novembro o requerido colocou duas pedras de grande porte na entrada do prédio dos requerentes, como atesta o documentos n.º 6 facto que impede a entrada de máquinas para os serviços agrícolas a executar no prédio dos requerentes, tendo também justo receio de verem os prejuízos avolumarem-se pela impossibilidade de agriculturação do prédio pois as máquinas não passam com a entrada obstruída pelos requeridos

l) Até que os requeridos demonstrem e comprovem cabalmente os direitos a que se arrogam não têm de ser os requerentes a suportar as ações daqueles, não sendo legítimo nem exigível que os requerentes continuem esbulhados e privados dos seus direitos até que a ação principal transite em julgado.

m) Os requerentes estão, pois, impedidos de entrar no seu prédio através do local por onde sempre entraram, tal como sempre entraram os seus antepassados, pois os requeridos obstruíram a passagem sem ter qualquer título, ou ordem judicial que lho facultasse, impedindo assim a passagem de máquinas para o interior do prédio dos requerentes para o agricultar e explorar, com o inevitável avolumar de prejuízos.

n) Os requeridos continuam a impedir a conclusão da obra já iniciada, circunstância que está a provocar prejuízos aos requerentes pois já despenderam quantias avultadas sem poderem ver a obra concluída e com a agravante de a mesma ter sido embargada.

o) Receiam que os requeridos venham a causar-lhes lesões ainda mais graves do que as que já causaram e que com toda a certeza serão de difícil reparação.

O Tribunal a quo, por decisão de 25.11.2022, “rejeitou liminarmente a presente providência cautelar”.

Inconformados, os requerentes apelaram formulando as seguintes conclusões:

1ª - Constam dos artigos 11, 33º, 34º, 35º e conclusões a estes artigos, as necessárias e justificativas alegações de que o procedimento dos requeridos não só ofende o direito de propriedade dos requerentes, mas também lhes causa fundado receio de que antes da ação principal ser proposta ou na pendência dela lhes cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito, estando cumprido o requisito do artigo 362º do Código de Processo Civil (CPC).

2ª - Do despacho recorrido fez a Sr.ª juíza estagiária constar factos que são apenas do seu conhecimento e que não lhe foram trazidos pelas partes, tais como a existência, como refere, de outras vias de entrada no prédio dos requerentes, apesar destes demonstrarem o contrário no artigo 5º da petitório e demais documentos juntos a este.

3ª - Pretendem os requerentes saber quais são essas entradas e quem a informou acerca das mesmas, tal como pretendem saber onde se baseia a Sr.ª juiz estagiária para dizer que os requerentes pretendem vedar o terreno todo quando apenas o pretenderam fazer no local assinalado no petitório e no pedido neste formulado.

4ª - Estão reunidos e plasmados no petitório da providência requerida todos os requisitos que o artigo 362º do CPC exige e ainda todos os outros que a Sr.ª Juíza estagiária faz constar no despacho recorrido, violando o despacho recorrido este normativo legal pois o mesmo foi respeitado pelos requerentes.

5ª - A presente providência é adequada à situação de lesão eminente que os requerentes pretendem acautelar.

6ª - Nenhum direito dos requerentes é lesado pelo decretamento da providência uma vez que o direito de propriedade dos requerentes já foi reconhecido pelos requeridos antes da ação que levaram a cabo, estando provada por confissão a demarcação assinalada pelas estacas cuja colocação está relatada no petitório.

7ª - Por isso não há que falar em proporcionalidade da providência porquanto em nada esta prejudica os requeridos pois não lhes causará qualquer dano. Não lhes causando prejuízo não faz sentido falar-se no dano aos requeridos, que com a mesma se pretende evitar, pois é apenas o dano causado e a causar aos requerentes que tem de ser salvaguardado.

8ª - De momento os requerentes não podem quantificar nem determinar os danos em toda a sua extensão que a ação dos requeridos lhes causou e vai causar se esta providência não for decretada, pois só com a colheita se saberá o seu valor, e para isso têm de entrar as máquinas, certo é que tal indeterminação é causada pelos requeridos que com a sua atitude impedem a entrada das máquinas indispensáveis ao granjeio e colheita da azeitona.

9ª - Em consequência, só em liquidação de sentença se poderão liquidar a extensão dos prejuízos que ocorrerão com o não decretamento da providência.

10ª - O despacho recorrido viola de forma extensiva o direito de propriedade dos requerentes, violando os artigos 1311º do CC e 62º da Constituição da República Portuguesa que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT