Acórdão nº 6147/20.0T8LSB-A.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 12-10-2023

Data de Julgamento12 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão6147/20.0T8LSB-A.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. A e B intentaram acção declarativa, com processo comum, contra C, D, E, F e Sociedade X, na qual formularam os seguintes pedidos:
«1) Deve ser declarado nulo tanto o negócio simulado de cessão onerosa de quota (por simulação), como o negócio dissimulado de cessão gratuita de quota (por preterição dos requisitos legais de forma), devendo, em consequência, ser os Réus … condenados na devolução das quotas da sociedade X, objeto do negócio simulado e dissimulado, à massa da herança de Y;
2) Deve ser ordenado o cancelamento do registo da aquisição das quotas da Sociedade X a favor dos Réus….;
3) Devem ser qualificadas como doações, para posterior consideração em sede sucessória, as atribuições/deslocações patrimoniais correspondentes às transferências de dinheiro efetuadas por Y em favor dos Réus …., respetivamente no valor de EUR 15.000,00, EUR 13.800,00 e EUR 23.050,00;
4) Devem ser qualificadas como doações, para posterior consideração em sede sucessória, as atribuições/deslocações patrimoniais correspondentes ao custeio, por parte de Y, da aquisição:
a. Pela Ré …, da nua-propriedade da fração designada pela letra “E”, correspondente ao 2.º andar esquerdo, sita na….., Lisboa, no valor de EUR 46.750,00;
b. Pela Ré …., da nua-propriedade da fração designada pela letra “J”, correspondente ao 3.º andar A, sita na…. Lisboa, no valor de EUR 35.750,00; e
c. Pelo Réu …., da nua-propriedade da fração designada pelas letras “CE”, correspondente ao 3.º andar B, Bloco 2, sita na …., Lisboa, no valor de EUR 56.120,00;
5) Deve ser qualificada como uma liberalidade, para posterior consideração em sede sucessória, a transferência (a título gratuito) de 11,41% do capital social da Sociedade X para a Ré …., efetuada via operação de aumento de capital da JPV, que determinou o aumento do percentual da participação social da Sociedade X da Ré …… (e reflexa diminuição do percentual da participação social de Y), por as partes terem efetuado tal operação para obtenção de fins de liberalidade;
6) Peticionando-se, ainda, que todas as demais eventuais atribuições/deslocações patrimoniais a título gratuito efetuadas por Y em favor dos Réus cuja ocorrência se venha a determinar ao longo do presente processo, sejam igualmente qualificadas como doações, para posterior consideração em sede sucessória;
7) Uma vez devidamente qualificadas como doações as atribuições/deslocações patrimoniais referidas nos pedidos identificados em 3), 4) e 5) supra, e uma vez revertida à massa da herança de Y a participação social da Sociedade X de que Y era titular em consequência da procedência do pedido identificado em 1) supra, deve ser determinada a partilha (divisão) da referida participação social nos termos da lei e do testamento, entre os Autores (herdeiros legitimários) e a Ré … (herdeira legitimária e testamentária), sendo, em consequência, atribuída ao Autor A uma quota com o valor nominal de EUR 829, à Autora B uma quota com o valor nominal de EUR 828 e à Ré … uma quota com o valor nominal de EUR 943;
Subsidiariamente, caso se entenda que o negócio dissimulado não é inválido,
8) Por, nesse cenário, o valor das liberalidades efetuadas (melhor identificadas supra, em 3), 4) e 5)) exceder o valor da quota disponível, deve ser determinada a redução de parte das liberalidades efetuadas em vida por Y, devendo, em consequência:
a. Ser os Réus ……, solidariamente, ao pagamento a cada um dos Autores de EUR 17.150,00 (em consequência da redução das doações em dinheiro efetuadas antes de 11.05.2016);
b. E deverá ser determinada (em consequência da redução parcial da doação das quotas efetuada por Y a 11.05.2016) a redistribuição da participação social de que Y era titular e (pretensamente) transmitiu aos Réus ……, em 5 quotas, com o seguinte valor nominal e de que passará a ser titular a seguinte parte:
i. Uma quota com o valor nominal de EUR 283, de que passará a ser titular a Ré ….;
ii. Uma quota com o valor nominal de EUR 283, de que passará a ser titular a Ré ….;
iii. Uma quota com o valor nominal de EUR 482, de que passará a ser titular o Réu ….;
iv. Uma quota com o valor nominal de EUR 776, de que passará a ser titular o Autor A;
v. Uma quota com o valor nominal de EUR 776, de que passará a ser titular a Autora B;
Subsidiariamente,
c. Caso se entenda que não se impõe a divisão das quotas nos termos peticionados, devem os Réus …. ser condenados, solidariamente, no pagamento a cada um dos Autores da importância de EUR 265.083,86, naturalmente a acrescer à condenação peticionada em 8-a. supra,
Subsidiariamente, caso se entenda que não existiu qualquer simulação, e que, por conseguinte, o negócio oneroso de transmissão das quotas é válido,
9) Deve o negócio de transmissão das quotas, não obstante o não afastamento por completo do pagamento de uma contrapartida, ser qualificado como uma liberalidade, para posterior consideração em sede sucessória, por as partes terem utilizado o contrato de compra e venda para obter fins de liberalidade, através da atribuição ao bem vendido de um preço intencionalmente inferior ao seu valor corrente, para, desse modo, beneficiar os adquirentes, a título de liberalidade, pela respetiva diferença (entre o valor de mercado da participação social e o valor por que foi [supostamente] transmitida);
10) Em consequência da procedência do pedido identificado em 9), e porque o valor das liberalidades efetuadas nesse cenário excede o valor da quota disponível, deve ser determinada a redução de parte das liberalidades efetuadas em vida por Y, devendo, por conseguinte:
a. Ser os Réus ….. condenados, solidariamente, ao pagamento a cada um dos Autores de EUR 17.150,00 (em consequência da redução das doações em dinheiro efetuadas antes de 11.05.2016);
b. E deverá ser determinada (em consequência da redução parcial da doação das quotas efetuada por Y a 11.05.2016) a redistribuição da participação social de que Y era titular e (pretensamente) transmitiu aos Réus ….., em 5 quotas, com o seguinte valor nominal e de que passará a ser titular a seguinte parte:
i. Uma quota com o valor nominal de EUR 313, de que passará a ser titular a Ré …;
ii. Uma quota com o valor nominal de EUR 313, de que passará a ser titular a Ré …;
iii. Uma quota com o valor nominal de EUR 512, de que passará a ser titular o Réu …;
iv. Uma quota com o valor nominal de EUR 731, de que passará a ser titular o Autor A;
v. Uma quota com o valor nominal de EUR 731, de que passará a ser titular a Autora B;
Subsidiariamente,
c. Caso se entenda que não se impõe a divisão das quotas, devem os Réus …… ser condenados, solidariamente, no pagamento a cada um dos Autores da importância de EUR 249.582,31, naturalmente a acrescer à condenação peticionada em 10-a. supra».
Para tanto, alegaram, em síntese, que são filhos de Y, falecido em 30.06.2017, sendo que, nos anos que antecederam o seu falecimento, o referido Y, em conluio com a R. …, sua então mulher, e com os demais RR., filhos da mesma, e sob a influência de todos estes, praticou actos dirigidos a privar os AA. daquilo a que, nos termos da lei, tinham e têm direito em sede sucessória, designadamente, simularam o negócio de transmissão onerosa das participações sociais de Y na sociedade X, tendo Y feito várias doações/liberalidades em benefício dos RR., correspondentes ao custeio da aquisição da nua-propriedade de várias frações autónomas no ano de 2015 e à “transferência” de cerca de 11,41% da sociedade X para a Ré …. em 2013.
Alegaram, ainda, que, na sequência do falecimento de Y, foi iniciado processo de Inventário, que já se encontra findo, no qual a R. …., na qualidade de cabeça-de-casal, apresentou relação de bens e onde se estabeleceu-se que a herança de Y tinha um valor € 11.305,39, sendo que, no entanto, dos ativos da herança não constava, nem a participação social na sociedade X (revertida para a massa da herança), nem as liberalidades acima referidas, que tinham que ser consideradas para efeitos de cálculo da legítima, cujo valor corresponde a € 1.284.184,09.
Concluíram, dizendo que, através da acção, pretendem:
- que seja declarada a nulidade do negócio de transmissão das quotas;
- que as doações/liberalidades referidas sejam reconhecidas como tal;
- que, na sequência da reversão da participação social na sociedade X à massa da herança de Y, seja efetuada a partilha da participação social nos termos da lei e do testamento, cálculo no qual deverão relevar as referidas liberalidades efectuadas em vida.
1.2. No final da petição, os AA. formularam, entre outros, o seguinte requerimento probatório:
«C. DA PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PELOS RÉUS
Nos termos conjugados dos artigos 7.º, 8.º, 417.º, e, em particular, dos artigos 429.º a 431.º do CPC, requer-se a V. Exa. que os Réus … sejam ordenados a juntar aos autos:
a. documentos comprovativos dos pagamentos (alegadamente) efetuados pelos Réus (i) ao abrigo do Contrato de Cessão de Quotas e (i) por ocasião da aquisição da nua-propriedade das frações autónomas melhor identificadas no Capítulo II.D;
b. uma declaração (ou equivalente) do Banco de Portugal, com uma relação completa das contas bancárias (e das entidades financeiras nas quais as mesmas se encontram domiciliadas) de que aqueles Réus eram titulares entre o 3.º Trimestre de 2014 e o final do 3.º Trimestre de 2017,
c. e os extratos das contas relacionadas no documento identificado em b., que documentem os movimentos de conta efetuados durante aquele período.
A este pedido subjaz (i) a evidente impossibilidade de os Autores obterem, por si mesmos, os referidos documentos, (ii) a que acresce a consideração de que os documentos em causa dizem respeito a factos que têm interesse manifesto para a decisão da causa, designadamente por os mesmos se afigurarem idóneos à prova:
a. da existência / inexistência de quaisquer
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