Acórdão nº 6140/23.0T8MAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-22

Data de Julgamento22 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão6140/23.0T8MAI.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 6140/23.0T8MAI.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível da Maia-J3


Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. Carlos Gil
2º Adjunto Des. Drª Eugénia Marinho da Cunha


Sumário:
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I - RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

A... Portugal–Sociedade Financeira de Crédito, S.A., com sede no Lugar ..., ..., Sintra, freguesia ..., concelho de Sintra, veio intentar o presente procedimento de entrega judicial ao abrigo do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, contra AA, com domicílio na Rua ..., Maia.
Pede a requerente que a providência seja decretada e que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre o veículo automóvel da marca ..., modelo ... ..., com a matrícula ..-XE-.., e com o número de Chassis ...01, bem como decretada a sua imediata apreensão, bem como dos respetivos documentos e chaves, entregando-se os mesmos à Requerente.
Alega para tanto que:
- Celebrou com o Requerido, em 02.09.2019, o Contrato de Aluguer de Longa Duração a Consumidor n.º ...99;
- O Contrato foi celebrado pelo montante total de €54.000,00 (IVA incluído), pelo prazo de 48 meses, com o pagamento de rendas numa periodicidade anual, vencendo-se a primeira em 05.09.2019 e as restantes no dia 5 de agosto dos anos seguintes a que respeitavam, conforme Condições Particulares do Contrato;
- A Requerente deu em locação ao Requerido o veículo automóvel da marca ..., modelo ... D ..., com a matrícula ..-XE-.., e com o número de Chassis ...01;
- Sucede que, não obstante se ter obrigado ao pagamento pontual dos alugueres contratados, o Requerido não efetuou o pagamento do último aluguer contratado, no montante de €10.885,03;
- Em face da existência de valores em dívida, o Requerido não podia exercer a opção de compra do veículo, e em 29.08.2023 a Requerente enviou uma carta registada com aviso de receção ao Requerido, interpelando-o para o cumprimento pontual das obrigações assumidas e concedendo um prazo de 8 (oito) dias para a regularização dos valores em dívida, referindo-se ainda a obrigação de o Requerido proceder à imediata devolução do veículo, caso não liquidasse os valores;
- Até à presente data, o Requerido não procedeu ao pagamento à Requerente de quaisquer montantes e também não procedeu à entrega do veículo, nem dos respetivos documentos e chaves;
- A Requerente não pode usar, fruir ou dispor do veículo, designadamente, vê-se impedida de proceder a nova locação, ou à venda do mesmo, nem obstar de alguma forma à sua desvalorização;
- Existe ainda o risco de, com o facto de o veículo se encontrar em circulação, poder a Requerente vir a ser responsável pelo risco em qualquer acidente do qual resulte responsabilidade civil, desconhecendo a Requerente a Requerente se o veículo se encontra atualmente a circular na via pública com um seguro automóvel válido;
- A utilização do veículo o deprecia e, por outro, o mero decurso do tempo determina também a sua desvalorização.
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Conclusos os autos foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a providência assim requerida.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Requerente interpor recurso rematando com as seguintes conclusões:
A. A Recorrente instaurou um procedimento cautelar contra o Recorrido, para que fosse proferida decisão judicial a ordenar a apreensão e a restituição imediata à Recorrente do veículo automóvel objeto dos autos.
B. Fundamentou a sua pretensão no seu direito de propriedade sobre o veículo, bem como no término do contrato firmado entre as partes, e, consequentemente, no direito da Recorrente à restituição imediata do referido veículo, designadamente atento o receio de que o Recorrido cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, e da inexistência, por sua vez, de qualquer prejuízo imputável ao Recorrido que pudesse ser juridicamente atendível.
C. Peticionou que a providência cautelar requerida fosse decretada à luz do regime do DL 149/95, de 24 de junho (doravante “DL 149/95”) e antecipado o juízo sobre o mérito da causa e, subsidiariamente, que fosse a providência cautelar decretada como Providência Cautelar Comum, por se encontrarem alegados e demonstrados todos os requisitos para o efeito, e a Recorrente dispensada do ónus de propor a ação principal (inversão do contencioso).
D. Por decisão proferida em 28.11.2023, o Tribunal a quo indeferiu liminarmente a petição de procedimento cautelar, com fundamento na inaplicabilidade da providência cautelar prevista no DL 149/95 e na não verificação de um dos requisitos de que depende o decretamento de uma providência cautelar comum ou não especificada–o “periculum in mora”.
E. Sucede, porém que, salvo o devido respeito, deveria ter sido outra a decisão proferida, uma vez que a Sentença recorrida não aplicou o Direito de forma adequada.
F. Pelo que se impõe a revogação da Decisão Recorrida e a sua substituição por outra, que seja justa e adequada à realidade jurídica em causa, ao regime que lhe é aplicável e, bem assim, à factualidade alegada e demonstrada nos presentes autos.
G. O contrato dos autos é um Contrato de Aluguer de Longa Duração e não um Contrato de Locação Financeira Mobiliária. No entanto, examinados os factos alegados no Requerimento Inicial e os documentos juntos aos autos pela Recorrente, verifica-se que ambos se enquadram plenamente no âmbito da providência específica regulamentada pelo DL 149/95.
H. O contrato celebrado entre as partes (Contrato ALD) tem por objeto um veículo automóvel dado em locação, por um determinado período de tempo, mediante o pagamento de prestações/rendas, findo o qual o Recorrido tinha a faculdade de exercer a opção da sua compra.
I. Tal como defendido pela Doutrina, é precisamente a estes casos (entre outros, naturalmente) que é aplicável, por analogia, o regime jurídico acima referido, em face da por demais manifesta similitude dos regimes contratuais e em virtude de o ALD não ser um contrato tipificado.
J. Os presentes autos têm fundamento no incumprimento do Contrato ALD que, em rigor, se subsume no âmbito do contrato de locação financeira mobiliária, ou seja, um contrato à luz do qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples a aplicação dos critérios nele fixados (cfr. artigo 1.º do DL 149/95).
K. Também o artigo 17.° do DL 149/95 preceitua que “o contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte (…)”, sendo obrigação do Locatário pagar as rendas, conforme dispõem os artigos 17.° e 10.°, nº 1, alínea a), do referido diploma.
L. Se, findo o contrato de locação, o Locatário não proceder à entrega do bem ao Locador, pode este requerer ao tribunal Providência Cautelar consistente na sua entrega imediata ao Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 21.° do DL 149/95.
M. Dos factos alegados nos autos e da prova documental junta aos mesmos, resulta que o Recorrido incumpriu os termos contratualmente acordados, resultando ainda um fundado receio de que, atenta a sua atitude, tendo deixado de proceder ao pagamento dos valores devidos e de responder às interpelações da Recorrente, não tendo entregue o veículo e sendo mantida a sua posse e utilização (de forma abusiva, ilegítima e ilícita), venha a Recorrente a sofrer um prejuízo irreparável ou, pelo menos, de muito difícil reparação.
N. Assim, impõem-se concluir que o Tribunal a quo andou mal ao se ter limitado a afirmar/concluir que “Ora, começando pela questão da aplicabilidade do procedimento de entrega judicial previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, consideramos que esta providência não é aplicável ao contrato de aluguer de longa duração.”.
O. Nestes termos, deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que proceda à subsunção jurídica dos factos alegados pela Recorrente no âmbito dos presentes autos ao regime do DL 149/95 e, nessa sequência, decretar a providência cautelar requerida ao abrigo do regime do DL 149/95, o que se requer.
P. E ainda que o Tribunal a quo decidisse não decretar a providência requerida ao abrigo do regime do DL 149/95, sempre deveria fazê-lo, subsidiariamente,
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