Acórdão nº 603/22.2T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11-05-2023

Data de Julgamento11 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão603/22.2T8BGC.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Apelante: ... Hipermercados, S.A.
Apelada: AA

I – RELATÓRIO

... Hipermercados, S.A., com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, também nos autos melhor identificada, pedindo que se reconheça a existência de motivo justificativo para o despedimento com justa causa da R.

Alega para tanto, e em síntese, que a ré é sua trabalhadora, com as funções inerentes à categoria profissional de vendedora de operador-2, reportando-se a sua antiguidade a 12.06.2019.
Sucede que a ré, entre Outubro e Dezembro de 2021, praticou factos, que descreve, que constituem justa causa para o seu despedimento, tendo-lhe movido procedimento disciplinar com esse desiderato, do qual deu conhecimento à ré, sendo que esta, na resposta ao aditamento à nota de culpa, comunicou à A. que estava grávida.
Findas as diligencias instrutórias a A. remeteu à CITE o processo disciplinar da A., vindo esta comissão a comunicar ao Instrutor do processo disciplinar o seu parecer, desfavorável ao despedimento da R.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a sua conciliação.

Notificada para o efeito, a ré apresentou contestação, pugnando pela inadmissibilidade, por extemporaneidade, do aditamento à nota de culpa, pelo que “encontra-se precludida a possibilidade dos mesmos [factos] serem apreciados na presente ação”, e aceitando a existência da invocada relação laboral e, grosso modu, de lhe ter sido instaurado e a tramitação do alegado procedimento disciplinar, aceitar alguma matéria da que aí lhe é imputada mas impugnando a maior parte dos factos, apresentando uma versão diferente.
Deduziu reconvenção, em que pede:
“a) Ser julgada improcedente, por não provada, a presente ação e, consequentemente, ser declarada a inexistência de motivo justificativo para despedimento da Ré e, dessa forma, declarado ilegal o despedimento da Ré;
b) Ser a Autora condenada a pagar à Ré, em alternativa à reintegração, a indemnização calculada nos termos do artigo 292.º n.º 3, por aplicação do artigo 63.º n.º 8, ambas as normas do Código de Trabalho, bem como qualquer outro crédito que assista à Ré em virtude da inexistência de motivo justificativo para o despedimento por justa causa.
c) Ser julgada procedente, por provada, a reconvenção e, consequentemente, ser a Autora condenada a pagar à Ré a quantia de € 3000,00 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais.”

A ré apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado inicial.

No âmbito da audiência prévia a que houve lugar foi, além do mais, proferido despacho de não admissão da reconvenção deduzida pela ré.

Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolvo a Ré AA do pedido contra si formulado pela Autora ... Hipermercados S.A.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“1. Pretende-se com este a reapreciação da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, no que à decisão da matéria de facto diz respeito, mas também quanto à solução de direito aplicada ao caso concreto.

Quanto à impugnação da matéria de facto,
2. Salvo o devido respeito, atendendo à prova documental junta aos autos, mas também à prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, o Tribunal a quo deveria ter decidido dar como não provado o ponto 77 da Contestação, e dar como provado o ponto 82 da Petição Inicial.
3. Com a Petição Inicial a aqui Recorrente juntou como doc. n.º ... os documentos que compõe o processo disciplinar que foi movido à Recorrida.
4. Assim, consta desse referido doc. n.º ... o auto de declarações da Sra. BB, cujo depoimento foi prestado em sede de instrução.
5. Nesse auto de declarações, confirmado e assinado pela referida Sra. BB, consta o seguinte:
“Segundo a depoente, a arguida sabia que os selos que lhe eram entregues tinham sido dados pela ex-colaboradora CC à depoente.”
6. Em sede de depoimento prestado em audiência de julgamento, a instâncias da advogada da Recorrente, questionada se a Recorrida sabia que os selos que lhe eram entregues provinham da colaboradora DD, acabou a testemunha por afirmar que “sim” (depoimento gravado da testemunha BB, através do sistema “H@bilus Média Studio”, prestado entre as 15:13:59h e as 15:37:14h, entre os minutos 00:18:38 a 00:20:42).
7. Foi essa a resposta da testemunha sobre esse facto e é essa resposta que o Tribunal a quo não pode desconsiderar, como fez.
8. De tal depoimento, aliás, conclui-se que: A R. sabia que os selos que lhe eram entregues pela Sra. BB provinham da colaboradora DD e, por isso; existiu, de facto, um estratagema criado entre a R. e as colegas – BB e DD - para se apropriarem dos selos da campanha S....
9. Assim, e face ao exposto, deverá ser dado como provado o ponto 82 da Petição Inicial, e ser dado como não provado o ponto 77, referente à Contestação.
Quanto à solução de direito aplicável,
10. Na sentença proferida pelo Tribunal a quo, e a propósito dos factos imputados à Recorrida na nota de culpa, julgaram-se provados descritos sob os pontos 1, 13, 23, 24, 25, 27, 55, 56, 59, 60, 61 e 62 na Sentença proferida.
Ora,
11. Conforme resultado do exposto, o Tribunal a quo deu como provado que, enquanto colaboradora da Recorrente, a Recorrida sabia e não podia desconhecer – como acontece aliás com todos os colaboradores da Recorrente – que estava proibida de receber gratificações de clientes, seja em dinheiro ou qualquer outro género, no tempo e local de trabalho.
12. Ou seja, era do perfeito conhecimento da Recorrida – trabalhadora da Recorrente – que não podia aceitar os selos.
13. Selos esses que a Recorrida não tinha direito a receber, porquanto não realizou – nem mesmo as suas colegas - compras no montante que lhe atribuía o direito a receber tais selos.
14. Atente-se que, a apropriação dos referidos selos equivale à apropriação de um crédito que a aqui Recorrente concede aos seus clientes, em função das suas compras, atribuindo-lhes um ganho.
15. Além disso, a Recorrida tinha conhecimento que tais selos que lhe eram entregues provinham da colaboradora DD,
16. Pelo que, dúvidas não subsistem que a Recorrida, juntamente com as suas colegas de trabalho (DD e BB), criou um estratagema que permitia à Recorrida locupletar-se às custas da Recorrente, apropriando-se de selos que deveriam ter sido entregues aos clientes ou, então devolvidos à loja.
17. Assim, e atendendo à matéria de facto dada como provado pelo Tribunal a quo, bem como o facto 82 da Petição Inicial que deverá ser julgado como provado, dúvidas não subsistem que o comportamento da Recorrida foi culposo,
18. Mas, mais do que isso, tratou-se de um comportamento intencional e premeditado, e não um comportamento negligente como o Tribunal a quo concluiu. Aliás,
19. É absolutamente inacreditável que, a este propósito, o Tribunal conclua que “É certo que a Ré, como qualquer colaborador da A., estava proibido de receber gratificações de clientes e que a oferta dos selos poderia incluir-se nessa categoria. Contudo, essa proibição está limitada ao tempo e local de trabalho e não consta da acusação/nota de culpa e relatório final que a R. recebesse os selos no local e tempo de trabalho”.
20. O dever de lealdade e de honestidade não se circunscreve ao horário nem ao local de trabalho.
21. A propósito da apropriação de selos, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3481/17....: “Estamos perante justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora que é operadora de caixa e disso se aproveita no âmbito de uma campanha de fidelização de clientes para se apropriar de selos a entregar aos clientes da empregadora aquando o pagamento de produtos que adquiriam e os utiliza em benefício próprio.”
22. Estamos perante um comportamento que inegávelmente colocou em causa a confiança que a Recorrente vinha depositando na Recorrida e, por isso, era inexigível impor à Recorrente que mantivesse quaisquer expectativas quanto à idoneidade futura dos comportamentos da R..
Continuando,
23. A propósito dos factos imputados à Recorrida no aditamento à nota de culpa, julgou o Tribunal a quo como provados, entre outros, os seguintes factos descritos nos pontos 63, 64, 67, 68, 70 e 71 da respetiva Sentença.
24. No entanto, e apesar de ter considerado tais factos como provados, concluiu o Tribunal a quo que “…os factos revelam uma infracção de reduzida gravidade e uma culpa diminuta da trabalhadora, a par de não se ter provado qualquer prejuízo patrimonial
25. efectivo para a empregadora A.”.
Ora,
26. Salvo o devido respeito, o facto de não ter existido prejuízo patrimonial efetivo para a Recorrente, não implica que não haja justa causa para o despedimento.
27. A este propósito, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 477/11.9TTVRL.G1.S1 (in www.dgsi.pt) “a quebra da confiança entre empregador e trabalhador não se afere pela existência de prejuízos, podendo existir sem estes, bastando que o comportamento do trabalhador seja apto a gerar no empregador a dúvida sobre a idoneidade da sua conduta futura (…) no âmbito da sua relação laboral o trabalhador está vinculado a vários deveres, com destaque, no que aqui releva, para os deveres de lealdade, de transparência e de boa fé, como forma de garantir, proteger e conservar a situação de confiança mútua indispensável à manutenção dessa relação contratual.”
28. E ainda no mesmo acórdão “a quebra da confiança entre empregador e...

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