Acórdão nº 603/17.4T8VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 09-10-2023

Data de Julgamento09 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão603/17.4T8VFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 603/17.4T8VFR.P1
Comarca de Aveiro
Juízo Local Cível de S.M. da Feira (Juiz 3)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
Em 21 de Fevereiro de 2017, AA intentou no Juízo Local Cível de S.M. da Feira a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB e CC, peticionando, a concluir, que:
- seja julgado nulo e de nenhum efeito, por simulação, o contrato de compra e venda e respectiva escritura pública de 29/07/2003 celebrado entre o A. e a R. BB, como vendedores, e o 2.º R., como comprador, do prédio identificado no artigo 4.º da p.i., «com todas as legais consequências decorrentes dessa nulidade;
- seja ordenado o cancelamento na respectiva conservatória do registo predial da simulada compra e todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos posteriormente.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:
Casou com a ré BB em 25.09.1976 no regime de comunhão de adquiridos e do casamento existe um filho, o 2.º réu, mas o matrimónio foi dissolvido por divórcio, com sentença transitada em julgado em 18.11.2015.
Em 29.07.2003, ele, autor, e a 1.ª ré declararam perante a Notária Drª DD do Cartório Notarial de S. João da Madeira, vender ao 2.º réu, filho de ambos, então com 22 anos de idade e estudante de economia e gestão da Universidade ..., que, por sua vez, declarou comprar-lhes, pelo preço de € 50.000,00, que aqueles declararam ter recebido, o prédio constituído por terreno para construção urbana sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Stª Maria da Feira, inscrito na matriz predial urbana sob o arigo 1291º, descrito na C.R.Predial de Stª Maria da Feira sob o nº ..., da dita freguesia ..., imóvel esse que, fruto da alteração toponímica ocorrida posteriormente, veio a corresponder e a situar-se na Rua ..., da dita freguesia ... e concelho de Santa Maria da Feira, tal como hoje existe, declarações que foram formalizadas por escritura pública outorgada na referida data.
Esse prédio fora adquirido pelo autor e pela ré BB, por compra, em 1989.
No mesmo acto, o 2.º R. também declarou constituir hipoteca sobre o imóvel atrás identificado a favor do Banco 1..., S.A. para garantia do pagamento e liquidação da quantia total de € 100.000,00 que o 2º R. também declarou ter-lhe sido concedida a título de empréstimo pela referida instituição de crédito, para efeitos de construção, no imóvel hipotecado, de uma habitação própria e permanente.
Na mesma escritura, o A. e a 1.ª R., declararam, ainda, afiançar solidariamente todas as obrigações que o 2.º R. assumia a título do empréstimo contraído e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores se obrigavam perante aquele Banco mutuante ao cumprimento das mesmas, com renúncia ao benefício da excussão prévia, bem como ao benefício do prazo previsto no artigo 782.º do Código Civil.
Essa aquisição da propriedade e a constituição de hipoteca voluntária pelo 2º R. foram registadas, respectivamente, pelas inscrições AP. ... de 2003/04/17, AP. ... de 2003/04/17 e AP. ... de 2003/09/30.
Após a sua aquisição, em 1989, daquele terreno, o autor e a ré BB, entre os anos de 1992 e 2002, construíram nele aquela que passou a ser a sua casa de habitação e do seu agregado familiar, do qual também fazia parte o filho de ambos, o 2º R., o que tudo fizeram com dinheiro seu e com o que pediram, por empréstimo, a instituição bancária.
Desde o ano de 1989 e, com a construção da casa de habitação, desde o ano de 2002 e nos anos seguintes até hoje, ininterruptamente, o A. e a 1ª R. vêm possuindo, com a intenção de serem beneficiários do direito de propriedade que essa posse traduz e de forma correspondente a esse direito, isto é, como coisa sua, dela retirando e fruindo de todas as suas utilidades, sempre com o conhecimento de toda a gente do lugar e da freguesia e sem oposição de ninguém, o referido imóvel.
Acontece que o que autor e ré BB declararam perante a referida notária e foi formalizado na aludida escritura pública não tem correspondência com a realidade, pois nem eles quiseram vender, nem o 2º R. quis comprar-lhes tal imóvel pelo declarado preço de € 50.000,00 (tanto assim que o prédio valia, no mínimo, € 250.000,00).
Na realidade, o autor e a ré BB, com a anuência do 2.º R., recorreram a esse esquema para conseguirem obter, como obtiveram, de uma instituição bancária Banco 1...) um empréstimo de € 100.000,00, dinheiro de que, na altura, estavam necessitados.
Entretanto, as relações entre o autor e o 2.º R. deterioraram-se ao ponto de este o ameaçar que havia de lhe «destruir a vida» e que o «ia pôr na miséria» e, nesse propósito, além de, com a sua gestão, ter levado a empresa familiar à insolvência, decidiu pôr à venda o referido imóvel, apesar de bem saber que, na realidade, não lhe pertence.
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Citados os réus, veio a ré BB apresentar contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Na defesa por excepção, deduz a sua ilegitimidade, uma vez que da procedência da acção não advirá para si qualquer prejuízo. Aliás, invoca também a excepção de ilegitimidade do próprio autor, sem que se perceba o fundamento dessa alegada ilegitimidade.
Na defesa por impugnação, contesta a generalidade dos factos alegados pelo autor.
Alega que «sempre esteve convicta de que as prestações do empréstimo e outras despesas com a casa foram sempre suportadas pelo 2º R.».
Quanto à simulação, alega não se verificar um dos requisitos, qual seja, o intuito de enganar terceiros.
Tão pouco houve prejuízo para o terceiro, supostamente, enganado (o Banco 1...), pois que esta instituição de crédito garantiu o pagamento do valor mutuado através da constituição de hipoteca sobre um imóvel cujo valor patrimonial era superior a € 250.000,00.
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Também o réu CC ofereceu contestação que, no entanto, não foi admitida porque intempestivamente apresentada (despacho de 06.02.2019).
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Após tentativa de conciliação frustrada, com a anuência das partes foi dispensada a realização (ou continuação) da audiência prévia e em 29.01.2020 foi proferido despacho saneador em que se conheceu da excepção deduzida, julgada improcedente.
Do mesmo passo, foi fixado o objecto do processo e foram enunciados os temas de prova.
Foram admitidos os requerimentos probatórios e programados os actos da audiência final, designada para o dia 11.03.2020.
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Em 13.02.2020, alegando que o réu CC, estando já pendente a presente acção, teria vendido a EE e mulher FF o prédio em causa, deduziu o incidente de intervenção principal provocada, do lado passivo.
Por despacho de 05.05.2020, foi admitida a intervenção e os chamados, devidamente citados, apresentaram contestação em que deduziram a excepção de ilegitimidade passiva por entenderem que também devia estar na lide o credor hipotecário Banco 1... (com quem celebraram um mútuo com hipoteca) e pedem a condenação do autor como litigante de má-fé.
No exercício do contraditório, o autor respondeu, pronunciando-se pela improcedência da excepção e do pedido de condenação por litigância de má-fé.
Por despacho de 11.10.2021, foi indeferida a exceção de ilegitimidade passiva, foi feito aditamento aos temas de prova e reprogramados os actos da audiência final.
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Em 31.03.2022, iniciou-se a audiência final, que se prolongou por quatro sessões, após o que, com data de 27.09.2022, foi proferida sentença[1] concluída com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo a presente ação parcialmente provada, e nessa medida procedente, e em consequência:
- Declaro a nulidade e de nenhum efeito, por simulação, do contrato de compra e venda e respetiva escritura pública de 29/07/2003 celebrada entre o Autor e 1ª Ré como vendedores e o 2º Réu como comprador do prédio referido no artigo 4º da p.i.; e em consequência ordeno o cancelamento do registo na respetiva Conservatória do Registo Predial da simulada compra constante da escritura de 29/07/2003 referida no artº 4º da p.i.
- Declaro inoponível aos Intervenientes (terceiros de boa-fé) a nulidade proveniente da simulação, e em consequência absolvo os Réus e Intervenientes do demais peticionado pelo Autor (cancelamento dos registos ponto 53) dos factos provados).
- Absolvo o Autor do pedido de litigância de má-fé deduzido pelos Intervenientes.
Custas da ação pelo Autor e Réus, na proporção de 3/10 para o Autor e 7/10 para os Réus.»
Inconformados com a sentença, quer o autor, quer o réu CC dela interpuseram recurso, com os fundamentos explanados nas respectivas alegações, que “condensaram” nas seguintes “conclusões”:
Recurso do autor
«1. O A., ora Recorrente, não se conforma com a douta sentença na parte em que esta declarou ser inoponível aos Intervenientes, aqui Recorridos, a nulidade proveniente da simulação, e em consequência os absolveu do demais peticionado pelo recorrente, (cancelamento dos registos ponto 53) dos factos provados), por ter concluído o Tribunal “a quo” que os Intervenientes/Recorridos não sabiam, nem deviam saber, que a pessoa que se apresentou como proprietário do imóvel (o 2º Réu, aqui Recorrido) não podia vender o prédio em causa, considerando estarem os Recorridos Intervenientes de boa-fé, ignorando, quando outorgaram a escritura em 50) dos factos provados da douta sentença, que o (anterior) negócio/contrato de compra e venda desse imóvel, outorgado entre o Recorrente e os Recorridos 1ª e 2º RR., era simulado (negócio apurado em 4) dos factos provados da douta sentença).
2. Ressalvado o devido respeito, e muito é, existiu quanto a essa matéria erro na apreciação da prova testemunhal.
3. Da prova produzida não resultou provada a “boa fé” dos subsequentes adquirentes, aqui Intervenientes/recorridos, entendida esta como a ignorância da simulação do negócio referido em 4) dos factos provados ao tempo do negócio mencionado em 50) dos factos provados.
4. Deverá ser dado como provado, ao contrário da douta sentença
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