Acórdão nº 601/21.3T8LOU-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 08-02-2022

Data de Julgamento08 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão601/21.3T8LOU-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROCESSO N.º 601/21.3T8LOU-A.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução da Maia - Juiz 2

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunta: Maria Eiró
Adjunto: João Proença

SUMÁRIO:
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ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I.
RELATÓRIO
1.
AA, por apenso ao processo de execução que G..., S.A. lhe moveu, veio deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, invocando, além do mais, que o documento apresentado pela Exequente para fundamentar a execução não constitui título executivo, pugnando pela consequente extinção da execução.
2.
Na contestação que apresentou a Embargada sustentou a exequibilidade do título em questão.
3.
Foi prolatado despacho saneador-sentença, que apreciou e decidiu:
[De acordo com o art. 10º nº 5 do C.P.C., toda a execução tem por base um título, que só pode ser do tipo dos indicados no art. 703º nº 1 do mesmo diploma legal. Trata-se, pois, de uma enumeração taxativa, não sendo lícito às partes, por sua própria vontade, criar títulos executivos diversos dos legalmente previstos.
A Exequente veio, como se referiu, executar o documento nº 1 do requerimento executivo, pretendendo tratar-se de documento particular, assinado pelo devedor.
Acontece que nenhuma das alíneas daquele art. 703º nº 1 prevê que possam constituir título executivo os documentos particulares que não sejam títulos de crédito.
Porém, é necessário atentar que o acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da alínea b) do citado art. 703º nº 1, quando aplicada a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961.
Ora, considerando que o documento exequendo se encontra datado de 26/7/2012, haverá que aplicar ao caso dos autos aquele art. 46º nº1 c), de acordo com o qual à execução podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.
Mas, compulsado o documento exequendo, verifica-se que o mesmo não respeita os requisitos daquele art. 46º nº 1 c).
Com efeito, o que a exequente pretende cobrar do executado são comparticipações mensais que alega encontrarem-se em dívida, por não terem sido pagas as facturas mensais emitidas entre 10/12/2012 e 11/2/2021.
Ora, no documento dado à execução o executado declarou obrigar-se ao pagamento de uma comparticipação mensal, como contraprestação da prestação de serviços por parte da exequente. Porém, tais serviços apenas se encontram quantificados (cfr. cláusula 5ª do anexo III) para o primeiro ano civil (2012), mas já não para os anos subsequentes. Assim, não é possível saber, a partir do documento exequendo, por simples cálculo aritmético, quais as quantias que o executado se encontra obrigado a pagar, entre Janeiro de 2013 e Fevereiro de 2021. E mesmo em relação ao mês de Dezembro de 2012, embora apareça a quantificação, não pode considerar-se demonstrado que a obrigação se tenha constituído, uma vez que o executado declara assumi-la como uma contrapartida dos serviços a prestar pela exequente, quando é certo que, a partir do documento exequendo (e dos demais documentos juntos com o requerimento executivo) não é possível concluir que tais serviços tenham sido prestados.
Não constitui, pois, o documento apresentado título executivo nos termos e para os efeitos daquele art. 46º nº1 c).
Pelo exposto, por falta de título executivo, nos termos do art. 278º nº1 e) do Código de Processo Civil, absolvo o executado da instância executiva.
Custas pela embargada – art. 7º nº4, com referência à Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais.
Fixo em € 10.272,21 o valor da causa.]
4.
Não se conformando com aquela decisão, a Embargada interpôs o presente recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
5.
Com o requerimento de interposição do recurso, a Apelante apresentou alegações, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
[A. O presente recurso versa sobre a decisão de absolvição da instância do Recorrido por o documento particular dado à execução não constituir título executivo nos termos do art. 46º, 1º, c) do anterior CPC.
B. O Tribunal a quo decidiu, data venia, erradamente que “…compulsado o documento exequendo, verifica-se que o mesmo não respeita os requisitos daquele art. 46º nº 1 c)”.
C. Ora, resulta do documento exequendo que, a comparticipação do Recorrido para o primeiro ano civil (2012) seria de €120,00 e, que em cada ano, esta comparticipação podia ser atualizada automaticamente sofrendo um aumento até ao máximo de 1,2 do indíce de preços no consumidor publicado pelo INE, relativo ao ano civil anterior – artigo 6, n. 2 e 3 do Anexo III do doc. 1 junto com o requerimento executivo.
D. Não se aceita, por isso, que o Tribunal a quo tenha decidido que não é possível quantificar, a partir do documento exequendo, quais as quantias que o executado se encontra obrigado a pagar entre Dezembro de 2012 e Fevereiro de 2021.
E. A Recorrente podia, nos termos do plasmado no documento exequendo, decidir atualizar o valor da comparticipação mensal até ao máximo de 1,2 do índice de preços no consumidor publicado no INE mas nunca o fez ao longo dos anos, nomeadamente no período compreendido entre os anos de 2013 e 2021.
F. O proprietário Recorrido efetuou pagamentos mensais, a título de comparticipação, no valor de €120,00, no período compreendido entre junho de 2018 e novembro de 2020. Isto é, o Recorrido sempre conseguiu saber - quantificar - quais as quantias a que estava obrigado.
G. Se a Recorrente podia ter exigido o pagamento da comparticipação atualizada até ao referido limite de 1,2 mas não o fez e se o Recorrido, consciente da falta de atualização, fez nos últimos anos alguns pagamentos mensais no valor de €120,00 cada, como pôde o Tribunal a quo decidir que do documento exequendo, por simples cálculo aritmético, não se consegue saber quais as quantias a que o executado se encontra obrigado a pagar entre Dezembro de 2012 e fevereiro de 2021?
H. Existe título executivo e estão cumpridos os requisitos do art. 46º, 1, c) por o documento particular dado à execução ter, em 26.07.2012, sido assinado pelo devedor e importar a constituição de obrigações pecuniárias cujo montante se encontra determinado (€120,00 mensais), inexistindo sequer necessidade de determinação por simples cálculo aritmético.
I. Neste sentido decidiu recentemente o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no Processo n.º 1141/21.6T8VNF.G1, numa situação idêntica à dos presentes autos, em que a aqui Recorrente assume também a posição de exequente e onde só difere a parte contrária (o proprietário da fração).
J. Sem prescindir, a sentença recorrida decidiu ainda que, mesmo em relação ao mês de dezembro de 2012, embora seja possível a tal quantificação que refere, não pode igualmente considerar que a obrigação se tenha constituído, uma vez que do documento exequendo não é possível concluir que tais serviços tenham sido prestados – não se pode aceitar!
K. A Recorrente não alcança sequer o iter lógico-racional da decisão recorrida quando refere que “não é possível concluir que tais serviços tenham sido prestados” para decidir, como decidiu, a final, que não constitui o documento apresentado título executivo nos termos e para efeitos do art. 46º, n.º 1, c).
L. Sem conceder quanto às demais, como pôde o Tribunal a quo decidir que também não há título executivo quanto à comparticipação relativa ao mês de dezembro de 2012? Reitera-se, não existe qualquer dúvida de que, no ano de 2012, a comparticipação mensal era de €120,00!
M. Pelo que, com o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal a quo ao considerar também que, em relação ao mês de dezembro de 2012, se verifica falta de título executivo nos termos e para efeitos do art. 46º, n.º 1, c), impondo-se também aqui a revogação da decisão proferida por outra que decida a existência de título executivo válido e suficiente.
N. Ainda sem prescindir, o Direito é justiça e deve, cremos, significar segurança jurídica!
O. O caso dos autos é (mais um) caso exemplo de incerteza jurídica que se pretende combater e afastar do ordenamento jurídico por ferir, de forma irremediável e injustificada, o princípio da segurança e proteção da confiança ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.).
P. Pelo que deve, com o devido respeito, ser revogada a sentença a quo por decisão que considere o documento apresentado título executivo suficiente nos termos e para efeitos do art. 46º, n.º 1, al. c) do anterior CPC e determine o prosseguimento dos presentes autos.]
*
Pediu a
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