Acórdão nº 6/23.1YUSTR.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 09-05-2023

Data de Julgamento09 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão6/23.1YUSTR.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:


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I.–RELATÓRIO


NEW ESTIMATED TIME 7S, LDA., com os sinais identificativos constantes dos autos, impugnou judicialmente decisão da AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES que lhe impôs sanções pela prática das infracções descritas nos autos.

O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
Pelo presente recurso de contra-ordenação, veio a NEW ESTIMATED TIME 7S, LDA., com sede na Rua de ....., n.º ..., 3...-...- A_____, nos termos do disposto no artigo 59.º do Regime Geral das Contra-ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro – adiante abreviadamente, RGCO), ex vi artigo 36.º do Regime Quadro das Contra-Ordenações no Sector das Comunicações (RQ), impugnar judicialmente a decisão da ANACOM – AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES, que a condenou pela prática da contra-ordenação prevista e punida nos termos conjugados da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de Junho (adiante, abreviadamente, RED) e da alínea h) do n.º 3 e al. b) do n.º 6 do artigo 46.º e n.º 2 do artigo 48.º, também do RED e artigo 4.º do RQ , em coima no valor de € 750,00, suspensa, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 31.º do RQ, na sua execução, pelo período de 2 anos, suspensão essa subordinada à regularização da situação ilícita relativa à documentação técnica dos equipamentos de rádio da marca TENDA, modelo A18, mediante o envio, à ANACOM, dos desenhos de projecto e fabrico, dos esquemas eléctricos, do diagrama de blocos, da lista de componentes, dos relatórios de ensaios de rádio, de compatibilidade electromagnética, de segurança e de protecção à saúde, da explicação da conformidade dos referidos sistemas com as condições de utilização do espectro radioeléctrico em pelo menos um Estado-Membro da União Europeia e da explicação da inclusão ou não de informações nas respectivas embalagens.
Para tanto, apresentou as seguintes conclusões:
1.–A omissão injustificada ou com justificação falsa, de realização de diligências de prova requeridas pela arguida constitui nulidade (artigo 120º, nº 1, alínea d) do CPP aplicável aos autos ex vi artigo 41º RCCOC), e constitui violação do direito de defesa pelo que a decisão impugnada é nula e violadora dos artigos 32°, n° 10, e 18°, n° 1 da CRP.
2.–A condição da suspensão da coima imposta é nula porque impossível de cumprir para a arguida.
3.–A arguida não cometeu a contraordenação por que foi condenada, porque foi erradamente qualificada como distribuidora, devendo ser dela absolvida.
Recebido o recurso e enviados os autos ao Ministério Público, este apresentou-os nos termos do artigo 62.º, n.º 1 do RGCO.
Nos termos dos artigos 64.º e 65.º do RGCO, designou-se data para julgamento, o qual se realizou com observância de todo o formalismo legal, conforme plasmado em acta, tendo a Arguida, mediante representante legal, prestado declarações.

Foi proferida sentença que decretou:
Face ao exposto e pelos fundamentos expendidos, julgo procedente a impugnação judicial deduzida pela NEW ESTIMATED TIME 7S, LDA., contra a decisão da ANACOM – AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES e, em consequência, absolvo a Recorrente da prática da contra-ordenação muito grave, prevista e punida nos termos conjugados da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º, da alínea h) do n.º 3 e al. b) do n.º 6 do artigo 46.º e n.º 2 do artigo 48.º, todos do RED e artigo 4.º e n.ºs 1 a 3 do artigo 31.º do RQ, consistente na não disponibilização às autoridades de fiscalização do mercado, pelo distribuidor, de toda a informação e documentação necessárias para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio em papel ou, preferencialmente, em suporte electrónico, numa língua facilmente compreensível pelas autoridades, por respeito aos equipamentos de rádio da marca TENDA, modelo A18.

A Autoridade Nacional de Comunicações interpôs recurso dessa sentença concluindo e sustentando (as notas de rodapé não são transcritas):
1.–A sentença ora recorrida padece de erro notório na apreciação da prova quanto ao facto não provado n.º 1, que deveria ter sido considerado provado.
2.–Na base dessa conclusão esteve um juízo de inferência que resultou não dos factos em si, mas das considerações de Direito expressas na sentença, tendo a apreciação dos factos sido mediada por considerações de Direito relativas à interpretação da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de junho, e tendo excluído a apreciação efetiva do comportamento da arguida.
3.–Tais considerações de Direito dizem respeito apenas, aliás, à apreciação da tipicidade dos factos face à norma constante da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º do 4. Uma coisa é a tipicidade (e ilicitude) da conduta manifestada, grosso modo, no preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo e outra bem diferente é a imputação do facto a um agente.
5.–Dos factos provados n.os 2, 4 e 7 resulta de imediato a conclusão por uma atitude da arguida que permite desde logo inferir, pelo menos, a negligência.
6.–A interpretação que o Tribunal a quo faz da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º e da alínea h) do n.º 3 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de junho, está incorreta, e parte do manifesto equívoco que é uma suposta distinção de natureza entre a documentação técnica e toda a informação e documentação necessárias para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio.
7.–Essa distinção e equívoco baseiam-se numa interpretação mera e estritamente formalista da alínea f) do n.º 3 do artigo 44.º e das alíneas j) e k) do n.º 3 do artigo 45.º face à alínea h) do n.º 3 do artigo 46.º, todos do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de junho, bem como em apriorismos relativos à confidencialidade e aos direitos de propriedade intelectual – valores que não são protegidos pelo regime legal em causa.
8.–Toda a informação e documentação necessárias para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio não pode ter outro significado do que se referir à documentação técnica, pois só a documentação técnica permite demonstrar a conformidade de um modelo de equipamentos de rádio com os requisitos essenciais.
9.–É apenas e só cada elemento da documentação técnica relativa a um modelo de equipamentos de rádio que permite demonstrar essa conformidade.
10.–A maioria das demais sentenças proferidas pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão nesta matéria segue a posição ora proposta por esta Autoridade, excluindo a interpretação criativa e apriorística vertida na sentença ora recorrida.
11.–O prazo para envio da documentação técnica à ANACOM, após solicitação para esse efeito, é parte dos elementos objetivos do tipo da contraordenação praticada em violação da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de junho, dado que uma obrigação de entrega de elementos a pedido de uma autoridade apenas pode ser violada se estiver condicionada a um prazo, sob pena de o seu cumprimento ser sempre possível; por conseguinte, é inerente à referida obrigação e à contraordenação em análise a não entrega da documentação dentro do prazo estipulado.
Termos em que, tudo visto e ponderado, deverão Vs. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, determinar, contrariamente ao fixado pelo Tribunal a quo e de acordo com a decisão condenatória proferida pela ANACOM:
• que o conteúdo do facto não provado n.º 1 seja considerado provado;
• ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para produção de nova decisão em que seja feita o enquadramento jurídico atenta a factualidade alterada, bem como a determinação da medida da coima se disso for caso
• de modo a que a decisão a proferir pelo Tribunal a quo já possa estar de acordo com o entendimento jurídico do Tribunal ad quem, que se considere que a norma constante da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º, conjugada com a alínea h) do n.º 3 do artigo 46.º, ambos do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de junho 35, obriga os distribuidores ao envio à ANACOM, no prazo fixado para o efeito, da documentação técnica completa relativa a qualquer modelo de equipamentos de rádio que tenham comercializado;
• caso o Tribunal ad quem entenda determinar desde já as sanções aplicáveis, a aplicação de uma coima de 750,00 euros, suspensa em caso de regularização da situação ilícita, para a contraordenação muito grave praticada em violação do preceituado na alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de junho (…)!

Também o Ministério Público recorreu da sentença concluindo e sustentando:
1ª- A arguida estava obrigada a facultar à ANACOM toda a informação e documentação necessárias, incluída a documentação técnica em falta descrita na 2ª parte do facto 6, para permitir à ANACOM demonstrar a conformidade do equipamento de rádio da marca Tenda, modelo A18 com os requisitos essenciais,
2ª- A sentença recorrida considerou como não provada a matéria de facto relativa ao elemento subjetivo da infração (ou pelo menos a parte dele, face ao facto provado 7), exercício esse que foi suportado em erro de direito, o qual a faz enfermar do vício de erro notório na apreciação da prova nos termos do art. 410º, nº 2, c) do CPP,
3ª- Dado o concreto facto ilícito praticado pelo agente que diretamente violou o dever previsto no art. 14.º, n.º 2, al. h) do DL 57/2017, de 09/06, competia ao TCRS, à luz das regras da experiência, inferir e dar como provada a negligência consciente da arguida.
Face ao exposto, a Relação de Lisboa deverá ordenar a baixa dos autos para prolação de nova sentença a fim de ser suprimido o vício apontado. Para tanto deverá ser acrescentado ao ponto 7. dos factos provados o texto que atualmente consta do ponto 1. dos factos não provados e aí ser indicada a negligência consciente.
Consequentemente, mais
...

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