Acórdão nº 6/21.6YQSTR.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-10-2023

Data de Julgamento23 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão6/21.6YQSTR.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

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I.–RELATÓRIO


ASSOCIAÇÃO IUS OMNIBUS, com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou acção «declarativa especial para a presentação de documentos» contra MELIÁ HOTELS INTERNATIONAL, S.A., neles também melhor identificada.

O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:

ASSOCIAÇÃO IUS OMNIBUS, melhor identificada nos autos, ao abrigo das disposições legais contidas nos artigos 52.º, n.º 3 e 60.º, n.º 3 da CRP, 2.º e 3.º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, 31.º e 1045.º a 1047.º do CPC, e 13.º e 19.º da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho, intentou AÇÃO DECLARATIVA ESPECIAL PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS contra MELIÁ HOTELS INTERNATIONAL, S.A., também melhor identificada nos autos, formulando, a final, os seguintes pedidos:

1.–A notificação da Comissão Europeia para, querendo, apresentar observações escritas ao Tribunal sobre o seu pedido;

2.–A citação da Ré para apresentar, em dia, hora e local a designar pelo Tribunal, de modo a que estes fiquem acessíveis ou sejam facultados à Autora, os documentos elencados no §62 da petição inicial, eventualmente com medidas de garantia da proporcionalidade que o Tribunal entender adequadas;

Ou, subsidiariamente,
3.–Que o Tribunal determine quais, de entre os documentos referidos no §62 da petição inicial, ou outros que o Tribunal entenda, são estritamente necessários para permitir à Autora perceber se foram afetados interesses difusos e se os consumidores residentes em Portugal foram afetados pelas práticas anticoncorrenciais referidas na presente petição inicial, se as práticas lhes causaram danos, e qual o montante desses danos;
4.–A citação da Ré para os apresentar, em dia, hora e local a designar pelo Tribunal, de modo a que estes fiquem acessíveis ou sejam facultados à Autora;
Em qualquer dos casos
5.–Concedendo-se acesso aos documentos estritamente necessários para permitir à Autora determinar se foram afetados interesses difusos e individuais homogéneos e se os consumidores residentes em Portugal têm um direito a indemnização por danos decorrentes das infrações ao artigo 101.º do TFUE e ao artigo 9.º da Lei n.º 19/2012, no âmbito das referidas práticas anticoncorrenciais, com as medidas de garantia da proporcionalidade que o Tribunal entender adequadas; e
6.–A notificação da Ré da intenção da Autora, em representação de todos os consumidores residentes em Portugal, de vir a intentar contra a Ré uma ação de indemnização dos consumidores residentes em Portugal afetados pelas práticas anticoncorrenciais em causa, caso se confirme a lesão dos interesses individuais homogéneos dos consumidores, para que estes sejam ressarcidos dos danos que lhes foram causados pelas referidas práticas, para os fins e com os efeitos previstos no artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil.

A Autora assenta o seu pedido, em síntese estreita, no seguinte contexto factual:
a.- A Comissão Europeia adotou a Decisão proferida em 21 de fevereiro de 2020, no âmbito do Caso AT.40528 – Holiday Pricing, de acordo com a qual a Ré, entre janeiro de 2014 e dezembro de 2015, violou o artigo 101.º do TFUE e o artigo 53.º do Acordo EEE, por ter implementado práticas verticais, por via contratual, que diferenciavam os consumidores em função da sua nacionalidade ou país de residência, restringindo as vendas ativas e passivas de alojamento em hotéis por si geridos ou dos quais é proprietária a consumidores nacionais ou residentes em Estados-Membros por si determinados, a propósito do que foi condenada numa coima no montante global de € 6.678.000.
b.- A referida Decisão foi adotada com a cooperação da Ré (tendo beneficiado de uma redução da multa por esse motivo), a qual mostra-se perfetibilizada, porquanto não foi objeto de recurso.
c.- A Autora pretende confirmar que, tal como sugerido pelo âmbito geográfico das práticas descritas na Decisão, os comportamentos anticoncorrenciais da Ré identificados na Decisão causaram danos a interesses difusos constitucionalmente protegidos em Portugal e a interesses individuais homogéneos dos consumidores residentes em Portugal, e, sendo o caso, qual o quantum dos danos causados.
d.- É impossível à Autora, à luz das informações e documentos publicamente disponíveis, proceder de modo detalhado às determinações referidas no parágrafo anterior, para além da conclusão ampla de que a prática teve efeitos em Portugal.
e.- Caso a Autora determine, na sequência do acesso aos meios de prova que requer na presente ação, que os comportamentos anticoncorrenciais em causa da Ré lesaram interesses difusos e interesses individuais homogéneos de consumidores residentes em Portugal, é sua intenção propor, com base nos meios de prova obtidos, ação judicial para declaração do comportamento anticoncorrencial e obtenção de indemnização, com causa de pedir fundada exclusivamente em infrações ao direito da concorrência, exercendo o direito de ação popular que lhe é conferido pela Constituição e legislação portuguesas, em representação dos consumidores lesados residentes em Portugal.
f.- Por comunicação de 15 de abril de 2021, a Autora solicitou à Ré os meios de prova aqui indicados, com os fundamentos e para os efeitos previstos também na presente Petição Inicial, tendo concedido à Ré um prazo de quinze dias úteis pararesponder.
g.- Por comunicação de 14 de maio de 2021, a Ré informou a Autora da sua recusa de conceder acesso a quaisquer dos meios de prova solicitados pelos fundamentos aí constantes.

h.- A Autora pretende ter acesso aos seguintes documentos, alegadamente na posse da Ré, sem prejuízo de outros ou de apenas alguns que o Tribunal entenda por relevantes e (suficientemente) necessários à finalidade visada com o seu pedido [tendo em conta a posição que, entretanto, assumiu, a respeito, na petição inicial aperfeiçoada]:
- Para conhecimento e prova do âmbito e efeitos da prática anticoncorrencial em causa:
i.- “Documento do qual constem os termos e condições contratuais padrão da Ré (“Meliá’s Standard Terms”) utilizados entre janeiro de 2014 e dezembro de 2015, referido, nomeadamente, nos parágrafos 19 e 24 da Decisão da Comissão Europeia”.
ii.- Os 4216 contratos de venda de alojamento celebrados em 2014 e 2015 diretamente entre a Ré e/ou a sua subsidiária Apartotel, S.A. e operadores intermediários, referidos na Decisão, nos quais constava a expressa condição de as vendas na União Europeia serem feitas apenas aos consumidores com a nacionalidade ou a residência fixada nos países indicados no contrato ou, em alternativa, a lista completa destes contratos, indicando para cada um as partes, os hotéis da Ré abrangidos, o território de vendas autorizado e o período de vigência do contrato.
iii.- Documento(s) do(s) qual(is) conste(m) a identificação dos 140 hotéis da Ré abrangidos pelos referidos contratos de venda de alojamento celebrados diretamente entre a Ré ou a sua subsidiária Apartotel, S.A. e operadores intermediários, para venda de alojamento, celebrados entre janeiro de 2014 e dezembro de 2015;
–Para conhecimento e prova dos danos causados aos consumidores e sua quantificação:
i.- Documento(s), tabela(s) ou estudo(s) na posse da Ré onde constem as suas vendas totais realizadas desde 2014 até ao presente (2021), por ano, em execução de todos os contratos de venda de alojamento em hotéis-resort da Ré e, ainda, documento(s), tabela(s) ou estudo(s) na posse da Ré onde conste ou seja possível extrair a percentagem dessas vendas que foram feitas no âmbito dos 4216 contratos de alojamentos em hotéis-resort da Ré identificados pela CE, desde 2014 até ao presente (2021);
iii.- Documento(s) na posse da Ré onde conste(m) ou de onde decorram, de modo rigoroso ou por estimativa ou aproximação, para o período entre janeiro de 2014 e o final da vigência de qualquer um dos referidos 4216 contratos de venda de alojamento que se tenha verificado mais tardiamente (que terá ocorrido, provavelmente, após dezembro de 2015):
§1)- o número de consumidores residentes em Portugal que ficaram alojados nos 140 hotéis da Ré objeto dos contratos de venda de alojamento com cláusulas restritivas;
§2)- o número médio de noites que os consumidores ficaram alojados nestes hotéis da Ré;
iv.- Documento(s) na posse da Ré onde constem ou donde derivem os preços finais mínimos, médios e máximos do alojamento, por tipo de unidade de alojamento de cada hotel, nos 140 hotéis objeto dos contratos de venda de alojamento com cláusulas restritivas, na venda offline e na venda online, e sua evolução temporal, desde janeiro de 2014 até dezembro de 2020;
v.- Documento(s) na posse da Ré, incluindo estudos de mercado realizados para/adquiridos pela Ré, que incluam ou que permitam calcular as quotas de mercado da Ré e dos seus principais concorrentes (ou suas estimativas), no período entre janeiro de 2014 e o final da vigência de qualquer um dos referidos 4216 contratos de venda de alojamento que se tenha verificado mais tardiamente, em cada Estado-membro da UE;
vi.- Documento(s) na posse da Ré, incluindo estudos de mercado realizados para/adquiridos pela Ré, que descrevem ou do(s) qual(is) se possa retirar os diferentes tipos/perfis de consumidores de alojamento na(s) tipologia(s) de hotéis entre os 140 hotéis que foram objeto de contratos de vendas com cláusulas restritivas identificadas na Decisão, bem como os seus padrões médios de consumo;
vii.- Petições iniciais de ações de indemnização intentadas contra a Ré em qualquer Estado-Membro do EEE por consumidores ou associações de consumidores, com base nas práticas anticoncorrenciais da Ré em causa na Decisão da Comissão Europeia (ou, em alternativa, identificação do(s) respetivo(s) número(s) de processo(s) judicial(is)).
Uma vez
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