Acórdão nº 6/17.0T8CBT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão6/17.0T8CBT-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I. Relatório.

Por sentença de 08.11.2017, foi decretada a interdição, por anomalia psíquica, de AA, com efeitos a partir de 20.07.2016. Foi nomeado para o cargo de tutora BB, como protutor CC e como vogal DD.
Por decisão de 05.03.2018, foram alterados os cargos de tutor e de vogal, nomeando-se DD e BB, respectivamente.
Em sede de reunião de conselho de família, DD aceitou cumprir as obrigações constantes da respectiva acta de fls. 67v.
Por requerimento de 21 de Fevereiro de 2022, a protutor CC veio informar que o acompanhante não tem cumprido as suas obrigações, concretamente não tem assegurado a toma da medicação, a limpeza das roupas, a toma de vacinas, a toma de todas as refeições, o pagamento dos valores devidos à Associação Social de ..., nem o pagamento dos consumos de água da habitação, requerendo que sejam adoptadas as medidas que se considerem convenientes.
Em .../.../2022, veio comunicar que a vogal BB, sua mãe, faleceu em .../.../2018.
Notificado do requerimento de 21 de Fevereiro de 2022, o acompanhante DD referiu que tem prestado os cuidados necessários ao beneficiário, transportando-o a consultas médicas, adquirindo medicação e acompanhando-o na toma da mesma, limpando e cuidando da roupa e da habitação.
Mais referiu que manteve o pagamento de todas as despesas necessárias, encontrando-se a regularizar a dívida à Associação, dívida que se deve ao facto de a pensão de reforma do beneficiário ter sido suspensa. Já o pagamento da água exige a autorização da protutor, sendo que a habitação tem captação própria. Quanto às contas bancárias, a protutor não tem acesso, por não se ter deslocado à instituição bancária.
Notificada, a protutor veio responder, referindo que o pagamento da reforma do beneficiário foi retomado, com retroactivos, no valor de 9.000,00€, inexistindo motivo para não existir regularização da situação da Associação.
Solicitaram-se as informações necessárias e procedeu-se à audição pessoal e directa do beneficiário, do acompanhante e protutor e das testemunhas indicadas.
Em alegações escritas, o Ministério Público promoveu que as questões relacionadas com o património fiquem atribuídas à irmã CC, como o acesso à conta bancária, contratar serviços para prestação de cuidados; proceder à compra e entrega à associação da medicação; proceder à entrega ao acompanhante das quantias que este justifique.
A Requerente CC aderiu à promoção do Ministério Público.
Por sua vez, o acompanhante DD afirma que, desde sempre, prestou os cuidados necessários ao beneficiário, mantendo o pagamento de todas as despesas, com excepção da Associação por discordar do valor que considera ser devido. Refere ainda que é plausível que o beneficiário prefira o jantar confeccionado, na hora, pela família em substituição do confeccionado 4 horas antes. Conclui que se deve manter o regime em vigor, com a inclusão da irmã como titular da conta bancária, por o regime proposto pelo Ministério Público constituir fonte de instabilidade e conflitos.
Foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
VI. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Nomear como acompanhantes do beneficiário AA os seus irmãos DD e CC;
b) Atribuir ao acompanhante DD, poderes de representação geral, onde se inclui, nomeadamente, os seguintes poderes e deveres e onde se exclui os referidos na alínea c):
- Poderes para garantir os cuidados pessoais do Requerido, como seja alimentação, higiene, limpeza da habitação, toma da medicação;
- Poderes para o representar junto de instituições públicas e particulares, como seja Instituto da Segurança Social, Autoridade Tributária e Aduaneira e serviços de saúde públicos e privados, com vista à marcação de consultas, exames médicos prescritos, obtenção de receitas e informações clínicas;
- Proceder à entrega à Associação .... ... da roupa do beneficiário para efeitos de tratamento da roupa;
- Possibilitar que a Associação .... ... proceda ao controlo da diabetes do beneficiário;
- Permitir que a Associação prepare a medicação que venha a ser entregue na Associação, devendo o acompanhante controlar a sua toma pelo beneficiário;
- Permitir que os familiares do beneficiário o possam visitar, mediante prévio contacto.
c) Atribuir à acompanhante CC os seguintes poderes/deveres:
- Poderes na administração dos bens;
- Poderes para movimentar a conta bancária na qual é depositada a reforma do beneficiário, podendo proceder a abertura e cancelamento de contas;
- Poderes para proceder ao pagamento dos serviços contratados para o beneficiário, como seja o pagamento da mensalidade da Associação ...;
- Poderes para adquirir e entregar na Associação a medicação necessária, podendo, para o efeito, solicitar a obtenção de receitas e informações clínicas junto das instituições médicas;
- Dever de transferir mensalmente, até cinco após o recebimento da reforma, uma quantia não inferior a 200,00€ para uma conta bancária a indicar pelo acompanhante DD, com vista a assegurar a contribuição do beneficiário para as despesas domésticas e para despesas com vestuário, transporte e outras, podendo esta entregar um valor superior sempre que o acompanhante DD o solicitar, de modo justificado;
- Dever de diligenciar pelo cancelamento do contrato de fornecimento de água, caso se constate que o mesmo não é necessário para acautelar as necessidades do beneficiário;
- Dever de diligenciar pela contratação dos serviços necessários para a prestação dos cuidados ao acompanhante, nomeadamente, aferir da possibilidade de o beneficiário frequentar, de modo gradual e consoante a sua adaptação, os serviços de animação e ressocialização da Associação;
d) Alterar o cargo de protutor, nomeando-se para o mesmo EE, sobrinho do beneficiário.
Valor do incidente: o da causa
Custas pelo beneficiário, nos termos do disposto no artigo 535º nº 3 do CPC sem prejuízo da isenção prevista no artigo 4º nº 1 alínea l) do RCP.
Registe e notifique, sendo no caso dos acompanhantes nomeados, com as seguintes menções:
- No exercício da sua função, os acompanhantes privilegiam o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada (cf. artigo 146.º, n.º 1 do Código Civil), devendo manter um contacto permanente com ele;
- Pode requerer a cessação ou a modificação do acompanhamento ao tribunal quando não mais existam as causas que o determinaram (cf. artigo 149.º do Código Civil);
- Deve abster-se de agir em conflito de interesses com o acompanhado e, sendo necessário, cabe-lhe requerer ao Tribunal autorização ou as medidas concretamente convenientes (cf. artigo 150.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil).
- As suas funções são gratuitas e deve prestar contas quando cessar a sua função ou quando o tribunal o determine (cf. artigo 151.º do Código Civil);
- A acompanhante nomeada administra o seu património, no interesse daquele, praticando todos os atos necessários para o efeito, com exceção daqueles que dependem de autorização do tribunal, designadamente a disposição de bens imóveis, entre outros (cf. artigo 1889.º do Código Civil).
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Uma vez que o Tribunal procedeu à nomeação de dois acompanhantes, notifique-se os acompanhantes agora nomeados e o protutor para se pronunciarem quanto à necessidade de nomear vogal do conselho de família, devendo, em caso afirmativo, indicar familiar idóneo, esclarecendo a relação que o mesmo tem com o beneficiário.
Após, abra vista ao Ministério Público.
Prazo: 10 dias.
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Após trânsito, comunique à Conservatória do Registo Civil competente, indicando a alteração do cargo de acompanhante.
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Após, arquive, sem prejuízo da revisão ser requerida, nos termos do artigo 26º, nº 8 da Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto.”.
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Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso DD, acompanhante do beneficiário, o qual a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“CONCLUSÕES
I – Vem o presente recurso interposto por, salvo o devido respeito, a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” ter feito uma errada apreciação da matéria de facto.
II – Na verdade, da prova produzida nos Autos, mereciam decisão diversa da recorrida os fatos dados como provados n.ºs 17 e 30, que, salvo melhor opinião, deveriam ter sido julgados não provados;
III – O que, aliás, salvo melhor opinião, resulta claro da análise dos depoimentos das Testemunhas, que depuseram sobre os tais factos, supra transcritos.
IV – Ou seja, dos depoimentos das testemunhas e da prova documental junta aos autos.
V – De tais depoimentos, resulta que a resposta dada pelo douto Tribunal a quo aos pontos 13 e 17 dos Factos Provados, deveria ter sido a oposta, ou seja, valorando corretamente os elementos de prova, deveriam os mesmos ter sido considerados não provados.
VI – Ora, tais respostas que ora se propõem, quanto a tais concretos pontos de facto, resultam da análise não só da prova testemunhal supra mencionada, mas também dos documentos juntos.
VII – Da mesma forma que os factos dados como não provados sob as alíneas b) e d), deveriam ter sido julgados como provados, uma vez que se fez prova bastante da sua verificação.
VIII – O art. 140.º, n.º 1 do CC prevê que «O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença», sendo seus destinatários os maiores impossibilitados, «por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres» (art. 138.º do CC).
IX – Com a Lei n.º 49/2018 procedeu-se a uma alteração de paradigma da rigidez do anterior sistema que assentava nas figuras da interdição e da inabilitação – que...

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