Acórdão nº 591/19.2T9VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Ano2022
Número Acordão591/19.2T9VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 591/19.2T9VNG.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que correm termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia - Juiz 1, Comarca do Porto, com o nº 591/19.2T9VNG, foi submetida a julgamento a arguida AA, tendo a final sido proferida sentença, depositada em 28.07.2021, que condenou a arguida pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. no artº. 107º nºs 1 e 2 por referência ao artº 105º nºs 1 e 4 do RGIT, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 5,00, bem como a pagar ao Instituto da Segurança Social, IP. a quantia de € 22.334,49, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos nos termos do disposto no nº 3 do DL nº 73/99 de 16.03.
Inconformada com a sentença condenatória, veio a arguida interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. Pela douta sentença, a arguida foi condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 107.º, n.ºs 1 e 2, por referência ao artigo 105.º, n.º 1 e 4, do RGIT, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros); e ainda a pagar à Segurança Social €22.334,49, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos calculados nos termos do disposto no 3.º do DL n.º 73/99, de 16 de Março.
2. Acontece, porém, que consideramos que o procedimento criminal se encontra irremediavelmente extinto, por força do despacho de arquivamento do Ministério Público, a fls. 187/188.
3. Porém, o Tribunal a quo considerou que a subsequente reabertura do procedimento, por intervenção hierárquica oficiosa, era admissível.
4. Acontece que, consideramos que essa intervenção verificou-se fora de prazo, pelo que deve ser julgada inadmissível e ineficaz, por intempestividade.
5. Com efeito, a referida intervenção hierárquica foi efetuada tendo-se em consideração que in casu era aplicável o prazo adicional previsto para a apresentação de requerimento de instrução, inscrito no artigo 278º 1 CPP.
6. No entanto, é nossa convicção que, tendo a assistente optado pela apresentação de requerimento para intervenção hierárquica, como aconteceu, o seu direito de apresentar requerimento de abertura de instrução precludiu definitivamente.
7. Assim, in casu, o prazo de 20 dias aludido no artigo 278º, 1, CPP não pode ser adicionado ao prazo previsto para a intervenção hierárquica oficiosa, pois em caso algum era admissível o requerimento de abertura de instrução (contanto também que a arguida não o podia apresentar, por não haver acusação).
8. Logo, a douta decisão de reabertura do procedimento criminal resultante da intervenção hierárquica do Ministério Público, a fls. 200, deverá ser julgada inadmissível e ineficaz, por extemporânea.
9. No tocante à presente exceção, entendemos que a douta sentença violou ou interpretou incorretamente o artigo 278º, 1, CPP.
10. Consideramos que apenas as contribuições de Março e Abril de 2014, num total de € 8.498,78, acrescidos de juros, são realmente devidas à assistente, devendo julgar-se prescritas todas as demais.
11. Efetivamente, determina o artigo 187º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social – Lei 110/2009 que “A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respetivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.”
12. Ora, entendemos que a relação jurídica subjacente às contribuições à Segurança Social é uma relação creditória, o que, pelo menos no âmbito cível, impõe a aplicação deste regime especial prescricional, o qual atento o princípio da especialidade, adstrito às regras gerais de Direito, deve prevalecer sobre todos os restantes regimes legais.
13. Na realidade, o referido artigo 187º não pode ser letra morta, pelo que nos parece foi aqui erradamente aplicado e interpretado, o que, inclusive, entendemos é também violador os princípios do Estado Democrático e da Legalidade, inscritos nos artigos 2º e 3º, 2 e 3, da Constituição da República.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que lhe deve ser negado provimento.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer aderindo à resposta do Mº Pº na 1ª instância.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: transcrição
1. A arguida AA foi sócia e gerente da sociedade S... Unipessoal, Lda. desde a data da sua constituição, a 17/01/2007, até à data da sua extinção, em 16/12/2016.
2. A referida sociedade foi declarada insolvente, a 01/04/2016, no âmbito do processo nº 8350/15.5T8VNG, da 2ª secção da Instância Central de Comércio de Vila Nova de Gaia.
3. Assim, era a arguida quem dirigia os interesses da sociedade S... Unipessoal, Lda., representando-a e orientando os seus desígnios e em especial a sua situação económica, financeira e pagamentos de salários e descontos sobre os mesmos para a Segurança Social.
4. De facto, e nessa qualidade, a arguida estava obrigada a descontar, nas remunerações pagas aos trabalhadores da sociedade S... Unipessoal, Lda. as contribuições e quotizações respetivas e a descontar, no seu salário de gerente, a taxa contributiva devida, bem assim como a entregar nos serviços da Segurança Social, até ao dia 15 do mês seguinte àquela a que as contribuições respeitavam.
5. Todavia, no período de novembro e dezembro de 2012, fevereiro, abril, maio, junho e julho de 2013, setembro de 2013 a abril de 2014, a arguida, agindo no interesse e em representação da sociedade S... Unipessoal, Lda. preencheu e enviou, mensalmente, ao Instituto de Segurança Social, as folhas de remunerações pagas no mês anterior aos seus trabalhadores, bem como das remunerações pagas enquanto gerente
6. Sucede que os montantes retidos durante o referido período e que ascendem ao valor global de €22.334,51 (vinte e dois mil trezentos e trinta e quatro euros e cinquenta e um cêntimos), são pertença da Segurança Social – Estado Português, e deveriam ter sido entregues até ao dia 15 do mês seguinte a que respeitam, e não o foram.
7. De facto, não foram tais montantes entregues na Segurança Social no citado prazo, nem nos 90 dias seguintes, embora a arguida tivesse disponibilidade financeira para o fazer, nem até à presente data.
8. A arguida foi pessoalmente notificada a 28/02/2019 pela Segurança Social para proceder ao pagamento voluntário da quantia em dívida, no prazo de 30 dias, o que não fez, permanecendo tal quantia em dívida.
9. Pela forma descrita, a arguida, decidiu desviar da Segurança Social para outros fins por si escolhidos o montante total de 22.334,518€ (vinte e dois mil trezentos e trinta e quatro euros e cinquenta e um cêntimos), ao longo do lapso temporal acima resumido.
10. Até à presente data e sem qualquer causa justificativa, a arguida não regularizou a sua situação com a previdência e nada pagou à Segurança Social Portuguesa, recusando-se, assim, a satisfazer as suas obrigações contributivas em divida, encontrando-se a Segurança Social patrimonialmente lesada no valor total mínimo referido.
11. Agiu a arguida por si e na qualidade de legal representante da sociedade S... Unipessoal, Lda., atuando em nome e no interesse coletivo daquela e sob um quadro volitivo único e subsistente, que se propagou a cada uma das omissões prestativas.
12. Ao não entregar aqueles montantes à Segurança Social atuou a arguida deliberadamente, com intenção conseguida de fazer suas e de
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