Acórdão nº 590/21.4 BESNT-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-03-17

Ano2022
Número Acordão590/21.4 BESNT-S1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Município de Sintra, devidamente identificado nos autos, no âmbito do Processo de Contencioso Pré-contratual intentado pela R......, LDA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 24 de agosto de 2021, nos termos da qual foi indeferido o pedido de levantamento do efeito suspensivo do ato impugnado, i.e., da decisão de adjudicação da proposta à Contrainteressada C......, Lda. quanto ao Lote 1 compreendido no procedimento concursal com a referência interna CT 21/00149.
Concluiu-se no referido Recurso:
1ª –O Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento ao concluir pela não verificação de prejuízos para o interesse público que justificassem o levantamento do efeito suspensivo da decisão de adjudicação.
2ª –O Lote 1, no âmbito do qual a Contrainteressada prestaria serviços de segurança e vigilância, nos termos do contrato que lhe foi adjudicado, compreende, pelo menos, 133 instalações municipais –que ficarão, por conseguinte, sem qualquer segurança ou vigilância, em virtude do efeito suspensivo da presente ação.
3ª –Os prejuízos que daí poderão resultar, sendo notórios e resultando do senso comum, não têm de ser objeto de uma particular demonstração –até porque ainda não ocorreram, sendo essa parte da razão pela qual a presente discussão ainda é útil e porque não podem ser caracterizados como frequentes, em outras situações, visto que a garantia de colocação de segurança e vigilância nos edifícios municipais sempre foi assegurada pelo Município.
4.ª –O recorrente invocou no seu requerimento os danos concretos que fundamentam o preenchimento dos requisitos de levantamento do efeito suspensivo, os quais consistem no evidente e inevitável aumento de risco para os funcionários, utentes e bens que integram e estão afetos aos serviços públicos enunciando-se não, como parece entender o Tribunal a quo, futuras ocorrências que, por não se terem verificado e se pretenderem evitar, não são passíveis de ser invocadas e, muito menos, provadas.
5ª –O Município não integra, na sua estrutura, funcionários que possam assumir os serviços de segurança e vigilância em causa, atentas a quantidade de recursos necessária e as particulares competências associadas ao exercício da função –sendo essa a razão pela qual tem de recorrer a serviços externos, mediante o lançamento dos devidos procedimentos concursais.
6ª –As instalações municipais, atento o respetivo caráter público, apresentam uma especial vulnerabilidade, por força da maior probabilidade de serem alvo da frustração e animosidade de terceiros –não podendo os funcionários do Município ficar sujeitos, a título pessoal, a quaisquer atos que possam ser dirigidos ao Município.
7.ª –O Município, enquanto entidade empregadora, tem o dever de garantir a segurança dos seus funcionários, para efeito do que carece do recurso a serviços externos.
8ª –28 dos 133 edifícios que integram o Lote 1 são escolas –sendo a garantia de segurança das crianças que as frequentam uma necessidade imperiosa.
9ª –Outras das instalações são tribunais e centros de acolhimento, que, pelo especial clima de hostilidade a que estão sujeitos, não podem funcionar sem a devida garantia da segurança de funcionários, juízes e visitantes.
10ª –Outros dos edifícios são utilizados como centros de vacinação, cuja carência de segurança e vigilância permite o extravio de vacinas e a respetiva contaminação, em termos aptos a determinar as evidentes consequências nefastas, associadas aos danos sofridos por particulares e à afetação da confiança do público nas entidades responsáveis pelo acesso à vacina.
11ª –Outros dos edifícios são cemitérios, museus e bibliotecas –que estão sujeitos a roubos e, por essa razão, não podem funcionar sem seguranças e vigilantes.
12ª –As lojas do cidadão tornar-se-iam caóticas sem seguranças e vigilantes, em termos que impossibilitam ou dificultam seriamente a própria prestação do serviço.
13ª –Os prejuízos descritos são evidentemente superiores a quaisquer danos que a Autora pudesse sofrer com o levantamento do efeito suspensivo, uma vez que são todos eles de cariz financeiro e, por essa razão, seriam compensados nos mesmos termos, quer o efeito suspensivo fosse levantado, quer não fosse.
14ª –Pelo que, impõe-se o levantamento do efeito suspensivo, em virtude das graves consequências que advirão do funcionamento de 133 instalações municipais, muitas delas utilizadas para a prestação de serviços particularmente sensíveis, sem seguranças –ou, alternativamente, a insusceptibilidade de abertura dessas mesmas instalações e da prestação dos serviços em questão.
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, sendo revogada a sentença recorrida e deferido o pedido de levantamento do efeito suspensivo da decisão de adjudicação da proposta da Contrainteressada.”

A R......, LDA, veio a apresentar as suas Contra-alegações, nas quais concluiu:
“a) O Recorrente Município de Sintra interpôs recurso da douta sentença que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo do ato impugnado;
b) Entende a Recorrida que a sentença proferida pelo Tribunal a quo, que se reputa de exemplar, se encontra devidamente fundamentada de facto e de direito, não devendo ser passível de qualquer censura ou reparo;
c) Alega a Recorrente que a decisão a quo “teve por base um manifesto erro de julgamento quanto aos prejuízos que a suspensão da decisão de adjudicação determina para o interesse público, porquanto ignora flagrantemente, as consequências nefastas que a desproteção dos edifícios envolvidos poderá implicar”;
d). No entanto, e não sendo esta a sede própria para completar o requerimento inicial (reputado de genérico e conclusivo), ensaia uma tentativa de o fazer, alegação essa que ainda assim e a admitir-se a oportunidade da sua dedução nesta sede, no que não se concede, se encontra eivada dos mesmos vícios e generalidades, não servindo o propósito pretendido;
e) A menos que o Recorrente se demita da utilização dos mecanismos legais que tem à sua disposição para o efeito - designadamente o recurso ao ajuste direto ou mesmo o prolongamento dos contratos atualmente em vigor -, não resulta do exercício de um direito conferido por lei, qualquer desproteção dos edifícios envolvidos no presente procedimento;
f) A sentença aqui em crise segue de modo muito próximo o entendimento, maioritariamente sufragado a este respeito por este Venerando Tribunal em inúmeras decisões, que cita;
g) O que a Recorrente defende é a concreta neutralização do efeito suspensivo do recurso;
h) Situação que atenta ao tê-los da própria norma em causa;
i) Recorda-se que a consagração do efeito suspensivo automático no artigo 103º-A do CPTA, decorre da necessidade de transpor de forma efetiva para o ordenamento jurídico português a Diretiva 2007/66/CE, que veio alterar a Diretiva 89/665/CE, vulgarmente designada por Diretiva Recursos, concretamente do seu artigo 2.º, n.º 3, que determina “Caso seja interposto recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância, independente da entidade adjudicante, os Estados-Membros devem assegurar que a entidade adjudicante não possa celebrar o contrato antes de a instância de recurso ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso. A suspensão não pode cessar antes do termo do prazo suspensivo a que se referem o n.º 2 do artigo 2.º-A e os n.ºs 4 e 5 do artigo 2.º-D.”;
j) O fim do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do CPTA é o de «evitar a situação de facto consumado (resultante da “corrida ao contrato”)»4 e possibilitar a reconstituição natural da situação jurídico-procedimental existente antes de serem praticadas infrações ao direito da contratação pública;
k) É à luz deste enquadramento e tendo bem presente a excecionalidade do levantamento do efeito suspensivo e a imperatividade de assegurar a tutela primária do concorrente preterido e a correção atempada e eficaz da violação das regras de contratação pública, que deve ser apreciado o pedido de levantamento do efeito suspensivo, como aliás o fez de forma exemplar a sentença aqui em crise;
l) A Recorrente não logrou alegar e provar tais prejuízos ou danos em concreto, uma vez que do seu extenso requerimento e mesmo agora das alegações em que, de forma inadmissível, tenta corrigir a alegação inicial, resulta apenas a nota de uma hipotética perturbação à prossecução do interesse público, o que, por si só, não é bastante para assegurar o preenchimento do primeiro pressuposto de que o n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA faz depender o levantamento do efeito suspensivo automático da eficácia do ato de adjudicação;
m) Tal seria necessário, de acordo com a jurisprudência, para que o tribunal pudesse e avaliar nessa situação particular e concreta, a existência de um eventual prejuízo;
n) Mais se tornaria ainda necessário – no modesto entendimento da Recorrida – que demonstrasse a Recorrente não possuir outros mecanismos legais para obviar a uma situação pretendida pelo legislador comunitário e nacional, num processo que é necessariamente urgente e célere;
o) Ora, aceitando as afirmações genéricas, conclusivas e abstratas -, que a Recorrente muito pomposamente faz nas suas alegações como suficientes para o decretamento do levantamento do efeito suspensivo do ato de adjudicação, constituiria um atestado de óbito ao disposto no artº 103º A, do CPTA, e dos objetivos pretendidos com tal norma;
p) Em caso algum resulta provado e demonstrado que em resultado da suspensão do procedimento em causa se verifica a impossibilidade da prestação...

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