Acórdão nº 589/22.3T8VFR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 20-04-2023

Data de Julgamento20 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão589/22.3T8VFR-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 589/22.3T8VFR-A.P1 (apelação)
Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – J2

Relator: Filipe Caroço
Adjuntos: Desemb. Judite Pires
Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
A..., S.A., com o NIPC ... e com sede na Rua ... – Zona Industrial ..., apartado ...09 São João da Madeira, instaurou, no Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira, ação declarativa de condenação contra:
1. B..., com NIF DK ..., com sede em ... …, ... – ..., Dinamarca;
2. AA, casado, portador do NIF ... e residente na Rua ..., ..., ... ..., Santa Maria da Feira,
e
3. B... PORTUGAL, LDA., com NIF ... e sede na Rua ..., ... ... ..., alegando essencialmente que, tendo surgido desentendimentos graves entre os seus vários sócios e administradores, a primeira R., que já era então a sua única cliente, aproveitou a situação para, com a colaboração de um dos sócios da A., impor condições negociais abusivas, mesmo contra o que haviam contratado entre si, e para apresentar reclamações, com a ameaça de que deixaria de contratar com a demandante caso as suas exigências não fossem por ela satisfeitas.
A 1ª R. passou também a aliciar o 2º R., AA, trabalhador da A., com a categoria de modelador, para fazer cessar a sua relação laboral e passar a trabalhar para uma nova sociedade, a terceira R., que a 1ª R. então constituiria com intenção de passar a ocupar a posição que aquela tinha no mercado. Sabia bem a 1ª R. sociedade, e disso quis tomar vantagem, que o AA era um elemento chave na atividade da A. desde há muitos anos, com conhecimentos especiais, designadamente de todos os setores da empresa e com uma forte relação com a B... Dinamarca.
Ainda antes e se despedir da A., na execução do plano, o AA coadjuvou a 1ª R. no aliciamento de trabalhadores vitais daquela sociedade para se despedirem e passarem a trabalhar para a nova sociedade, o que logrou conseguir; trabalhadores que eram imprescindíveis à atividade da A. e necessários àquela nova empresa.
Por causa da ação dos três RR., o número trabalhadores da A. ficou significativamente reduzido, tal como o volume dos seus negócios, a sua faturação e os seus lucros, sofrendo, assim, um drástico impacto financeiro, fragilizando-a ao ponto de encetar um procedimento de despedimento coletivo, sem descurar que anteriormente tentou tudo, inclusive a adoção do mecanismo de layoff simplificado, no sentido de viabilizar a empresa, vendo-se irremediavelmente impedida de manter a sua atividade, sobretudo considerando que tudo isto coincidiu com o aliciamento de trabalhadores essenciais pelos 1ª e 2º RR. e com o início da Pandemia COVID-19, com as consequências de todos conhecidas.
Aliciaram os RR. os fornecedores e pessoas subcontratados pela A. para trabalhar com a 3ª R.
Considera a A. que aquelas ações configuram concorrência desleal e são geradoras e responsabilidade civil por atos ilícitos. Quanto ao 2º R., expendeu a A., especialmente, que violou os deveres a que se encontrava adstrito em duas vertentes: a primeira, enquanto ainda trabalhador da A.; a segunda, e numa fase posterior, aliado à R. sociedade, agindo em concorrência desleal, aproveitando-se do conhecimento que detinha na demandante. No primeiro momento, concorrência desleal levada a cabo como trabalhador da A., e, no segundo momento, também em concorrência desleal, mas aplicando-se-lhe o critério geral da concorrência desleal levada a cabo por terceiros.
Invoca a existência de um conjunto de danos materiais emergentes e lucros cessantes por si sofridos como resultado adequado das condutas dos RR. e ainda danos não patrimoniais, pelos quais considera serem aqueles também responsáveis solidários, em sede de responsabilidade extracontratual (art.ºs 483º e seg.s e 562º e seg.s do Código Civil), pedindo a sua condenação nos seguintes termos:
«Seja a presente julgada procedente, por provada e, em consequência, serem os réus condenados, solidariamente, a:
1- A indemnizarem a A., na quantia de 1.241.382,14€, a título de danos emergentes, atento aqui descrito nos artigos 150º a 157º;
2 – A indemnizarem a A. na quantia de 2.853.138,64€, a título de lucros cessantes, atento o aqui descrito nos artigos 150º a 157º;
3 – A indemnizarem a A., na quantia de 100.000,00€, a título de danos morais, atento o aqui descrito nos artigos 158º a 163º;
4 – A, assim, o verem julgar e em custas.»

Citados, os RR. contestaram a ação, a 1ª e a 3ª RR. por um lado, e o 2º R, autonomamente, por outro lado, sendo que este invocou a exceção da incompetência material do Juízo Cível onde a ação foi instaurada para conhecer e decidir a ação, defendendo que a competência deve ser atribuída aos Juízos do Trabalho, por a causa de pedir assentar, em primeira linha, no contrato de trabalho e, em segundo lugar, na violação dos deveres impostos pelo mesmo contrato de trabalho, e num suposto incumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações resultantes desse mesmo vínculo contratual. Passou depois a impugnar parcialmente os factos alegados na petição inicial e a alegar a sua própria versão material.
A A. exerceu o contraditório relativamente à matéria da exceção da incompetência em razão da matéria, pugnando pela sua improcedência.
Teve lugar a audiência prévia, na qual, além do mais, a Ex.ma Juiz julgou improcedente aquela exceção, declarando competente o Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira para decidir a ação.
Inconformado com esta decisão, dela apelou o 2º R., AA, tendo alegado com as seguintes CONCLUSÕES:
«A. Por despacho Saneador a “Meritíssima Juiz” a Quo que julgou improcedente a exceção da competência em razão da matéria com os seguintes fundamentos no que interessa:
“Se não há dúvida que a autora configura a causa de pedir da acção, em relação ao 2ª R. como uma típica acção estruturada decorrente da relação laboral que manteve com aquele, não menos certo é que, o pedido já não o é, conforme decorre das reflexões antecedentes.
Termos em que, pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, declaro este Tribunal Judicial (Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira) materialmente competente para decidir a presente causa em relação ao 2.º R., improcedendo a excepção de incompetência material invocada pelo 2º R.”
B. Com o devido respeito entendemos que o Tribunal a Quo entendeu erradamente, na medida que atendeu exclusivamente ao pedido formulado pelo Autor.
C. A competência do tribunal em razão da matéria afere-se, segundo o que defendemos, atendendo à disposição que o Autor apresenta na sua PI mormente na relação jurídica controvertida, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.
D. O Autor configura a relação com o aqui réu como sendo laboral (cf. os artigos 24.º, 34.º, 40.º, 46.º, 72.º, 73.º, 74.º, 77.º e 143.º da Douta PI).
E. Mais o autor entende que o aqui réu violou o artigo 126.º e 128.º do Código de Trabalho.
F. Ou seja, muito embora o autor configure a fonte da responsabilidade civil como sendo extracontratual relativamente aos demais réus.
G. Relativamente ao aqui réu o Autor configurou a fonte da responsabilidade civil como sendo contratual.
H. O que de alguma forma é, como todo o respeito, incongruente.
I. Pelo que ao se aceitar que o presente Tribunal é materialmente competente temos sérias dúvidas que poderá o presente tribunal condenar os demais réus na responsabilidade extracontratual e o aqui réu na responsabilidade contratual!
J. Ou, como poderá o Autor prevalecer, numa ótica de responsabilidade
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