Acórdão nº 588/21.2T8VCT-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão588/21.2T8VCT-E.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
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1. RELATÓRIO
1.1. Da Decisão Impugnada

Por apenso em processo de insolvência, no qual, por sentença de 25/03/2021, se declarou insolvente AA, o Autor BB intentou contra a Ré MASSA INSOLVENTE, contra o Réu INSOLVENTE, e contra os Réus TODOS OS CREDORES DA MASSA INSOLVENTE, ao abrigo do preceituado no art. 146º, n.º 2 do CIRE, acção para verificação ulterior de créditos, pedindo que seja «julgada totalmente procedente, por provada, a presente acção e se condene o Réu a pagar ao Autor a quantia de 59.250,00€, sendo: - 45.000,00 € a título de capital; - 6.750,00 € de juros vencidos; - 5.000,00 €, a título de cláusula penal e - 2.500,00 € a título de honorários com advogado e despesas judiciais. Mais se condene o Réu no pagamento da quantia de 1.000,00 € por cada mês de atraso no pagamento do seu débito, até efectivo e integral pagamento».
Fundamentou a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «no decorrer dos anos de 2005 a 2009, o Autor fez vários empréstimos, em dinheiro, ao Insolvente, que passou a incumprir com os compromissos que assumira com o Autor; tal como lhe foi exigido pelo Autor, em 05.11.2009, o Insolvente, através da declaração de dívida, por si subscrita, confessou-se devedor ao Autor da quantia de € 45.000,00, entregando, ainda, a este, o cheque nº...02, emitido com a mesma data, no valor de € 45.000,00, mais tendo declarado que o montante em dívida seria liquidado no prazo de 10 anos, sendo devidos juros à taxa de 5% ao ano e assumido que, caso não liquidasse o montante em dívida naquele prazo, se obrigava a liquidar a quantia de € 1.000,00, por cada mês de atraso, bem como todas as despesas com advogado e tribunal; na data do vencimento do empréstimo, 08.11.2019, o Insolvente não restituiu a quantia mutuada, nem liquidou os juros vencidos em 2017, 2018 e 2019, tudo no valor de € 51.750,00; em 06.03.2020, o Autor instaurou a acção declarativa nº857/20...., na qual peticionou a condenação do insolvente no pagamento da quantia global de a quantia de € 59.250,00; o Réu não apresentou contestação, tendo sido proferida sentença, em 29.09.2020, entretanto transitada em julgado, a qual o condenou em conformidade com o peticionado».
O Credor CC contestou, pugnando que «a) as excepções peremptórias da caducidade do direito de acção, da preclusão do direito e do caso julgado e da autoridade e força do caso julgado sejam julgadas provadas e procedente, com as legais consequências, absolvendo-se os Réus dos pedidos formulados pelo Autor; caso assim se não entenda: b) a acção seja julgada não provada e improcedente, com as legais consequências, nomeadamente deve decidir-se pelo não reconhecimento do crédito peticionado pelo Autor; c) deve, ainda, o Autor ser condenado por litigância de má-fé em multa e em indemnização a favor do contestante CC em montante a liquidar oportunamente nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 543º do CPC».
Fundamentou a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «invocação da caducidade do direito de acção, a preclusão do direito, do caso julgado e da autoridade e força do caso julgado, porque a questão do suposto crédito já foi invocada, discutida, apreciada e decidida no apenso de Reclamação de Créditos, com decisão já transitada em julgado relativamente ao crédito de que o BB se arrogava e arroga titular, não lhe tendo sido reconhecido qualquer crédito; e a sentença da acção nº857/20.... foi proferida com base em factos e documentos falsos e por não corresponder à verdade, constituindo processo simulado entre as partes que dele se serviram para praticar um acto simulado e para conseguir um fim proibido por lei».
A Massa Insolvente, o Insolvente e os restantes Credores da Massa Insolvente não contestaram.
Foi proferido despacho saneador, no qual, para além do mais, foram julgadas improcedentes a excepção peremptória de caso julgado e/ou autoridade e força do caso julgado e a excepção preclusão do direito de acção/caducidade deduzidas pelo Credor CC, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte decisório:
“Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção totalmente improcedente termos em que decide absolver os réus do respectivo pedido.
Ademais, julga-se improcedente o incidente de litigância de má fé deduzido pelo Réu contra o Autor”.
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1.2. Do Recurso do Autor
Inconformado com a referida decisão, o Autor interpôs recurso de apelação, pedindo que «o presente recurso seja julgado procedente e ser a sentença revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente por provada, sem prejuízo da apreciação das demais questões suscitadas no presente recurso», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:
“A. TENDO EM CONTA QUE, o Recorrente juntou aos autos: Doc. ... – Uma declaração de dívida, que só por si comprova a existência do crédito, titulando o contrato de mútuo. Doc. ... – Um cheque, identificado na referida Declaração da Dívida, como garantia do contrato de mútuo. Doc. ... - Cópia de sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito dos autos de ação com processo comum, que com o nº 13/20...., correram termos pelo Juízo Local Cível do Tribunal Judicial ..., na qual o Insolvente foi condenado a pagar ao ora Recorrente, o valor reclamado por este na presente acção. TENDO EM CONTA QUE: A FACTUALIDADE ALEGADA PELO RÉU/RECORRIDO, DE QUE TAL ACÇÃO N.º 13/20.... EM ACTO SIMULADO DAS PARTES, para conseguir um fim proibido por lei, com o intuito de verem “reconhecido judicialmente” crédito fictício sobre o então Réu e ora Insolvente, com vista a provocarem o rateio no produto da venda dos bens deste, prejudicando e impedindo o credor CC de receber a totalidade ou grande parte do crédito de que é titular sobre o Insolvente, causando-lhe prejuízo, FOI DADA POR NÃO PROVADA. TENDO EM CONTA QUE: A própria Sentença Recorrida refere: “Acresce, no que respeita à factualidade tida como não provada relacionada com a simulação (e mesmo com a litigância de má-fé) alegada pelo réu contestante, que a conclusão quanto à mesma assim resulta pela insuficiência de prova quanto à respectiva realidade.” CONCLUI-SE QUE: “A prova documental trazida aos autos pelo Autor, cujo valor ou força probatória o ora Recorrido não logrou infirmar/fazer cessar, é, por si só, bastante para se provar o contrato de mútuo. Ocorre caso julgado.
B. TENDO EM CONTA, O depoimento produzido pelo Réu Insolvente, que acima se transcreve fls. 10 a 12, IMPÕE SE CONCLUA QUE: 1. - O depoimento prestado pelo Réu Insolvente, foi requerido pelo Réu, ora Recorrido. 2. - Tal depoimento de parte, previsto no artº 452º CPC, tem a sua irretratibilidade prevista no artº 465º do mesmo diploma lega. 3. - Do depoimento de parte, consagrado em tal dispositivo legal, e acima transcrito, resultam factos, absolutamente indesmentíveis e que jamais podem ser retirados dos autos, a saber:
- O Réu Insolvente confessa - confissão irretratável - o crédito reclamado pelo Autor, confissão que é expressa, com força probatória plena contra o confitente - art. 358.º, n.º 1 do CC -, que ultrapassa a livre apreciação do Tribunal – dito artº 358º, nº 4 -,
C. A Sentença Recorrida ignorou a força probatória plena de tal confissão, violando o disposto nos artºs 358º e 674º do Cód. Proc. Civil, violação que expressamente se invoca, sendo certo que invocada tal violação pode a mesma suscitar a intervenção das instâncias superiores, por força do disposto no art. 674º, nº 3 do CPC.
D. SOBRE A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, quando refere:- “Efectivamente, pese embora Autor e Insolvente procurem confirmar os factos alegados pelo primeiro com vista a fundamentar o respectivo pedido, o certo é que, desde logo, contradizem-se quanto ao período em que os supostos empréstimos terão ocorrido, o primeiro a afirmar que teria feito entregas ao longo de um a dois anos e o segundo a referir-se a um período de cerca de cinco anos; por outro lado, nenhum foi capaz de, sustentadamente, explicar em que circunstâncias e que montantes eram emprestados de cada vez, nem como chegaram ao montante que entretanto foi firmado no cheque id. nos autos, ou ao montante de juros entretanto calculado, não nos podendo in casu bastar com uma simples “confissão” por banda do réu insolvente.”, TENDO EM CONTA, Os depoimentos prestados pelo Autor/Recorrente, em sede de depoimento de parte, a requerimento do ora Recorrido, transcrito a fls. 12 a 15, comparado com o depoimento de parte prestado pelo Réu Insolvente - fls. 13 a 15 -, IMPORTA CONCLUIR QUE: 1. - O Autor não confessa que não tem sobre o Insolvente o crédito por ele reclamado, que era o que o Recorrido pretendia provar, mas não fez. 2. - As partes, Autor e Insolvente NÃO SE CONTRADIZEM, Já que: a)- O Réu Insolvente refere 4 anos mais ou menos, entre 2005 e 2009, altura em que entregou ao Autor a declaração da dívida e o cheque, da quantia global mutuada de € 45.000,00. b)- O Autor nunca afirmou o número de anos em concreto, dizendo que emprestou várias vezes, e fazendo apelo ao tempo já passado desde 2005/2009, para poder dar certezas, justificando a dificuldade, ao dizer:“ [00:09:09] T.: sr. Dr., emprestei em parcelas de 10 mil… sei que eram… uma vez emprestei-lhe 10 mil, outras vezes 5 mil. A primeira vez acho que foi 7.500. Mas não posso dizer mais. Quer dizer, não me recordo mais, … já foi há tantos anos, sr. Dr !... 3. - Mesmo que entre os depoimentos de ambas as partes houvesse uma diferença de 2 anos, sobre os momentos em que ocorreram os vários mútuos, não é verdadeiro fundamento/motivação aquilo que a sentença recorrida refere para dar por não provada a existência do mútuo em causa. 4. - No ano de 2022, não é exigível ao Autor, pessoa com mais de 80 anos de idade,...

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