Acórdão nº 588/21.2T8VCT-G.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22-09-2022

Data de Julgamento22 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão588/21.2T8VCT-G.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO [1]

Por apenso ao processo em que, por sentença de 25-03-2021, foi declarado insolvente o devedor J. D. e já depois da fase de reclamação de créditos, veio sua esposa L. C., abrigando-se no regime do art.º 146º, do CIRE, propor em 24-09-2021, a presente acção contra a respectiva Massa, o próprio Insolvente e seus Credores.

Formulou o pedido de que seja “reconhecido o reclamado crédito de que a Autora é titular sobre o Insolvente, no montante de €85.000,00.”

Alegou, para tanto, resumindo os termos da sua petição, que se encontra casada, desde 24-06-1989, no regime de comunhão de adquiridos, com o Insolvente. Porém, já antes viviam juntos, em economia comum.
Em escritura de partilha de 14-01-1986 subsequente ao óbito do pai, fora adjudicado àquele seu futuro marido, então ainda solteiro, um prédio rústico (inscrito como “terreno de monte” sob o artigo … da Matriz e descrito na CRP de … sob o número ..).
À data do casamento, o Insolvente já tinha feito no dito imóvel “as fundações e o esqueleto do que viria a ser, mais tarde a casa de habitação do casal” e que originaria a alteração para prédio urbano com a inscrição matricial nº … (itens 4 e 5).
Após o casamento, a autora e marido “pagaram, com dinheiros do casal, todo o resto da construção da sua casa de habitação, mão-de-obra, materiais e seu transporte” (item 7), “Com obras de construção de uma cozinha, 3 quartos de dormir, 2 casas de banho, sala comum, a qual, apenas no final do ano de 1992, ficou com condições mínimas de habitabilidade” (item 8), isto no 1º andar, enquanto que no rés-do-chão amplo continuou um estabelecimento de café, montado por ambos ainda em solteiros, explorado pela autora até ser encerrado em 2006/2007.
Nesta altura, o casal procedeu “a mais obras de construção civil, pagando mão-de-obra, materiais e seu transporte” (item 14), “Melhorando todo o 1º andar, com substituição total de caixilharias, em todas as portas e janelas, estores, chãos de todas as divisões, pintura total, todo o 1º andar, onde viviam com sua única filha, adequando-o aos seus gostos e necessidades e conferindo-lhe uma dose de conforto que não existia anteriormente” (item 15) “E criando uma outra habitação no rés-do-chão, com pavimento totalmente novo, cozinha, sala comum, uma casa de banho e 2 quartos de dormir” (item 16), “Cujos custos foram pagos pela ora Autora e pelo ora Réu Insolvente, com dinheiros comuns do casal” (item 17).
Tais obras constituíram benfeitorias úteis e aumentaram o valor do imóvel.
As “fundações” e o “esqueleto” do prédio, à data do casamento, tinham o valor de 10% do “imóvel novo” (o resultante das “obras e benfeitorias”) (item 19). O seu “valor patrimonial” actual é de 42.860,00€. O valor de mercado é de 160.000,00€. Subtraindo-lhe os aludidos 10%, obtém-se o “valor global das benfeitorias” – 145.000,00€. A autora tem direito a metade delas 72.500,00€.
Entretanto, em partilha, celebrada por escritura de 26-11-2002, por óbito da mãe do Insolvente, foram adjudicados a este (que assim os registou a seu favor na Conservatória) seis prédios rústicos, cujo valor global ultrapassava o seu quinhão. Por isto, teve de repor 1.309,65€ de tornas, as quais “foram pagas pelo casal aos demais herdeiros, com dinheiros comuns do casal” (item 21).
Tais prédios têm um valor de mercado actual de 25.000,00€, pelo que “sendo a Autora dona de metade desse valor, o valor do seu direito ou crédito é de 12.500,00€” (item 48).
Todos os referidos imóveis foram apreendidos para a Massa.
Desde que ambos “construíram praticamente toda a casa de morada” e desde que “adquiriram” os prédios rústicos partilhados, “todos” eles “estão no domínio e posse da Autora e do Réu Insolvente”, sobre todos tendo a autora exercido, nos termos, pelo tempo e com as características que alegou, “actos de posse” (itens 27 a 31), pelo que é ela “titular de um direito de propriedade” sobre os prédios rústicos e de um “crédito relativo a benfeitorias” pelas melhorias que “com dinheiro seu” introduziu no urbano (itens 35, 36 e 38), crédito este que pretende seja verificado e reconhecido.
A apreensão ofende a posse e propriedade da Autora sobre tais bens (item 36) ou, “caso assim se não entenda” ofende o direito a benfeitorias que “o casal, em comum, realizou/integrou nos imóveis” (item 36), sendo o valor das obras respectivas um bem comum (itens 37 e 38) e metade um crédito da Autora.
No total, o seu crédito (“privilegiado”) ascende a 85.000,00€ (72.500,00€ + 12.500,00€) e resulta, enfim, “do direito que as benfeitorias por ela levadas a cabo no dito prédio urbano lhe conferem ao reconhecimento de um crédito sobre o Insolvente, assim como a sua participação/contribuição para a aquisição dos identificados imóveis, e das despesas com a manutenção dos mesmos” (itens 51 e 52).

Juntou documentos.

Citados os réus, apenas o Credor J. B. deduziu oposição.

Nela, impugnou os factos articulados, designadamente alegando que o prédio urbano foi totalmente edificado e concluído pelo Insolvente ainda em solteiro (1985 e 1986), por isso lhe tendo sido adjudicado na partilha por óbito do pai o primitivo rústico; que nem a Autora nem o Casal pagaram o que quer que fosse, tanto mais que ela tinha apenas 18 anos quando casaram.
Aliás, as alegadas benfeitorias não poderiam ser calculadas como fez a Autora.
De resto, quanto aos prédios rústicos herdados pelo Insolvente por óbito de sua mãe, não pode a Autora sua esposa invocar a aquisição do direito de propriedade sobre eles por usucapião, uma vez que a posse que a mesma exerce sobre eles advém do facto de estar casada com o legítimo proprietário dos imóveis, sendo que, face ao regime de bens do (comunhão de adquiridos), ele não é adquirente nem pode invocar a contitularidade por usucapião, o que violaria o princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento.

Juntou documentos.

Invocando-se a simplicidade dos autos, foi proferido saneador tabelar e designada audiência final, que se realizou nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas.

Por fim, em 15-04-2022, foi proferida a Sentença, que culminou na decisão de julgar totalmente improcedente a acção e de absolver os réus do pedido.

Inconformada, a autora, além de invocar que aquela é nula, apelou a que esta Relação a revogue e julgue procedente a acção, tendo concluído as suas alegações recursivas do seguinte modo:

“A.
- O pedido formulado pela Autora/Recorrente encontra fundamento legal nos artºs 566º, 1251º e 1273º do Cód. Civil e artº 47º do CIRE, acolhidos em abundante doutrina e jurisprudência.
- Tal pedido, à excepção do ora Recorrido, não foi contestado pelos demais credores, sendo confessado pelo Insolvente.
B.
Com a sua Petição Inicial, a Autora/Recorrente juntou aos autos:
a)- Escritura de partilhas – Doc. 1 - , donde consta que, no dia 14 de Janeiro de 1986, o Insolvente adquiriu por adjudicação o prédio rústico, denominado “Monte de Baixo”, artº ... rústico.
b)- O documento nº 3, donde resulta que, neste prédio rústico, que era um Monte, veio a ser edificado, com trabalho da Autora e do Insolvente e com dinheiros comuns do casal, aquilo que viria a ser, anos depois, o prédio urbano a que foi atribuído, no ano de 1991, o actual artº 2024 urbano.

DAQUI SE CONCLUI QUE:
1.
- Tais documentos, assim como o seu teor, encontram-se comprovados nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora, todas residentes na freguesia onde se localiza a casa de habitação, assim como o terreno rústico onde a mesma foi construída.
2.
- Nenhum outro meio de prova põe em causa o valor probatório de tais documentos.
3.
- Tais documentos e o seu teor não foram impugnados pelo Réu/Recorrido.
C.
A AUTORA JUNTOU COM A SUA PETIÇÃO INICIAL o documento nº 4.
Do mesmo resulta que:
1.
- O imóvel foi concluído no ano de 1991, ano em que, nos termos legais, foi inscrito na respectiva matriz.
2.
- No ano de 1991, já a Autora/Recorrente estava casada há, pelo menos 2 anos.
RESULTA DOS DEPOIMENTOS - que a seguir se transcreve de fls. 17 a 36 - DAS TESTEMUNHAS, QUE:
3.
- No ano de 1991, já a Autora vivia, em economia comum, com o Insolvente há, pelo menos, 3 anos, conforme resulta do depoimento de todas as testemunhas, designadamente do Pároco da Freguesia.
Dos autos resulta ainda que:
4.
- Nenhuma prova existe nos autos que possa pôr em causa que o ano da conclusão não foi o ano da inscrição.
5.
- nenhum outro meio de prova pôs em causa a sua força probatória.
6.
- Nem tal documento, nem o seu teor foram impugnados pelo Recorrido.
POR CONSEGUINTE,
Impõe concluir-se que tal documento produziu prova plena dos factos para que foi indicado.
D.
Nada referindo os documentos juntos pelo Réu/Recorrido, acima referidos - páginas 16 e 17 -sobre a data do início e do termo das obras, de modo algum se podia dar por provada – COMO NÃO FOI - a matéria alegada na sua Contestação, mormente de que: - “Tal construção iniciou-se em 1985 e concluiu-se em 1986, composto de rés-do-chão e 1º andar.” - artº 4 da Contestação.
Não podia a fundamentação/motivação dizer, ainda por cima, SEM QUALQUER apreciação/exame crítico:
- “O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada, no teor conjugado da prova documental junta aos autos e das declarações prestadas pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência final.”
“Em suma, dir-se-á que, da prova produzida, não resulta que a Autora tenha logrado provar, como lhe incumbia, os factos que sustentam o respectivo reconhecimento do crédito cuja verificação ora pretende, designadamente atendendo quer ao teor da documentação junta, impugnada pelo Réu contestante, quer das declarações prestadas pelas testemunhas inquiridas.”
E.
1.
- Como decorre da transcrição acima, todas as testemunhas acima identificadas – com particular destaque...

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