Acórdão nº 588/20.0PBBRG.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 04-05-2022

Data de Julgamento04 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão588/20.0PBBRG.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I- Relatório
Inconformada com a decisão proferida pelo Juízo Local Criminal de Oeiras – Juiz 3 – do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste que absolveu o arguido RFDA_____ da prática de um crime de violência doméstica, apresenta-se a recorrer a assistente P _______, com os sinais nos autos, para este Tribunal da Relação formulando, após motivações, as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida padece de vício grosseiro de erro notório na apreciação da prova, devendo ser revogada e substituída por outra que considere provados os factos da acusação com as alterações não substanciais introduzidas na audiência de julgamento de 24/11/2021 (cf. acta de fls…), com as alterações requeridas quando à matéria de facto provados dos pontos A e E da sentença.
2. Mostra-se a sentença recorrida parcial, tendenciosa, discricionária e formula juízos de valor sobre a recorrente que, para além de não se descortinarem da prova produzida, são ofensivos da sua honra e consideração.
3. De forma arbitrária, imponderada e hostil, agiu o tribunal a quo como se a arguida fosse assistente, fazendo sobre esta juízos de valor e condenações morais infundadas, por forma a humilhá-la, com a intenção de premiar o arguido com a absolvição, desculpando e despenalizando, sem qualquer fundamento, os comportamentos e verbalizações ilícitas que este dirigiu àquela.
4. Andou muito mal o tribunal a quo ao dar na sentença recorrida como não provados os factos 1 a 11.
5. Entendeu o tribunal a quo, a nosso ver erradamente, valorar a versão do arguido, que não está sequer obrigado a falar com verdade, porque “Negou genericamente a autoria dos factos ilícitos típicos de que é acusado” em detrimento do depoimento da assistente, sem sequer referir o motivo pelo qual não considerou o depoimento desta, bem como não considerou a demais prova testemunhal ajuramentada e documental produzida que contraria directamente a tese do arguido.
6. Ao invés de atender à prova produzida, decidiu o tribunal a quo, sem qualquer explicação lógica e racional, const RFDA_____ r juízos de valor sobre a assistente no seguimento dos delírios e acusações feitas pelo arguido.
7. O ponto A dos factos provados deve ser alterado de acordo com o que resultou da prova produzida (cf. depoimento da assistente P______ – gravação áudio concretamente nos minutos 00:00:37 a 00:01:05 e transcrição supra pág. 3 das motivações, e da testemunha AF______ - gravação áudio concretamente nos minutos 00:00:36 a 00:01:01 e transcrição supra págs. 3 e 4 das motivações).
8. O período de tempo durante o qual durou a relação amorosa entre assistente e arguido também se extrai do relatório do exame médico-legal (perícia – clínica forense) feito ao arguido e por este junto aos autos com a contestação, atendendo-se à citação do próprio (cf. pág. 6 última frase … “Vivemos juntos 15 anos (…)” (sic) a até às declarações deste em julgamento (cf. depoimento do Arguido – gravação áudio concretamente nos minutos 00:04:40 a 00:04:55).
9. Assim deve este ponto A) dos factos provados passar a ter a seguinte redacção: O arguido e P _______ mantiveram uma relação amorosa durante cerca de 15 anos, desde finais de 2004, com coabitação a partir de meados de 2006, até Julho de 2019, porquanto foi o que resultou da prova produzida.
10. Também o ponto E dos factos provados deve ser alterado (apesar da alteração se tratar apenas de uma questão de rigor, sem qualquer relevância para a decisão da causa) em consonância com prova carreada aos autos, tendo apenas resultado unicamente como provado que em Julho de 2019, o arguido e P_______ separaram-se, tendo o arguido abandonado a residência do casal.
11. Ora, se o tribunal ficou com dúvidas, como refere na sua motivação, sobre quem teria decidido terminar a união de facto em Julho de 2019, se unilateralmente o arguido ou por acordo entre o arguido e a assistente, jamais deveria ter feito um juízo de valor, sem qualquer suporte probatório e até porque refere que este facto “em si que é irrelevante, por não ser ilícito típico”.
12. De qualquer forma, entendemos que as dúvidas do tribunal se dissipariam caso o mesmo atentasse devidamente ao relatório do exame médico-legal (perícia – clínica forense) feito ao arguido e por este junto aos autos com a contestação, na parte em que o mesmo refere “nós separámo-nos e eu saí de casa …” (sic) - cf. 1º. Parágrafo, pág. 7 do relatório pericial, bem como ao depoimento da assistente P______ (cf. gravação áudio concretamente nos minutos 00:04:27 a 00:04:47 e transcrição supra pág. 5 das motivações), já que não atribui o tribunal qualquer descrédito ao depoimento da assistente, sendo escusado o recurso à experiência comum.
13. Por outro lado, também andou muito mal o tribunal a quo, ao dar como não provados os factos constantes dos pontos 1 a 8 e, consequentemente 9 a 11 da sentença, desvalorizando sem qualquer justificação a prova produzida, nomeadamente os depoimentos das testemunhas de acusação e a demais prova documental (relatório pericial psicológico - médico legal feito ao arguido e relatório social junto aos autos a fls. … para a determinação da sanção).
14. O tribunal a quo, apreciou erradamente a prova produzida ao dar como não provados os factos 1 a 11 da sentença recorrida, sendo que se impunha que os mesmos fossem dados como provados.
15. Relativamente ao ponto 1 dos factos não provados – só não resultou provado que o arguido começou a manifestar ciúmes excessivos de P_______, sendo que este facto deveria ter resultado de lapso do M.P. quando deduziu acusação, já que a assistente nunca referiu tal comportamento (cf. participação e aditamentos de fls. …).
16. Resultou provado que o arguido, após o nascimento do filho de ambos, passou a controlar a vida da recorrente, impedindo-a também de contactar a sua família, justificou a sua posição com recurso a juízos de valor que não resultaram da prova obtida.
17. Aliás, o próprio tribunal na motivação que faz acerca deste facto, enumerou episódios em que o arguido tentou impedir o contacto da recorrente e do filho, com a família materna: uma no Natal de 2018, que acabou por atrasar, mas não impedir o contacto, e outra no primeiro aniversário do menor ocorrido num espaço arranjado para o efeito, mesmo sabendo que os avós e tios do menor tinham percorrido 400 Km para o aniversário da criança.
18. O facto do arguido ter negado estas situações não serve para afastar os depoimentos contrários, prestados de forma espontânea e sincera pela assistente e pela testemunha AF______ e muito menos podia o tribunal ter entendido estes comportamentos do arguido como naturais e/ou comuns, mostrando-se solidário com o mesmo através das expressões “não é irrazoável” esse comportamento e/ou “não era o arguido obrigado a conviver com…” a família materna do filho.
19. Sabia perfeitamente o arguido que estas imposições e proibições abalavam psicologicamente a assistente, deixando-a fragilizada, o que claramente diminuía a sua capacidade de acção, bem como a sua honra e consideração, sendo precisamente esta a intenção concretizada do arguido ( cf. depoimento da assistente P______ – gravação áudio concretamente nos minutos 00:04:47 a 00:05:38, 00:06:18 a 00:07:15, 00:12:19, 00:17:11 e transcrição supra págs. 7 e 8 das motivações, e da testemunha AF______ - gravação áudio concretamente nos minutos 00:01:37 a 00:02:35, 00:03:36 a 0004:49, 00:05:20 a 00:06:25, 00:06:27 a 00:07:27 e transcrição supra págs. 8 a 10 das motivações).
20. Assim, tem de ser dado como provado que após o nascimento do filho menor, em 2018, o arguido passou a controlar o dia-a-dia de P_______, condicionando a sua vida social e profissional e não permitindo que a mesma contactasse com a família.
21. Também resultou provado (e não, não provado!) que o arguido regressou a casa em Janeiro de 2020, dizendo a P_______ que tinha direito de permanecer no local (cf. depoimento da assistente P______ – gravação áudio concretamente nos minutos 00:02:55 a 00:04:27 e transcrição supra pág. 11 das motivações, e da testemunha AF______ - gravação áudio concretamente nos minutos 00:07:27 a 00:08:32 e transcrição supra págs. 11 e
12 das motivações).
22. Impõe-se, como tal, dar como provado que o arguido regressou a casa em Janeiro de 2020, dizendo a P_______ que tinha direito de permanecer no local.
23. Igualmente os factos 4 a 8 da sentença deveriam ser dados como provados, atenta a prova testemunhal, documental e até mesmo pericial produzida, não podendo ter qualquer acolhimento a motivação constante da sentença recorrida para dar os mesmos como não provados.
24. Foi o arguido quem, logo após a declaração do Estado de Emergência, no início de Abril de 2020, decidiu unilateralmente impor à assistente horários de permanência e
circulação nas divisões da habitação, ditando de forma autoritária a P_______ que não circulasse e/ou permanecesse, diariamente, na cozinha das 12:00 horas às 14:15 horas e na sala a partir das 21:30 horas.
25. Declarou o arguido, que passou a tomar Valdispert para se conseguir manter calmo e que aqueles horários foram criados para garantir a sua sanidade mental e privacidade, que funcionavam muito bem (para ele obviamente!!), só havendo explosões da sua parte, que não conseguiu concretizar, quando os mesmos não eram cumpridos pela assistente.
26. Questionado directamente sobre estas explosões referiu o arguido, obviamente que de forma hostil e irónica, que as mesmas eram direccionadas para os tachos e panelas e não para a assistente, como se tal versão pudesse ter alguma credibilidade ou apoio na experiência comum (cf. depoimento do Arguido – gravação áudio concretamente nos minutos 00:21:26 a 00:23:46, 00:40:33 a 00:41:45 e transcrição supra págs. 13 a 15 das motivações).
27. O depoimento directo da assistente e
...

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