Acórdão nº 58796/22.5YIPRT.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 30-05-2023

Data de Julgamento30 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão58796/22.5YIPRT.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

A... Limited”, com os sinais dos autos,

intentou procedimento de injunção, junto do Balcão Nacional de Injunções, que, por via de oposição, foi depois transmutado em ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra

AA e BB, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação dos RR., por referência a contrato de mútuo, celebrado em 26/05/2011, no pagamento à A. da quantia de € 5.791,70, sendo € 4.549,35 a título de capital, € 1.089,35 de juros de mora e € 153,00 de taxa de justiça paga.

Para tanto, alegou assim:

“QUESTÃO PRÉVIA - DA CESSÃO DE CRÉDITOS

1. Em virtude do contrato de cessão de créditos, celebrado a 28 de junho de 2016, o BANCO SANTANDER TOTTA, S. A. cedeu à B... LIMITED um conjunto de créditos (…) vencidos do qual era titular e entre os quais constam os créditos detidos sobre os ora Requeridos.

2. Tal cessão foi notificada aos Requeridos.

3. A referida cessão incluiu a transmissão à Requerente, relativamente a este crédito, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a ele inerentes, nos termos do disposto no artigo 582.º do Código Civil, tendo esta o direito de receber, exigir e recuperar quaisquer montantes, principais ou acessórios, bem como o direito de exercer todos os poderes do cedente em relação aos créditos objeto de cessão, na qualidade de atual titular do crédito ora em causa.

DO VALOR DA DÍVIDA

4. No âmbito da sua atividade bancária, foi celebrado entre o Banco Santander Totta, S. A. e os ora Requeridos o contrato de empréstimo com o nº ...96.

5. Contudo, os ora Requeridos deixaram de cumprir com o pagamento das prestações do empréstimo a que estavam obrigados, em virtude do aludido contrato, apesar das interpelações do Banco cedente e da aqui Requerente, ficando, na data da cessão de créditos, em dívida o valor de € 4.549,35 (quatro mil, quinhentos e quarenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos).

6. A este valor acrescem:

- juros de mora, calculados à taxa legal de 4% no valor de € 1089,35 (mil e oitenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos) desde a data da cessão, a 28 de Junho de 2016, até à entrada do presente requerimento;

- taxa de justiça paga quanto ao presente requerimento de injunção;

- juros de mora que se vençam desde a data do requerimento de injunção até integral e efetivo pagamento.”.

Na oposição à injunção, os RR., concluindo pela sua total absolvição, alegaram, no essencial, que:

- a data do incumprimento definitivo ocorreu em 2013, e não em junho de 2016 (como a A. quer fazer parecer), pelo que, tendo decorrido, pelo menos, nove anos desde o incumprimento, «o presente procedimento encontra-se prescrito» (prescrição de cinco anos do art.º 310.º do CCiv.), termos em que procede a exceção perentória da prescrição;

- no seu requerimento de injunção, a A./Requerente não alegou ter acionado o disposto no art.º 781.º do CCiv., faltando a necessária interpelação dos Requeridos para vencimento imediato de toda a dívida, o que obsta à conclusão de que a Requerente é titular do crédito resultante do incumprimento do contrato;

- em 15/06/2020, o Requerido foi declarado insolvente, com citação dos respetivos credores para reclamarem créditos, razão pela qual, visto o disposto no art.º 90.º do CIRE, se a dívida em causa for exigível judicialmente, a mesma já deveria ter sido reclamada no âmbito do processo de insolvência.

Considerando que o crédito invocado no requerimento de injunção não resulta de qualquer relação obrigacional estabelecida entre a A. e os RR., mas de uma alegada cessão de créditos à A. pelo “Banco Santander Totta, S. A.”, por contrato de cessão de créditos de 23/06/2016, que este detinha sobre os RR., o Tribunal de 1.ª instância entendeu poder estar-se perante a utilização indevida de um meio processual, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, consubstanciando exceção dilatória inominada do conhecimento oficioso, pelo que determinou a notificação das partes para se pronunciarem (no âmbito do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do NCPCiv.).

Os RR. pronunciaram-se no sentido da verificação da referida exceção dilatória, com as legais consequências.

A A., por seu lado, veio pronunciar-se em sentido contrário, invocando que no processo está apenas em causa o incumprimento de uma obrigação pecuniária por parte dos RR., ou seja, o incumprimento do contrato de empréstimo celebrado entre os RR. e o dito banco, tendo o contrato de cessão de créditos apenas sido mencionado para justificar a legitimidade da A. para cobrança da dívida, esta oriunda exclusivamente daquele contrato de empréstimo. Por isso, concluiu pelo prosseguimento dos autos.

Seguidamente, foi proferida decisão (a aqui recorrida), datada de 24/11/2022, pela qual os RR. foram absolvidos da instância, por via da procedência de exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, da inadequação – ou indevida utilização – do meio processual adotado (o procedimento injuntivo).

Inconformada, recorre a A., apresentando alegação e oferecendo as seguintes

Conclusões ([1]):

«A- Os ora Recorridos celebraram um contrato de empréstimo com o nº ...96 com o Banco Santander Totta, S.A., os quais, através do contrato de cessão de créditos, celebrado a 28 de junho de 2016, foi cedido à ora Recorrente.

B- A Recorrente interpôs injunção diante do incumprimento do referido contrato.

C- A injunção foi remetida à distribuição por oposição.

D- Foi a Recorrente notificada, em 12-10-2022, para se pronunciar sobre a eventual verificação de (…) utilização de forma processual inadequada.

E- Sendo, portanto, junto aos autos pela Recorrente, requerimento a esclarecer que a dívida em causa nos presentes autos tem origem no contrato de empréstimo com o nº ...96, celebrado pelos Réus com o Banco Santander Totta, S.A.

F – Neste mesmo requerimento, foi esclarecido que este referido contrato de empréstimo, foi objeto de cessão de créditos entre o Banco Santander Totta, S.A. e a ora Autora, sendo, portanto, esta a atual credora dos Réus relativamente ao contrato supra mencionado.

G- Isto porque, o contrato de cessão de créditos não está em causa nos autos, apenas foi mencionado no requerimento de injunção por forma a justificar a legitimidade da Autora para a cobrança da dívida oriunda do contrato de empréstimo com o nº ...96, celebrado pelos Réus com o Banco Santander Totta, S.A.

H - Pelo que, não há que se falar em utilização da forma processual inadequada, uma vez que o objeto da presente ação é, apenas e tão somente, o incumprimento de uma obrigação pecuniária por parte dos Réus, ou seja, o incumprimento do contrato de empréstimo com o nº ...96, celebrado pelos Réus com o Banco Santander Totta, S.A., o qual foi cedido à Autora.

I- A cessão de créditos foi devidamente comunicada aos Réus, considerando que o único elemento constitutivo da eficácia da cessão é o conhecimento do devedor, não exigindo a lei a sua autorização.

J – Ainda que a Autora não tivesse comunicado os Réus da cessão de créditos, a citação para a presente ação serviria para dar conhecimento da mesma.

K- Ou seja, na cessão de créditos, a notificação do devedor não é facto constitutivo do direito do cessionário nem condição necessária para assegurar a sua legitimidade ativa, sendo mera condição de eficácia, a qual pode ser conseguida através da citação do devedor para a acção declarativa ou executiva.

L- O fato do crédito anteriormente detido pelo Banco Santander Totta, S.A., o qual foi incumprido pelos Réus, ter sido cedido à Autora, ora Recorrente, não altera a obrigação da sua origem e nem altera a sua natureza.

M - Portanto, a cessão de créditos apenas legitima a Autora, ora recorrente, a apresentar a competente ação com o fim de exigir o cumprimento da obrigação pecuniária em causa, que mantém a sua natureza de obrigação pecuniária emergente de contrato.

N - Desta forma, A autora utilizou a forma processual adequada para exigir o cumprimento da obrigação pecuniária em causa e, para tanto, peticionou quantias pecuniárias diretamente relacionadas com a obrigação, ou seja, o próprio objeto da prestação incumprida.

O - Pelo que não há que se falar em excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis que V. Exas. Doutamente suprirão, deve julgar-se procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial totalmente improcedente, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!» ([2]).

Os RR. contra-alegaram, concluindo pela total improcedência da apelação.


***

O recurso interposto foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime fixado.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Questão prévia

Da junção de prova documental na fase de recurso

Após convite do Relator ao esclarecimento quanto à junção de prova documental na fase de recurso pela Recorrente, esta tomou posição, reconhecendo que foi «por mero e manifesto lapso» que procedeu a tal junção (documento de fls. 53 v.º e 54 do processo físico) e, assim, pedindo fosse relevado o lapso, ficando sem efeito a junção, com o decorrente desentranhamento.

Assim sendo, atento o lapso ocorrido, tem-se o mesmo por relevado, ficando, consequentemente, sem efeito a aludida junção, com o decorrente desentranhamento, a levar a efeito oportunamente.

III – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º,...

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