Acórdão nº 585/22.0T8OVR-A.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-01-25

Ano2024
Número Acordão585/22.0T8OVR-A.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.RELATÓRIO:


A executada/embargante M… deduziu embargos à execução que lhe foi movida por P…, exequente.

Alegou, em síntese, que a executada, no processo de separação em outubro de 2010, daquele que fora o casal, foi alvo de um conjunto de ameaças e constrangimentos por parte do exequente, razão pela qual, sob o mais profundo temor e coação outorgou o denominado acordo de regularização de divida dado à execução, o acordo de regularização de divida levado à execução foi outorgado pela executada sob a coação que se refere o artigo 255.º do Código Civil e que o artigo 256º do Código Civil prevê que a declaração negocial extorquida por coação é anulável, o que desde já se requer para todos os legais efeitos.

Acrescentou que não é devedora da quantia, ora em execução, uma vez que nem a recebeu, muito menos teve conhecimento de qual o destino que o exequente lhe deu e, só assinou/outorgou o dito acordo de regularização de divida, usado agora como titulo executivo, por força da coação, tornando-se o mesmo ineficaz. Pede que o pedido do exequente seja indeferido.
Admitidos os embargos o exequente/embargado contestou, tendo impugnado o alegado e ainda invocado a excepção de caducidade do direito à arguição da anulabilidade da declaração negocial por coação pelo decurso do prazo de um ano previsto no art.º 287.º, nº 1, do Código Civil.
Por despacho de 05/01/2023, foi determinada a suspensão da execução, ao abrigo do disposto no art.º 733.º, nº 1, al. c), do CPC.
Notificada a embargante/executada para responder à matéria de excepção invocada pelo embargado/exequente, veio a mesma defender que o prazo de um ano só começa a correr nos termos do previsto no artigo 329º do CC, ou seja, no momento em que o direito puder ser legalmente exercido, e que, para efeitos da presente execução, o prazo começou a correr após a citação. Alega igualmente que «se assim não fosse, a solução de direito seria aberrante pois a declaração obtida sob coação só se apresenta como relevante a partir do momento em que é usada judicialmente». Acrescenta que «mesmo que assim não se entenda, bem se percebe que a declaração obtida sob coação nunca pode produzir os seus efeitos, desde logo porque atenta contra o princípio do regular exercício dos direitos». Conclui no sentido em que «estarão francamente, postas em causa os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e económico do direito que se pretende levar à execução, no caso, pelo menos na modalidade do tu quoque, pois o embargado que violou a norma jurídica prevista no artigo 256º do CC, não pode prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente, pois o embargado com a violação desta norma perturbou o equilíbrio natural subjacente ao ordenamento jurídico, sendo, assim, ilegítimo quando o exercício do direito à caducidade exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé».
Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador, realizado o julgamento foi de seguida proferida sentença que julgou os presentes embargos de executado totalmente procedentes e, em consequência, anulou a declaração negocial da embargante M… exarada no documento dado à execução datado de 28/10/2010 (por ter sido obtida por coação moral exercida pelo embargado P…), e, em consequência, julgou extinta a execução de que estes embargos de executado constituem um apenso.

Inconformado veio o exequente/embargado recorrer pugnado pela improcedência dos embargos e concluindo da seguinte forma:
«A–O presente recurso vai da douta decisão com Ref. n.º 55622318 no âmbito do Processo n.º 585/22.0T80OVR-A, Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo - Juiz 3, Tribunal Judicial da Comarca Dos Açores e é interposto em tempo, por quem tem legitimidade e os seus fundamentos inerentes à matéria de facto, mas também matéria de direito.
B–Nos termos do art. 640.º do CPC, n.º 1, al. a), o concreto pontos de facto que consideramos incorrectamente julgado, no sentido que foi dado como provado e deveria ter sido dado como não provados, é o seguinte: a)-Número 4 dos factos provados – uma vez que não existiu coação e, como tal, o documento que a executada/embargante outorgou, denominado acordo de regularização de dívida, é perfeitamente válido, razão pela qual a declaração negocial da embargante M... não deve ser anulada e, consequentemente, os embargos de executado devem ser julgados totalmente improcedentes.
C–Por sua vez, o concreto ponto de facto que foi dado como não provado e deveria ter sido dado como provado, é o seguinte: Alínea b) dos factos não provados, pelo simples facto que a própria executada, quando a juíza lhe questiona “Já agora, então, o artigo 20º da contestação refere que o senhor P..., refere-se que o senhor P... é que foi alvo de ameaças, injúrias, coações, difamação, ofensas e violência doméstica com enorme gravidade e grave censura penal. Portanto, é referido na contestação do senhor P... que foi o senhor P... é que foi alvo de ameaças, injúrias, coações, difamação, ofensas e violência doméstica. O que é que a senhora MG... tem a dizer sobre esta alegação?”, responde “A única coisa que eu tenho a dizer é que eu cheguei a um ponto que sim.”.
D–Nos termos do art. 640.º, n.º 1, al. c) do CPC, a decisão que, no nosso entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas é a seguinte 1) No que diz respeito aos FACTOS PROVADOS: a)-Não houve coação por parte do exequente/embargado sobre a executada/embargante FACTOS NÃO PROVADOS: 1º-O exequente/embargado, durante a relação amorosa com a executada/embargante, foi vítima de violência doméstica por parte da mesma.
POR OUTRA BANDA;
E–Na senda da impossibilidade de condenação com os factos dados como provados, é para nós liquido que para os embargos procederem não é suficiente que o único – saliente-se único - ponto de factos provados com relevo para a coação seja o “ponto 4 dos factos provados” e que “foi alvo de um conjunto de ameaças e constrangimentos por parte do exequente/embargado”.
F–Para que os presentes embargos pudessem proceder teria sido imprescindível, o que não aconteceu, saber em concreto e darem por provadas – EM CONCRETO – de quais ameaças foram provadas, ameaçar de quê? Quando? Onde? E ameaças essas, de tal forma graves que teriam sido necessárias, suficientes e adequadas a interferir na vontade de celebrar – AQUELE EM CONCRETO - documento.
G–Constrangimentos? O mesmo se diga quanto aos mencionados “constrangimentos”, posto que não se dá como provado um único constrangimento definido, particular e concreto.
H–Nos factos provados também não consta que - sejam quais forem as ameaças e constrangimentos (que não são mencionadas) – se não fossem as mesmas, a executada não teria outorgado esse documento.
I–Ora tal era imprescindível, para que a coação pudesse proceder e estes embargos, até porque ficamos sem saber o que a executada efectivamente queria ou não queria do mencionado documento, pois a executada ficou na casa morada de família, a executada recebeu o dinheiro do Banco, a executada ficou com todo o recheio mencionado no dito contrato, então ficar com o dinheiro, ficar na casa, ficar com todo o recheio queria e não tinha medo, mas para pagar já não queria e foi obrigada?!
J–Em sede dos factos dados como provados, por todos os motivos, os presentes embargos não poderiam proceder e assim, estamos em sede de nulidade, que se deixa arguida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.
K–No tocante ao cumprimento do contrato e salvo melhor entendimento o Tribunal enferma de vício de raciocínio lógico ao fazer aplicação do art. 287º nº2 do CC, pois o Tribunal não pode dizer que o contrato não foi cumprido (considerando a anulabilidade sem prazo) por nesse contrato, a executada ficou na casa morada de família (portanto foi cumprido), ficou com o dinheiro do Banco (portanto foi cumprido), ficou com todo o recheio descriminado no mencionado contrato (Doc.1 do requerimento executivo, portanto foi cumprido).
L–Salvo melhor entendimento constitui um verdadeiro abuso de direito, que se invoca nos termos do art. 334º do CC invocar a coação para a parte de pagar (a qual não pagando invoca-se que nem tem prazo para invocar a coação) não obstante a parte de receber ou a “parte boa” do contrato já ter sido cumprida integralmente, pois aceitou, recebeu e fez sua a contra-prestação.
M–Consideramos que o art. 287.º n.º 2 do CC não pode ter aplicação em contratos de prestações sinalagmáticas, em que parte das mesmas prestações, i.e. todas as boas para uma parte, já foram cumpridas e muito menos, constitui um acto de abuso de direito e má fé, aproveitar a falta de prazo precisamente para aquela parte que recebeu a parte boa e esqueceu a parte má de pagar, pelo que sempre deveria proceder a caducidade arguida e excedido o prazo de 1 ano.
N–Nos presentes autos, como no mencionado e douto Acordão STJ, não existe uma intransponível relação causa-efeito, pelo que também nunca poderia proceder a invocada coação, Ac. STJ, 15-01-2008, UNANIMIDADE, Sumário : IV)- Não tendo havido ameaça de que não pudesse escapar, não se pode considerar que tenha havido coacção moral, porquanto não existe uma intransponível relação de causa e efeito, entre a pretensa ameaça e a actuação do signatário de tal documento (ora embargante) em função dela. V)- Aquela declaração escrita e reconhecida notarialmente – referida em III) – assumindo a existência da dívida do pai do signatário de tal declaração, porque isenta de vício na formação e emissão da declaração de vontade, constitui título executivo exprimindo assunção da dívida.».

A embargada respondeu e nas suas contra alegações concluiu que:
«I-O apelante recorre da matéria de facto e de direito.
II-O apelante não pode escolher as testemunhas que lhe interessa e considerar pouco credíveis as demais pois a
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