Acórdão nº 58145/22.2YIPRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 27-06-2023

Data de Julgamento27 Junho 2023
Número Acordão58145/22.2YIPRT-A.P1
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 58145/22.2YIPRT-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
A..., SARL, com domicílio na Rua ..., ... ..., intentou contra AA, com domicílio na Rua ..., ..., ... ..., procedimento de injunção para cobrança da quantia de 10.996,20 €, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de 128,29 €, e vincendos, correspondendo aquela quantia ao preço dos produtos que lhe vendeu e que esta não pagou, apesar de ter sido interpelado para esse efeito.
A requerida deduziu oposição alegando, em essência, que comprou e pagou os bens em causa a terceiros, no contexto que melhor descreve, pelo que nada deve à requerente.
Após distribuição dos autos como acção com processo comum, tendo-lhe sido concedido prazo para o fazer, a autora exerceu o contraditório, mantendo o anteriormente alegado.
Veio a realizar-se audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que termina com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido:
a) Absolver a ré do pedido;
b) Condenar a autora nas custas do processo.
Registe e notifique.
Valor: € 11.174,49».
Após o referido dispositivo foi exarado o seguinte:
«Atentos os factos provados e o pedido de condenação como litigante de má fé feito pela ré em sede de audiência de julgamento, notifique a autora para se pronunciar.
A autora pronunciou-se, pugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má, por não estar preenchido nenhum dos pressupostos previstos no artigo 542.º, n.º 2, do CPC.
Foi proferido despacho, que termina com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido condenar a Autora como litigante de má fé e, em consequência, condeno-a no pagamento de uma multa no valor de 10 UC».
*
Inconformada, a autora apelou deste despacho, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª – O presente recurso é interposto contra a decisão do douto Tribunal que, por despacho proferido após ter sido proferida sentença nos autos, condenou a Autora, A... SARL, LDA, como litigante de má fé
2.ª – O tribunal a quo só veio condenar a Autora em litigância de má fé após a prolação da sentença.
3.ª – A apreciação da litigância de má fé em momento posterior à prolação da sentença, constitui nulidade insanável do despacho de que ora se recorre.
4.ª – O douto despacho recorrido é nulo por excesso de pronúncia pois violou o artigo 615º n.º 1 al. d) do CPC pelo que deve ser revogada a decisão recorrida.
5.ª – É pacifico na nossa melhor Jurisprudência que, sendo proferida sentença ou despacho a colocar fim ao processo, deve fazer-se aí, se não se fez antes, a apreciação da conduta processual assumida pelas partes que seja suscetível de configurar a litigância de má-fé.
6.ª – O Tribunal recorrido ao não ter conhecido da questão da litigância de má-fé, com base em circunstâncias e fundamentos que já constavam do processo e que se verificavam já à data da prolação da sentença, conhecendo desta questão apenas depois de proferida a sentença final, infringiu o princípio da extinção do poder jurisdicional.
7.ª – A conduta processual da Autora não integra o preenchimento de nenhum dos pressupostos previstos no artigo 542º, nº. 2 do C. P. C., para que possa ser condenada como litigante de má fé.
8.ª – A Autora não deduziu pretensão cuja falta de fundamento tinha obrigação de conhecer.
9.ª – A Autora não alterou a verdade dos factos, que se fundamentam em documentos.
10.ª – A Autora não faltou ao dever de cooperação com o tribunal.
11.ª – A Autora não fez do processo um uso manifestamente reprovável para alcançar algo ilegal ou impedir a descoberta da verdade.
12.ª – Em nenhuma circunstância a autora foi além dos limites toleráveis do exercício dos meios legais ao seu alcance, nem litigou de modo desconforme ao respeito que é devido ao tribunal e à contra-parte.
13.ª – A Autora, pura e simplesmente, não conseguiu convencer o tribunal, que refere na douta sentença “… a autora não demonstrou ter vendido bens à ré, e não se provou que esta lhe deva o preço dessa venda”.
14.ª – Não se verifica qualquer conduta ou comportamento processual da Autora que integre o conceito de litigância de má fé, devendo a mesma ser absolvida de tal pedido.
15.ª – O julgador deve ter, pois, uma atitude prudente e cuidadosa, só devendo proferir decisão condenatória por litigância de má fé no caso de se estar perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
16.ª – Somente na presença de elementos de prova seguros de que a parte atuou com a consciência de não ter razão é que deve ser censurada como litigante de má fé.
17.ª – O instituto da litigância de má-fé deve ser reservado para as condutas processuais inequivocamente inadequadas ao exercício de direitos ou à defesa contra pretensões.
18.ª – A atuação processual da recorrente não revela nenhuma culpa grave, nem a permite qualificar como lide audaciosa merecedora de condenação processual.
19.ª – A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois violou o disposto nos artigos 542º e 613.º ambos do Código de Processo Civil.
20.ª – Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outras, as disposições legais dos artigos 542º, 543º, 613º, 615º do C. P. C..
21.ª – Impõe-se, como imperativo de justiça, a revogação do despacho que condenou a Autora como litigante de má fé.
Subsidiariamente,
22.ª – O valor da multa deve ser considerado elevado e desproporcional.
23.ª – A multa processual aplicada à recorrente deve ser reduzida para o seu limite mínimo.»
Concluiu pugnando pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida ou, subsidiariamente, pela redução do valor da multa processual.
Não f0i apresentada qualquer resposta.
*
II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes as questões a decidir:
- A nulidade do despacho recorrido;
- A não verificação dos pressupostos da condenação da autora como litigante de má-fé;
- A desproporcionalidade da multa aplicada pelo Tribunal a quo.
*
III. Fundamentação
A. Factos Provados
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
1) A requerente dedica-se, com intuitos lucrativos, à actividade comercial de importação e exportação de comércio geral e actividades de serviços de apoio prestado às empresas.
2) A requerente emitiu, em 04/03/2022, à requerida a factura n.º 1/58, no valor de €10.996,20, com data de vencimento a 3/04/2022, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3) A autora relativamente àquela factura declarou dar plena e total quitação.
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B. Factos Não Provados
São os seguintes os factos julgados não provados pelo tribunal de primeira instância:
a) A autora vendeu à ré os bens constantes da factura supra mencionada.
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C. O Direito
Da nulidade do despacho recorrido
Entende a recorrente que o despacho que a condenou como litigante de má-fé é nulo, por ter sido proferido depois de esgotado o poder jurisdicional do Tribunal a quo, o que configura uma nulidade insanável, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 613.º e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. Na verdade, acrescenta a recorrente, a questão foi suscitada em sede de audiência de julgamento, mais
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