Acórdão nº 580/22.0T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-09

Data de Julgamento09 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão580/22.0T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

AA instaurou a presente ação contra EMP01... - Companhia de seguros, S.A. pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe o valor dos danos sofridos em consequência de acidente de viação, causado por veículo seguro na Ré, que computa em 500.000,00 € (quinhentos mil euros) e no pagamento de todos os tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, encargos com intervenções cirúrgicas, fisioterapia e demais danos futuros advenientes do sinistro
A Ré apresentou contestação, impugnando a dinâmica do acidente que atribui à responsabilidade da autora, assim como os danos e o seu valor.
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Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência:

a) Condeno a R., a pagar à A., a quantia de € 167.500,00 (cento e sessenta e sete mil e quinhentos euros);
b) Condeno a R., a pagar à A., juros de mora, à taxa legal, sobre a referida quantia, contados desde a data da presente decisão até integral pagamento;
c) Condeno a R., a pagar à A., a quantia que esta venha a despender em medicação analgésica;
Absolvo a R. do demais peticionado.»
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Inconformada com a sentença veio a Ré interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1ª- A recorrente restringe o objecto do seu recurso da douta sentença quanto aos montantes atribuídos à autora a titulo de danos não patrimoniais (27.500.00 €) e por danos patrimoniais/perda de capacidade de ganho (140.000,00 €).
2ª- Quanto aos danos não patrimoniais deve ponderar a equidade e “o seu montante deve ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas” e do criterioso sopesar das realidades da vida;
3ª- Estes princípios impõem que sejam tratados e indemnizados de modo razoável e justo situações idênticas, devendo seguir-nos por critérios e medidas padrão, em que se obtenha, tanto quanto possível um modelo indemnizatório que permita uma maior certeza jurídica, de igualdade e socialmente justa .
4ª- Resultou provado que a autora sofreu um acidente e que do mesmo resultou um défice funcional temporário de 473 dias, um Quantum doloris no grau 5/7, um Défice funcional permanente da integridade físico-psiquica fixável em 7 pontos, Dano estético de grau 2/7 e Repercussão permanente fixável no grau 2/7.
5ª- Por isso, e tendo em conta tudo o supra exposto e os factos provados, parece-nos que a quantia justa, equilibrada e equitativa, para a situação em apreço se situa nos 15.000,00 euros a titulo de danos não patrimoniais, onde está contemplado o denominado dano biológico, dano estético, quantum doloris/sofrimento físico e psíquico.
6ª- Foi atribuído o valor de 140.000,00 € a titulo de danos patrimoniais pela “redução da capacidade de ganho”, o que nos parece, salvo o devido respeito, manifestamente exagerado, sem que se justifique e fundamente minimamente tais valores.
7ª -Isto porque, num primeiro raciocínio logico e devidamente fundamentado o Tribunal alcançou o valor de € 23.423,96, para depois num “salto” de raciocínio se partir de uma base de 40 pontos de défice funcional parta se alcançar o valor de 140.000,00 €.
8ª- Pois que, em consequência do sinistro a autora apenas ficou a sofrer de uma incapacidade de 7 pontos, como resulta dos factos provados, pese embora tal incapacidade, em nosso modesto entendimento, apenas exige esforços complementares.
9ª- Pois, à Autora foi-lhe arbitrado um défice físico/psíquica de sete pontos e a situação seria incompatível com o exercício da atividade habitual, sendo, no entanto, compatível com outras profissões.
10ª- Porém, in casu como resulta dos factos provados e dos relatórios do IML e Esclarecimentos ao mesmo, a Autora não tem ou exerce uma profissão habitual, sendo até de considerar trabalhadora “indiferenciada”.
11ª- Atente-se que a autora à data do sinistro estava desempregada, mas como se refere na douta p.i. , resulta dos documentos juntos e das suas declarações de parte e dos factos provados , tinha o “curso de educação e formação de adultos de técnica auxiliar de saúde” – ponto 32 dos factos provados, trabalhou no Centro Bem Estar Social de ... , trabalhou num restaurante e depois numa residencial – facto 33, trabalhou numa empresa de matérias de construção – relatório do IML, e antes e depois do acidente num bar/discoteca conforme suas declarações de parte e depoimento de testemunha.
12ª- Não tendo, assim, como não tinha, e não tem, profissão habitual, no rigor dos factos e da segurança jurídica, apenas se pode considerar que o défice funcional, apenas pode acarretar esforços acrescidos.
13ª- E mais, se formos a considerar como podendo exercer actividades compatíveis com a sua preparação técnico profissional ou da sua área, todas as que exerceu pode continuar a exercer, embora com esforços acrescidos.
14ª-Assim sendo, como é, o montante a atribuir à autora por tal défice funcional será o calculado pelo Tribunal de cerca de 23.500,00 €.
15ª-Na verdade, as competências ou aptidões da Autora são compatíveis com as profissões e desempenho de funções que exerceu até à data, e o grau de desvalorização não é impeditivo de tal, as sequelas são compatíveis com o mesmo desempenho, e não implicam limitações especiais.
16ª-Assim, salvo o devido respeito, parece-nos que a quantia inicialmente considerada pelo Mº Juiz, e bem, de cerca de 23.500,00 €, nos parece perfeitamente justificada e adequada, e de acordo com a jurisprudência dos nossos tribunais.
17ª- Pelo exposto e salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483º e 496º do CC aos factos provados.
Pugna a recorrente pela revogação parcial da decisão recorrida que deve ser substituída por outra que reduzida a indemnização a atribuir à lesada.
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A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação da Ré.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, reconduz-se a saber se existiu erro na fixação da compensação devida pelos danos patrimoniais – perda de capacidade de ganho - e não patrimoniais sofridos pela Autora, devendo a mesma ser reduzida.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1. Factos Provados

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1 - No dia 14 de julho de 2019, pelas 22.00 horas, a A. seguia no lugar do passageiro, do veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-EL-.., “propriedade” de BB, por este conduzido.
2 - Deslocavam-se de ... em direção a ..., seguindo pela Estrada Municipal ...07, na ..., ..., no sentido ...-....
3 - A estrada dispunha de boas condições de visibilidade, boa aderência, com piso seco e limpo, e estava bom tempo, típico de uma noite de verão.
4 - A estrada em que circulava era uma reta, com mais de um quilómetro de comprimento.
5 - O condutor do veículo despistou-se para o lado direito, atento o seu sentido de marcha, tendo colidido com o muro de uma moradia.
6 - Em consequência do embate, a A. ficou com dores dorso-lombares.
7 - Foi, então, transportada para o EMP02..., E.P.E., Hospital ..., onde foi admitida no serviço de urgências, apresentando dor de grau 8.
8 - Aí chegada, foi submetida a avaliação médica, tendo realizado raio x ao torax, coluna e bacia.
9 - Recebeu alta poucas horas depois.
10 - Regressada a casa, continuou a sentir dores, tendo também dormido mal nas noites seguintes.
11 - No dia 17 de julho de 2019, a A. foi ao serviço de urgências do Hospital ..., queixando-se de dor abdominal do lado esquerdo e apresentando hematoma abdominal e referindo também obstipação.
12 - Realizou TAC à zona abdominal, pélvica e lombar.
13 - Foram-lhe então diagnosticadas: a fratura do corpo vertebral D12; fratura das apófises transversais direita e esquerda de L1 e esquerda de L2; fratura do corpo de T12 à esquerda com recuo compressivo do muro posterior e atingimento do pedículo esquerdo e fratura do desalinhamento das apófises transversas, havendo afundamento da plataforma vertebral superior e perda da altura somática em cerca de 15 a 20%; fraturas da apófise transversas de L1, da esquerda em L2; Em L4-L5 e L5-S1 existiam abaulamentos discais medianos com moldagem tecal.
14 - A A. foi internada e, posteriormente, transferida para o Centro Hospitalar ..., Hospital ..., para tratamento cirúrgico.
15 - A cirurgia realizada à A., no dia 19 de julho de 2019, no Hospital ... no ..., implicou a colocação de parafusos pediculares percutâneos D11 bilateral (6mm x 45 mm) monoaxiais, D12 pedículo direito (6mm x 45mm) e L1 bilateral monoaxiais (5mm x 45mm) e colocação de barras posteriores de 45mm.
16 - Foram colocados agrafos na pele da A.
17 - Após a cirurgia, a A. foi transferida para o Hospital ..., onde recebeu nota de alta, no dia 22 de julho de 2019.
18 - Posteriormente, a A. foi avaliada pelo Dr. CC, da especialidade de Ortopedia, no Hospital ....
19 - A R. requereu uma avaliação médica aos danos padecidos pela A.
20 - A qual foi realizada pela Dra. DD, perita da R.
21 - O referido relatório médico refere lordose lombar acentuada, 5 cicatrizes cirúrgicas paravertebrais, dorsal baixa e na transição dorso-lombar, de 3cm cada, local onde foram afixados os parafusos pediculares percutâneos de D11 (T11) bilateral (6mm x 45 mm) monoaxiais, D12 (T12) pedículo direito (6mm x 45mm), L1 bilateral monoaxiais (5mm x 45mm) e barras posteriores de 45mm, com a consequente rigidez dorsolombar.
22 - Fixou um défice funcional temporário total (incapacidade temporária absoluta) de 8 dias (14/07/2019 a 22/07/2019), um défice funcional temporário parcial (incapacidade temporária parcial) de 464 dias entre 23/07/2019 e 29/10/2020, data em que foi fixada a consolidação...

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