Acórdão nº 5684/22.6T8ALM-A.L2-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 05-12-2023

Data de Julgamento05 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão5684/22.6T8ALM-A.L2-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa

PROCESSO Nº

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A. Relatório
A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
Por apenso à execução que lhe move Caixa, S.A., NSA deduziu oposição à execução, pedindo que “a) Os presentes embargos [sejam] recebidos e julgados procedentes por provados, absolvendo-se o embargante da instância e, subsidiariamente, do pedido e, // b) O pedido de litigância de má-fé [seja] considerado procedente por provado e, em consequência, ser fixada multa e indemnização a favor do embargante, a pagar pelo embargado, segundo o prudente arbítrio do tribunal”.
Para tanto, invocou as exceções dilatórias de caso julgado e de falta de título executivo. Invocou, ainda, a exceção perentória de extinção da fiança, por ter o devedor principal beneficiado de uma exoneração do passivo restante, bem como a inexigibilidade do crédito.
Notificada a embargada, ofereceu esta a sua contestação, impugnando de facto e de direito a matéria aduzida pelo embargante.
Na fase intermédia da ação, o tribunal a quo julgou os embargos totalmente improcedentes.
Inconformado, o autor apelou desta decisão.
Por acórdão datado de 27 de abril de 2023, este Tribunal da Relação de Lisboa, na sua 8.ª secção, decidiu “anular a decisão recorrida e ordenar o prosseguimento da ação, com a realização de julgamento, que não abrange a parte da decisão que não está viciada”. Delimitando o alcance da anulação, o tribunal ad quem fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
Sem prejuízo da questão de saber se a exoneração do passivo restante do devedor principal extingue ou não a responsabilidade dos fiadores, tem realmente interesse, em sede de extinção da fiança e de acordo com as várias soluções plausíveis da questão de direito (cfr. v.g. ARL de 6.12.2022, Proc. 19002/19.7T8SNT-A.L1), apurar a matéria constante dos factos 27 a 29, inclusive, da petição de embargos e ainda a dos artigos 35 e 36 da contestação.
Justifica-se, por isso, proceder ao julgamento desta matéria de facto o que constitui fundamento para anular a decisão ocorrida ex artigo 662.º, 2, c).
Esse julgamento far-se-á nos termos do artigo 662.º, 3, c), deixando incólume o que decidido já está neste acórdão, sem outra verificação além da constante dos factos jurídicos acima aludidos.
A questão da má-fé será também apreciada na sentença a proferir, porque ainda dependente da factualidade que se vier a apurar.

Tendo a ação prosseguido, e após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou os embargos improcedentes, na parte do objeto da instância ainda pendente de julgamento.
Inconformado, o embargante apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
I – O apelante impugna o facto 4. e 6. Provados e o facto dado como não provado, assim como entende impor-se a prova de factos instrumentais que não se apuraram, e recorre ainda da questão de direito;
II – Dois factos instrumentais não apurados:
a) Por que montante foi tal crédito reclamado e reconhecido;
b) Por que valor resultou não pago, i.e., que importância lhe coube no rateio da massa insolvente.
III – Reitera que deve ser reconhecida e declarada a extinção da fiança, face à extinção da obrigação principal à luz da exoneração do passivo e impossibilidade de sub-rogação – art.º 653.º do C.C.;
IV – O art.º 615.º do C.C. consigna que a extinção da obrigação principal extingue a fiança (art.º 651.º), pressupondo o seu cumprimento integral;
V – O fiador tem direito de opor ao credor, os meios de defesa próprios e os que competem ao devedor – art.º 637.º n.º 1 C.C.;
VI – Um dos meios de defesa extensível é o caso julgado (art.º 635.º n.º 1 e 522.º do C.C.), podendo o fiador invocá-lo quanto à exoneração do passivo restante (245.º n.º 1 e 217.º n.º 4 do CIRE);
VII – Não afetando o plano de insolvência nem a existência, nem o montante do direito do credor reconhecido contra o terceiro garante, dele apenas poderá ser exigido, em direito de regresso, o que do insolvente poderia ser exigido;
VIII – Do apelante apenas pode ser exigido o que resultou da insolvência – e aqui não apurado;
IX – A conduta da apelada, vincada pela sua inação ou prolongamento no tempo, traduz uma [sic]
X – O seu direito não é erga omnes, sobre ela impendendo um dever de informação, e um dever geral de boa-fé na execução do contrato, devendo exercê-los sem abuso de direito – 334.º e 762.º n.º 2 do C.C.;
XI – O facto provado em 6. impõe-se seja alterado, atenta a certidão judicial junta por requerimento de 28/11/2022, código de acesso 5XW9-####-QZ6M-TVQC:
6. Em 30 de Setembro de 2021, no processo de insolvência de DNS (referido em 2.), foi publicitado, por edital, o Despacho de Exoneração do Passivo Restante, proferido em 29 de setembro de 2021, e do qual consta “O Tribunal concede ao insolvente a exoneração do passivo restantes, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 244.º n.º 1, com os efeitos previstos no art.º 245.º, n.º 1, do CIRE e excluindo os créditos previstos no n.º 2 do art.º 245.º do CIRE”.
XII – O facto não provado é um facto negativo, que cabia à apelante provar (art.º 343.º n.º 1 C.C.);
XIII – O que o apelante alegou foi que a apelada “não informou” e não que “nunca informou”;
XIV – Tal facto conjugado com o provado em 4., implica a alteração deste, no seguinte sentido:
4. Por carta datada de 30 de Outubro de 2017, enviada pela embargada ao embargante, cuja cópia está junta ao requerimento executivo, e que esteve teve conhecimento a 16 de novembro de 2017, conforme emails juntos a 11 de julho de 2023, a “informar V.Exas. que na qualidade de afiançados incumpriram as obrigações contratuais nos termos da lei V. Exas. respondem solidariamente pelo pagamento. Pese embora já estarmos na posse de todos os elementos para intentar a acção judicial para a cobrança da totalidade da dívida no valor de 82.936,79 euros à data de 30/10/2017, antes desse procedimento, vimos por este meio à sua presença no sentido de saber da sua disponibilidade para proceder ao seu pagamento, a que está obrigado por força da fiança, e assim evitar o recurso aos Tribunais” (…) ficamos a aguardar durante oito dias (…) findo este prazo, sem que tenhamos recebido qualquer contacto da sua parte, intentaremos a competente ação judicial (…)”. (art.ºs 35.º e 36.º da contestação e 29.º da p.i.);
XV – A carta cujo Tribunal a quo considerou para o provara, esta acompanhada de aviso de receção não assinado e sem talão de registo;
XVI – Este elemento probatório impõe-se seja concatenado com os emails juntos pelo apelante aos autos, que atestam que tal missiva só lhe chegou ao conhecimento a 16/11/2017;
XVII – Tal missiva não traduz uma interpelação de informação do incumprimento do mutuário, mas sim de interpelação para cumprir as obrigações incumpridas mais de dois anos antes;
XVIII – A presente fiança, como a esmagadora das vezes ocorre, é uma garantia “de favor”, que cai no esquecimento perante total cumprimento, apenas sendo recordada perante a falta de pagamento;
XIX – Com a ação, ou melhor, inação da apelada, o apelante foi onerado com o avolumar da dívida, com capitalização de juros e despesas contratuais;
XX – O apelante, cliente também da apelada, com crédito hipotecário em dia, está confrontado com penhora da sua casa de morada de família pela “engorda” da dívida;
XXI – Face a objetiva dificuldade do mutuário cumprir, exigia-se da apelada o ónus de informar, de imediato, o apelante, sob pena de gerar situação de inexigibilidade ainda que parcial da obrigação (art.º 729.º al. g) do C.P.C.);
XXII – Tal comunicação deveria ter existido logo em 2015, data da apresentação do mutuário à insolvência;
XXIII – A conduta da apelada não foi conforme aos deveres contratuais, nomeadamente de informação e boa-fé;
XXIV – A apelada constituiu-se em mora ao omitir tais deveres, deixando a dívida de vencer juros e despesas (art.º 813.º e 814.º n.º 2 do C.C.);
XXV – Verifica-se um ato voluntário (não interpelação) da apelada, não necessariamente culposo, que direta ou indiretamente fez o apelante perder a possibilidade de sub-rogação (art.º 653.º do C.C.), implicando a extinção da fiança;
XXVI – O não pagamento de uma prestação não implica um vencimento automático das demais, carecendo da ação do credor que, avaliando a mesma, “opta” por tal solução (art.º 781.º do C.C.);
XXVII – A apelada reclama no seu requerimento executivo as prestações vincendas a partir de 10/01/2015, mas apenas interpelou o apelante a 30/10/2017, e só executa em 2022;
XXVIII – Só com a insolvência do devedor a apelada quis e decidiu exercer o seu direito contra o apelante;
XXIX – O não cumprimento pela apelada de, em tempo, exigir o cumprimento do apelante resulta em responsabilidade, cabendo-lhe indemnizá-lo, traduzindo uma situação de litigância de má-fé, face ao agravamento da dívida;
XXX – O Tribunal a quo não conheceu do facto alegado em 44.º da petição de embargos, no que respeita à ausência de comunicação da dívida pela apelada ao Banco de Portugal;
XXXI – A conduta da apelada é culposa, no limite, gravemente negligente, dos deveres de cooperação e de boa-fé processual (art.º 7.º e 8.º do C.P.C.); é censurável e reprovável, constituindo uma deturpação da ação da justiça, por manifesto abuso de direito – art.º 542.º n.º 1 e 2 als. a) e c) do C.P.C.;
XXXII – Violou, ainda, o dever de probidade previsto no art.º 5.º do C.P.C.;
XXXIII – Por todo o exposto, resulta igualmente fundamentado o pedido de litigância de má-fé, devendo a apelada ser condenada em multa e indemnização, atento o disposto pelo art.º 542.º n.ºs 1 e 2 als. a) e c) do C.P.C., fixadas segundo o prudente arbítrio do Tribunal (art.º 543.º do C.P.C.), mas a que não deve ser alheio os valores das verbas reclamadas em juízo, devendo a mesmas servir de parâmetro a este Venerando Tribunal.
A apelada não contra-alegou.

A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar
As questões
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