Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal Central Administrativo, 01 de Janeiro de 2022 (caso Acórdão nº 568/08.3BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-06-09)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2022
I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “S..., LDA” contra a liquidação adicional nº 20078310017617, no montante de €83.175,63, relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2004, e respetivos juros compensatórios, no montante total de €92.518,64, resultantes de movimento de compensação.


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A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:


I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a impugnação deduzida por S... LDA contra a liquidação adicional nº 20078310017617, no montante de €83.175,63, relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2004, e respetivos juros compensatórios a que se refere o ato de liquidação nº 20071997719, no valor de €9.343,01, no montante total de €92.518,64, resultantes de movimento de compensação.

II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 23.º CIRC.

III. Se bem alcançamos a fundamentação da sentença ora recorrida, a indispensabilidade do custo resultou demonstrada, apenas, da produção da prova testemunhal, sendo que daí resultou provado que se o contrato de renúncia ao arrendamento não tivesse sido celebrado, a venda do imóvel em 2004 não se havia concretizado, “Cabendo tal negócio, dentro do objeto da Impugnante, exercício da atividade de compra e venda de bens imóveis, CAE70120, pela qual, a Impugnante se encontrava inscrita na Administração Tributária”.

IV. Importa ter presente que, em sede de tributação em IRC, o lucro tributável tem como suporte o resultado apurado na contabilidade a qual deverá, designadamente, estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo permitindo o controlo do lucro tributável. (cfr. artigo 17º, nº 3, als. a) e b) e do CIRC).

V. E nesta conformidade estando a contabilidade organizada, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte por força do art.º 75º da LGT.

VI. A sentença ora recorrida, baseando-se, exclusivamente, na prova testemunhal deu como assente que o contrato de renúncia ao arrendamento foi celebrado por V..., em vez de o ser em nome da Impugnante, devido “(…) à falta de liquidez da empresa, que à data era ainda a N…, LDA, e pela urgência que o inquilino tinha em mudar as suas instalações, face ao estado de degradação do prédio, cfr facto E).”

VII. De acordo com o RIT – relatório de inspeção tributária, a imputação deste valor ao custo do prédio carece de credibilidade por vários motivos:

“(…) Relativamente a este valor, o único documento justificativo apresentado no decurso desta acção inspectiva consiste numa declaração referente a uma indemnização ocorrida em 15 de Maio de 2001 a favor de J..., NIF ...por benfeitorias relativas a um consultório médico efectuadas no 1.º andar do prédio em causa (vd. anexos)

- a mesma foi efectuada em 2004, ano da venda do prédio , quando a referida declaração se encontra datada de 15 de maio de 2001 surgindo, pois, a sua contabilização extemporânea, relativamente ao período do facto a que respeita;

- não foi apresentado qualquer meio de pagamento comprovativo do mesmo, sendo que apenas se constatou ter sido contabilizado por contrapartida da conta POC 26.8.01.1 – Outros credores e devedores – Sr. V....

- Por outro lado não existem provas de que o contribuinte alegadamente indemnizado tenha realizado benfeitorias e declarado aquele valor para efeitos de IRS sendo que, além disso, consta do sistema informático da DGCI que o mesmo faleceu em 6 de Outubro de 2003. Embora a empresa seja alheia à situação pessoal do referido sujeito passivo, esta não deixa de constituir um elemento relevante para a apreciação da consistência e credibilidade deste encargo.”

VIII. Nesse contrato refere-se no ponto 2.1.3 que o inquilino “desencadeara já algumas acções tendentes à realização coerciva de obras no imóvel.” E que, o segundo contraente (V...), pretende adquirir o imóvel em que se situa o consultório, bem como o edifício contíguo. Ora, se pretende adquirir o edifício pode concluir-se que não era o senhorio do arrendatário, não tendo sido esclarecido quem era o senhorio.

IX. Por outro lado, não sendo o senhorio, não poderia estabelecer com a parte uma renúncia à posição de arrendatário. Quando muito poderia ter celebrado um contrato de trespasse ou cessão do estabelecimento comercial, nos termos em que o fizera por exemplo com o cabeleireiro (que, contrariamente ao alegado pela testemunha, no RIT consta como custo aceite por via do trespasse; do mesmo modo como o trespasse do supermercado, também aceite). Ou seja, nunca o primeiro contraente poderia ter renunciado ao contrato de arrendamento por via do documento apresentado.

X. Na verdade, quer a contabilidade quer o confuso depoimento das testemunhas não merece credibilidade, pois não existem provas de que o contribuinte alegadamente indemnizado tenha realizado benfeitorias e declarado aquele valor para efeitos de IRS, como refere o RIT.

XI. Assim, ao contrario da convicção formada pelo tribunal a quo, não pode, salvo o devido respeito, a Fazenda Pública valorar a produção de prova testemunhal como relevante e, até, decisiva, para a apreciação do requisito da indispensabilidade do custo.

XII. Bem sabe a Impugnante e não pode ignorar que, estabelece o artigo 23.º do CIRC, na redação vigente à data dos fatos tributários, no seu n.º 1, que se consideram “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente (…)”.

XIII. O conceito de indispensabilidade encerra o critério de repartição entre os gastos não aceites e os fiscalmente aceites como elementos negativos da determinação do lucro tributável, “constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 17.º, do Código do IRC.

XIV. Diga-se, desde logo, que este conceito de indispensabilidade tem vindo a ser utilizado, na sua aplicação concreta, segundo uma perspetiva restrita, exigindo a correlação direta entre um gasto suportado e um rendimento obtido (princípio da necessidade) e numa aceção mais lata, que admite a dedutibilidade de qualquer gasto que seja incorrido no âmbito de operações relativas ao escopo societário (ótica económico-empresarial).

XV. O artigo 23.º do CIRC enumera de forma exemplificativa as despesas efetuadas pelas empresas que podem ser consideradas gastos, ou seja, como componentes negativas do resultado líquido do exercício, tendo como elemento preponderante a indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora. Assim não aceitou a Administração Tributária como custos para efeitos fiscais, as verbas assim contabilizadas por entender não contribuírem para a formação de rendimentos sujeitos a IRC nem para a manutenção da fonte produtora, conforme dispõe o artigo 23º do CIRC.

XVI. Não ignoramos que estão vedadas à AT atuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, também não ignoramos que, se a AT duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respetivo escopo societário

XVII. Tendo a Administração Fiscal, posto em dúvida a necessidade do custo contabilizados pela recorrida, competia-lhe provar a existência da indispensabilidade tais despesas o que não logrou fazer.

XVIII. Desta forma, ao contrário do decidido na sentença ora recorrida, não tem o depoimento das testemunhas a virtualidade de contradizer os fundamentos invocados pela Administração Tributária quanto à contabilização extemporânea do custo, e à falta de apresentação de qualquer meio de pagamento comprovativo do mesmo, sendo que apenas se constatou ter sido contabilizado por contrapartida da conta POC 26.08.01.1 – Outros credores- Sr. V....

XIX. Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, apresentou contra-alegações, alegando em sua defesa, o seguinte:

“No que tange à invocação da indispensabilidade dos custos ou gastos para efeitos de apuramento da matéria tributável me sede de IRC (art.º 23.º do CIRC) existe já jurisprudência e doutrina tão sedimentadas na ordem jurídica portuguesa, que se torna desnecessário e fastidioso invocar todos os seus aspetos, razão pela qual a ora recorrida se limita a respigar, para comodidade do Tribunal ad quem, que, conforme decidido no Acórdão proferido no proc. 7424/14.4BCLSB, secção do CT...

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