Acórdão nº 5633/21.9T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18-01-2024

Data de Julgamento18 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão5633/21.9T8BRG-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório (feito com base no relatório da decisão apelada).

AA, residente na Rua ..., em ... e ..., ..., intentou a presente acção declarativa com processo comum contra a BB, residente na Rua ..., em ... e ..., ..., pedindo a sua condenação:
a. A pagar à autora a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;
b. A construir ou reconstruir o seu prédio e moradia tal como se encontra fixada no Alvará de Utilização nº...6 da Câmara Municipal ..., eliminado totalmente a claraboia no seu logradouro, a cave sobre o logradouro em toda a sua extensão de cerca de 81 m e repondo a traseira da moradia tal como consta do projeto aprovado, ou seja, construindo as escadas de acesso do ... para o logradouro com seis degraus, uma varanda ao nível do ..., um logradouro com mais 1,20 metros de aterro do que o existente e com afastamento aprovado da fachada posterior ao limite do Lote ...1 de 10 metros, e a implantar a sua moradia à cota 206, demolindo-se tudo o que no prédio da autora foi feito que contrarie essa realização e o alvará de utilização.
Para tanto e em síntese alegou a autora que é proprietária de uma moradia que confronta com uma moradia de que a ré é proprietária. A moradia da autora está numa quota mais alta do que a moradia da ré, existindo um desnível entre as duas moradias. A autora construiu três muros na sua moradia situados neste desnível. A ré intentou contra a autora uma acção em que alegou que os muros que a autora construiu não respeitaram as boas regras de construção e provocaram o afundamento do logradouro da sua moradia e fissuras no muro de delimitação e na casa de habitação, o que ocorreu por não ter sido implementado um sistema de drenagem das águas pluviais. A autora sustenta que foram respeitadas todas as boas regras na construção dos muros por forma a acautelar a segurança e a estabilidade da moradia da ré, designadamente do logradouro, do muro de delimitação e da casa de habitação. O afundamento do logradouro e as fissuras no muro de delimitação e na casa de habitação resultam de a ré não ter respeitado na construção da sua moradia o alvará e o projecto que foi aprovado. Concretamente, na casa de habitação foi ampliada a cave no subsolo do logradouro e o muro de delimitação foi construído apenas em blocos de cimento, o que está a provocar o afundamento e as fissuras porque o logradouro não está compactado em toda a sua extensão, o que permite a infiltração das águas pluviais provindas da moradia da autora. A autora acrescenta que o logradouro da moradia da ré foi aterrado até ao nível do ... em cerca de 1,20 m a mais do que estava previsto no projecto, ficando a uma altura superior, e foram construídas uma varanda e umas escadas de acesso ao ... com menos degraus, o que torna mais difícil a recepção das águas pluviais provindas da sua moradia. Finalmente, a ré construiu a sua moradia com um afastamento menor do que estava previsto no projecto, o que também torna mais difícil a recepção das águas pluviais.
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A ré contestou alegando que não assiste razão à autora e que os muros que construiu não respeitaram as boas regras de construção e provocaram o afundamento do logradouro da sua moradia e fissuras no muro de delimitação e na casa de habitação, o que ocorreu por não ter sido implementado um sistema de drenagem das águas pluviais que provinham da moradia da autora.
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Foi proferido um despacho a determinar que a autora e a ré, querendo, se pronunciassem quanto ao caso julgado relativamente ao pedido de execução das obras que foi deduzido pela autora porque na acção declarativa com processo comum com o nº4288/18.... do Juízo Central Cível ... (Juiz ...) já foi decidido, por decisão transitada em julgado, que o afundamento do logradouro da moradia da ré e as fissuras no muro de delimitação e na casa de habitação resultaram da inexistência de um sistema de drenagem das águas pluviais nos muros que a autora construiu e o pedido da autora tem como pressuposto que resultaram de a ré não ter respeitado na construção da sua moradia o alvará e o projecto que foi aprovado.
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A autora e a ré pronunciaram-se sobre esta questão.
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Entendendo que o estado do processo permitia conhecer parcialmente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:
“III. Decisão:
Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré do pedido de reposição da moradia de que é proprietária nos termos que constavam do alvará e do projecto que foi aprovado (alínea b) do pedido).”.
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Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“CONCLUSÕES

I. Apesar do elevado respeito que merece o Mº Juiz que proferiu o referido despacho, não pode a Autora conformar-se com a decisão proferida, na parte que decidiu julgar a presente ação parcialmente improcedente e, em consequência, absolver a ré do pedido de reposição da moradia de que é proprietária nos termos que constavam do alvará e do projeto que foi aprovado (alínea b) do pedido), daí o presente recurso.
II. Nos termos do artigo 644º, nº 2, al. b) do CPCivil, cabe o recurso do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
III. Baseia-se a decisão na autoridade de caso julgado na ação comum n.º 4288/18.... (outra ação), mas tal não ocorre in casu.
IV. A Autora alegou em síntese que:
V. A construção da casa da ré não obedeceu ao projeto licenciado pela Câmara Municipal ..., tendo a cave mais 81 m2, construídos de modo a ocupar o subsolo do logradouro, sendo esta desconformidade a causa das fissuras e dos demais danos que a ré afirma terem ocorrido no seu prédio, que não têm, assim, origem no prédio da autora, nomeadamente no muro aí edificado, cuja construção teve em consideração o projeto aprovado para o prédio da ré; Embora o projeto licenciado pela Câmara Municipal ... para a rua onde se situa a casa da ré preveja a construção de vivendas em banda, as moradias aí existentes, incluindo a da ré, estão construídas como vivendas geminadas.
VI. Poderia aqui equacionar-se haver decisão transitada em julgado., se na outra ação estivesse a ser discutida a questão da ilegalidade da cave. Sucede que, essa questão não foi apreciada nessa ação, pois de tal facto só teve a Ré conhecimento posteriormente aos articulados, em 2019, tal como alegou na p.i. nos artigos 31º, 32º, 36º, 37º, 41º, 42º.
VII. Ora, a humilhação sentida pela A., alegada nos artigos 55º a 58º da petição, neste segmento, não depende de qualquer prova a efetuar / efetuada no outro processo, mas sim de provar nos presentes autos a ilegalidade da cave, questão que, como não podia ser discutida nos outros autos, é insuscetível neste de interferir e influenciar a causa dependente, que pudesse destruir ou modificar os fundamentos em que esta se baseia.
VIII. Sem prejuízo de poder entender-se, sem conceder, por força do julgamento anterior, uma leitura restritiva do articulado na petição inicial, ou seja, (se) provada a ilegalidade da cave, esta também contribui (para além dos factos decididos na outra ação) para a verificação dos danos apurados (queda do muro / afundamento do logradouro).
IX. Quanto ao restante peticionado de indemnização, nenhum facto depende de qualquer facto provado nos outros autos ou da sentença final, designadamente quanto ao alegado na petição nos artigos 59º, 60º, 61º, 65º, 66º, 67º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º, 76º, 77º, 78º e 79º, que versam questões não foram discutidas nem alegadas na outra ação e que deverão ser tratadas nestes presentes autos.
X. Sendo que, para reparação da A., não é suficiente a indemnização mas, por exemplo, torna-se necessário averiguar se a construção da Ré está implantada a uma altura superior em 0,985 metros à autorizada, conforme alegado no artigo 71º da petição, com as consequências alegadas nos artigos 72º e ss. da mesma petição.
XI. Sendo que, para além da indemnização pelos danos até à data da sentença, a reposição dos direitos de personalidade e propriedade da Autora apenas se alcança na plenitude legal com a reposição da moradia à altura constante do Alvará de Construção.
XII. Ou seja, tal como peticionado, - A construir ou reconstruir o seu prédio e moradia tal como se encontra fixada no alvará de utilização nº ...6 da Câmara Municipal ..., eliminado totalmente a claraboia no seu logradouro, a cave sobre o logradouro em toda a sua extensão de cerca de 81 m2 e repondo a traseira da moradia tal como consta do projeto aprovado e supra referido, ou seja, construindo as escadas de acesso do ... para o logradouro com 6 degraus, uma varanda ao nível do ..., um logradouro com mais 1,20 metros de aterro do que o existente e com afastamento aprovado da fachada posterior ao limite do Lote ...1 de 10 mts, e a implantar a sua moradia à cota 206, demolindo-se tudo o que no prédio da autora foi feito que contrarie essa realização e o alvará de utilização ...6.
XIII. Também neste segmento entendemos que a prova a produzir quanto a esta matéria, não depende de quaisquer factos no outro processo, mas sim de provar nos presentes autos tais factos e concluir que as ilegalidades da moradia da Ré causaram os alegados danos não patrimoniais à Autora, questões fáticas que, como não vão ser discutida nos outros autos, é insuscetível no presente de interferir e influenciar a causa dependente, que pudesse destruir ou modificar os fundamentos em que esta se baseia, pois os fundamentos deste processo – a ilegalidade da construção da Ré, não...

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