Acórdão nº 5612/21.6T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-06-22

Ano2023
Número Acordão5612/21.6T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO (que se transcreve)

AA, representada por BB, na qualidade de curadora provisória, intentou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra CC e DD, pedindo que:

- Seja declarada nula, por indeterminabilidade do objeto, a procuração que outorgou à 1.ª Ré no dia 9 de novembro de 2015;
- Seja decretada a anulabilidade da mesma procuração, por falta de vontade da Autora;
- Seja decretada a anulabilidade da escritura pública de compra e venda outorgada a 2 de dezembro de 2015, por usura;
- Em virtude das arguidas nulidade e anulabilidade, seja restituída à Autora o valor que a sua moradia inscrita na matriz sob o art. ...90, fração ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...12 da freguesia ..., tiver à data da sentença, de acordo com a peritagem requerida e que se relega para a execução da sentença que condene os Réus.

Alegou, em síntese, que apresenta, desde 1 de novembro de 2015, um quadro de demência, tendo as suas capacidades cognitivas profundamente reduzidas.
Sabendo disso, a 1.ª Ré, sua sobrinha, convenceu-a a outorgar uma procuração, datada de 9 de novembro de 2015, a conferir-lhe amplos poderes, inclusive para vender quaisquer bens do seu património.
Entretanto, a 1.ª Ré, que se encontrava numa situação financeira desesperada, obteve um empréstimo de € 40 000,00 junto do 2.º Réu. Tendo-lhe este exigido uma garantia real de cumprimento da obrigação de restituição da quantia emprestada, a 1.ª Ré, munida da referida procuração, declarou, em representação da Autora, vender ao 2.º Réu, que no mesmo ato declarou comprar, pelo preço de € 63 200,00, de que aquela deu quitação, a moradia supra identificada, que era propriedade da Autora.
Acontece que a Autora nunca quis conferir poderes para a 1.ª Ré transmitir a moradia de que era proprietária, tendo assinado a referida procuração sem ter alcançado o seu sentido, atento o estado de demência em que se encontrava, pelo que a procuração deve ser “anulada por falta de vontade da Autora” (sic). De qualquer modo, a procuração, na medida em que não especifica os bens que a 1.ª Ré podia vender, tem objeto indeterminável e, por isso, deve ser declarada nula nos termos do disposto no art. 280 do Código Civil, o que acarreta, também, a nulidade da venda feita ao 2.º Réu, por falta de poderes de representação da Autora por parte da 1.ª Ré.
Como quer que seja, a compra e venda foi celebrada apenas para conferir uma garantia real de cumprimento do mútuo celebrado entre os Réus. Porque, para esse efeito, o 2.º Réu aproveitou uma situação de desespero da 1.ª Ré, obtendo um ganho ilegítimo, posto que o preço declarado é claramente inferior ao valor da moradia, deve ser considerada como um negócio usurário, o que tem como consequência a sua anulabilidade, nos termos do art. 282 do Código Civil.
Entretanto, o 2.º Réu, que não pagou qualquer preço à Autora, vendeu a moradia a um terceiro. Uma vez que já passaram mais de três anos desde essa venda, esse terceiro beneficia da proteção do art. 291 do Código Civil, o que torna impossível a restituição da moradia à Autora como consequência da invalidade da compra e venda celebrada entre os Réus. Assim, devem os Réus restituir o valor atual da moradia.

Citados os Réus, apenas o 2.º contestou dizendo, também em síntese, que adquiriu a identificada fração confiando na validade da procuração apresentada pela representante da Autora, a quem pagou o preço convencionado. Revendeu a fração em 2017, pelo preço de € 100 000,00, tendo pago € 6 150,00 de comissão à mediadora imobiliária que contratou para esse efeito. No mais, negou o alegado na petição inicial quanto à finalidade que presidiu à aquisição da fração e impugnou, por desconhecimento, o alegado quanto ao quadro de demência da Autora. Disse, finalmente, que o direito da Autora obter a anulabilidade da compra e venda
caducou, uma vez que o seu acompanhante teve conhecimento do ato há mais de três anos.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que se afirmou tabelarmente a verificação dos pressupostos de validade e regularidade da instância.

Seguiu-se a delimitação dos termos do litígio e o enunciado dos temas da prova.

Por despacho de 29 de abril de 2022, a representação da Autora passou a caber a EE, entretanto nomeado como seu acompanhante na ação que, sob o n.º 1151/21...., correu termos pelo Juízo Local Cível ..., Lugar ..., o qual, notificado, ratificou os atos processuais praticados pela anterior representante.

Rejeitado o articulado superveniente apresentado pela Autora, realizou-se audiência de discussão e julgamento.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

- “Nestes termos, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência,
Declarar a nulidade, por indeterminabilidade do objeto, da procuração outorgada pela Autora, AA, no dia 9 de novembro de 2015, autenticada, na mesma data, no Cartório da Notária ..., na parte em que confere poderes à Ré CC poderes para, em sua representação, “Comprar, prometer-comprar, vender, prometer-vender, permutar, pelo preço que entender quaisquer bens móveis (incluindo automóveis) ou imóveis da Outorgante, podendo assinar contratos-promessa aos quais poderá atribuir eficácia real”;
Declarar a ineficácia em sentido estrito, em relação à Autora, AA, do contrato de compra e venda celebrado entre a Ré CC e o Réu DD, através de escritura pública lavrada no dia 2 de dezembro de 2015, na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis ..., pelo qual a 1.ª declarou vender, na qualidade de representante da Autora, e o 2.º declarou, comprar, pelo preço de € 63 200,00, a fração autónoma, destinada à habitação, identificada pela letra ..., correspondente ao ... e ... andar, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito no lugar ... – ..., freguesia ... (... e ...) e ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...90 e inscrito na CRP sob o n.º ...12;
Absolver os Réus, CC e DD, do demais peticionado pela Autora, AA;
Condenar a Autora, AA, e os Réus, CC e DD, no pagamento das custas, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam em ½ para a primeira e ½ para os segundos.”

Inconformado com a sentença dela veio recorrer o 2º Réu formulando as seguintes conclusões:

1. A Autora/recorrida, intentou a presente ação declarativa, contra a 1ª R. CC, sua sobrinha, e o 2º R. DD, ora recorrente, pedindo, entre outras coisas, que fosse declarada nula, por indeterminabilidade do objeto, a procuração que outorgou à 1.ª Ré no dia 9 de novembro de 2015.

2. No uso dessa procuração, a 1ª R. tinha vendido ao 2º R., a 2 de dezembro de 2015, o imóvel identificado no ponto 3. dos factos provados.

3. Contestou o 2º R. dizendo, entre outras coisas, que a A. sabia que estava a dar poderes à sua sobrinha (1ª R) para vender a sua única casa, sita em ..., nas condições que a mesma entendesse (artº 30º contestação), e por isso o objecto não era indeterminável (artº 34º contestação).

4. Feita a instrução da causa, foi proferida douta sentença, que começou por enunciar as questões a decidir, sendo a primeira a de saber se a procuração outorgada pela Autora/recorrida tinha um objeto indeterminado.

5. No ponto 5. dos factos provados foi dado por assente o teor da procuração outorgada pela Autora/recorrida a favor da 1ª R., dia 9 de novembro de 2015, no cartório notarial .... FF.

6. Após ter feito algumas considerações de direito sobre a procuração, e citado jurisprudência a propósito da indeterminabilidade do seu objecto, o Tribunal a quo entrou na parte decisória propriamente dita, tendo concluído que:
- procuração mais não exprima que um poder genérico para praticar atos de disposição e oneração do seu património o que, à luz do que vimos, é insuficiente para que determinar o respetivo objeto;
- Nenhum facto existe que permita concluir que a Autora quis conferir poderes à 1.ª Ré para vender um concreto prédio existente no seu património, mais concretamente a identificada fração autónoma. Desconhece-se mesmo se tal fração era o único imóvel existente no património da Autora;
- na medida em que não expressa poderes específicos para a venda de um concreto imóvel, mas de qualquer imóvel existente no património da Autora, tem objeto indeterminado;
Não havendo elementos que permitam individualizar esse objeto, ele tem de ser também considerado indeterminável, o que implica que, nesta parte, a procuração seja irremediavelmente nula.

7. Em face disso, julgou o Tribunal a quo a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou a nulidade, por indeterminabilidade do objeto, da procuração outorgada pela Autora/recorrida no dia 9 de novembro de 2015 a favor da 1ª R.

8. Com o devido respeito, parece-nos ter existido erro de julgamento na apreciação da prova pelo Tribunal a quo.

9. O juízo de prova vertido na sentença recorrida cinge-se ao teor da procuração, dado por assente nos factos provados (ponto 5), tendo o Tribunal a quo desconsiderado outros meios de prova produzidos perante si e que seriam de molde a infirmar as conclusões a que o mesmo chegou e acima plasmadas no ponto 6. Destas conclusões.

10. Esses meios de prova são o depoimento da testemunha BB (prestado na audiência de julgamento do dia 12/01/2023, entre as 10:25:49 e as 11:07:39, com o tempo de 00h41m 49s ) e as alegações orais do Ilustre Mandatário da Autora/recorrida (prestado na mesma data entre as 14:46:52 e a 15:01:26, com o tempo de 00:14:33).

11. Do depoimento desta testemunha resulta que já era vontade de Autora/recorrida vender a casa e que por isso não se importou em ter sido vendida, podendo concluir-se que essa vontade foi expressa e materializada na procuração outorgada à 1ª R.

12. E das alegações do Ilustre Mandatário...

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