Acórdão nº 56/14.9T8ACB-W.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 12-04-2023

Data de Julgamento12 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão56/14.9T8ACB-W.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Apelação nº 56/14.9T8ACB-W.C1

Tribunal recorrido: Comarca de Leiria - Alcobaça - Juízo Comércio - Juiz ...

Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: Maria João Areias

Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos autos de insolvência referentes a A..., S.A., veio B... Dac – habilitada nos autos para ocupar o lugar do credor Banco BPI, SA – requerer que a Sr.ª Administradora da Insolvência fosse notificada para apresentar o mapa de rateio parcial previsto no n.º 2 do art.º 178.º do CIRE, alegando, em resumo, que, estando liquidada uma parte do acervo patrimonial – designadamente a verba n.º 37 sobre a qual incide a garantia do seu crédito –, estão reunidas as condições exigidas na lei (citado art.º 178.º) para a elaboração do mapa referido.

Tal requerimento veio a ser indeferido por despacho de 25/01/2023 com o seguinte teor:

O credor reclamante “B... DAC” veio requerer que produto da liquidação da verba n.º 37 lhe fosse distribuído ao abrigo de um rateio parcial, nos termos do disposto no art. 178.º CIRE. Alega que o imóvel descrito sob a verba n.º 37 já foi vendido e que estão reunidos os pressupostos que permitem proceder ao rateio parcial do produto da liquidação dessa verba.

Cumpre apreciar e decidir.

Verificado os pressupostos previstos no art. 178.º do CIRE, é possível distribuir pelos credores da insolvência o produto da liquidação dos bens apreendidos antes da elaboração do rateio final.

Ponto é que já exista uma sentença de verificação e de graduação de créditos transitada em julgado. Com efeito, um dos requisitos implícitos ao pagamento dos credores no âmbito de um rateio parcial do produto da liquidação é o “respeito pela hierarquia dos créditos a satisfazer” (Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2013, anotação ao art. 178.º, pág. 694). Ou seja, está subjacente ao rateio parcial a existência de uma graduação dos créditos reconhecidos. A norma que estabelece que o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado (art. 173.º do CIRE)é igualmente aplicável aos rateios parciais.

Ora, no caso vertente, ainda não foi proferida a sentença de verificação e de graduação de créditos. Ou seja, ainda que o crédito reclamado pelo credor tenha sido reconhecido pelo Administrador da Insolvência e não tenha sido impugnado, o certo é que ainda não foi reconhecido judicialmente, nem graduado face aos demais créditos reclamados.

Assim, atento o disposto no art. 173.º do CIRE, indefere-se o requerido pagamento do crédito reclamado pelo credor “B... DAC” com o produto da venda da verba n.º 37”.

Inconformada com essa decisão, a credora B... Dac. veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

I. A 21/12/2022, o ora Recorrente deu entrada de requerimento nos autos de insolvência, o qual instrui o presente recurso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. No aludido requerimento, o ora Recorrente fez menção às recentes alterações legislativas ao disposto no artigo 178.º do CIRE, e à verificação de todos os pressupostos para que, no caso concreto, se procedesse à realização de rateio parcial pelo produto da venda de um dos imóveis apreendidos para a massa insolvente, verba 37, sobre o qual detém garantia hipotecária.

II. Na sequência do requerido pelo ora Recorrente, veio o douto tribunal a quo a decidir indeferir o requerido pelo Recorrente, atento o disposto no art. 173.º do CIRE, porquanto ainda não foi proferida a sentença de verificação e de graduação de créditos.

Ora,

III. Resulta da redação dada pela Lei nº 9/2022 de 11-01-2022, Artigo 2.º - Alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Medidas de Apoio e Agilização dos Processos de Reestruturação das Empresas e dos Acordos de Pagamento), ao art.º 178.º do CIRE, que:

“1 - É obrigatória a realização de rateios parciais das quantias depositadas à ordem da massa insolvente sempre que, cumulativamente:

a) Tenha transitado em julgado a sentença declaratória da insolvência e o processo tenha prosseguido para liquidação do ativo nos termos previstos no capítulo III do título VI;

b) Esteja esgotado o prazo de impugnação da relação de credores previsto no artigo 130.º sem que nenhuma impugnação tenha sido deduzida, ou, tendo-o sido, se a impugnação em causa já estiver decidida, seja nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 131.º seja por decisão judicial, aplicando-se o disposto no n.º 1 do artigo 180.º caso a decisão não seja definitiva;

c) As quantias depositadas à ordem da massa insolvente sejam iguais ou superiores a 10 000 € e a respetiva titularidade não seja controvertida;

d) O processo não se encontre em condições de elaboração do rateio final.”

IV. Analisando e subsumindo os factos à verificação dos pressupostos impostos pela Lei, sempre se dirá que o rateio parcial obrigatório deveria ter sigo ordenado pelo Tribunal a quo,

V. No presente processo, a sentença de declaração de insolvência transitou em julgado em 06-10-2015. A Recorrente é credora garantida, com crédito reconhecido no valor de € 2.423.775,00, sobre o produto da venda da verba 37 do auto de apreensão, que corresponde ao Lote 92.

VI. O crédito da aqui Recorrente não foi alvo de quaisquer impugnações, tendo sido reconhecido pela Sra. Administradora de Insolvência na lista prevista no artigo 129. do CIRE. Sobre o mesmo prédio foram reconhecidos créditos privilegiados da Fazenda Nacional, referentes a IMI.

VII. Nenhum dos créditos suprarreferidos foi objeto de impugnação, mostrando-se já ultrapassados os prazos para que tais créditos venham a ser impugnados, pelo que são créditos não controvertidos.

VIII. Existem quantias depositadas à ordem da massa insolvente substancialmente superiores a 10 000 €.

IX. No dia 23.11.2022 foi celebrada a escritura de compra e venda da referida verba 37 do auto de apreensão, sobre a qual a ora Recorrente detinha garantia hipotecária. O preço da venda da referida verba ascendeu a €1.720.000,00 (um milhão, setecentos e vinte mil euros), valor que se encontra já depositado na conta da massa insolvente.

X. Tendo em consideração que apenas a Recorrente e a Fazenda Nacional reclamaram créditos com prioridade para ser pagos pelo produto da venda da Verba n.º 37 do auto de apreensão, facilmente se verifica que a respetiva titularidade do montante resultando da venda do imóvel não será controvertida.

XI. Neste circunstancialismo, dúvidas não existirão que tal valor terá de ser afeto ao pagamento das custas do processo e dos créditos reclamados e reconhecidos nos termos em que o foram pela MI Administradora de insolvência, como crédito privilegiado (Fazenda Nacional) e garantido (recorrente).

XII. Finalmente, verifica-se que o processo não se encontra em condições de elaboração do rateio final, uma vez que não se encontra liquidado todo o ativo da insolvente.

XIII. Enferma o Douto despacho de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 178.º do CIRE, na redação dada pela Lei nº 9/2022 de 11-01-2022, Artigo 2.º - Alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Medidas de Apoio e Agilização dos Processos de Reestruturação das Empresas e dos Acordos de Pagamento), resultando assim numa incorreta decisão.

XIV. Estabelece o artigo 173.º do CIRE “O pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado.”

XV. E prevê a alínea b) do n.º 1 do artigo 178.º do CIRE “É obrigatória a realização de rateios parciais das quantias depositadas à ordem da massa insolvente sempre que (…) Esteja esgotado o prazo de impugnação da relação de credores previsto no artigo 130.º sem que nenhuma impugnação tenha sido deduzida, ou, tendo-o sido, se a impugnação em causa já estiver decidida, seja nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 131.º seja por decisão judicial, aplicando-se o disposto no n.º 1 do artigo 180.º caso a decisão não seja definitiva”

XVI. Prevê, pois, o artigo 178.º do CIRE que o rateio parcial poderá ocorrer sem que tenha, ainda, transitado em julgado sentença de graduação de créditos, porquanto admite que o rateio parcial ocorra após o decurso do prazo de impugnação previsto no artigo 130.º do CIRE sem que tenha havido impugnação ao crédito, ou, mesmo que tal impugnação tenha sido deduzida, se a mesma já foi decidida.

XVII. Ora, decorrem daqui, manifestamente, dois regimes diversos:

- O do artigo 173.º, geral, aplicável à generalidade dos créditos, que apenas serão pagos após trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação,

- E o do artigo 178.º, especial, o qual admite que sejam efectuados pagamentos no âmbito de rateio parcial, conquanto os créditos a satisfazer não tenham sido impugnados no prazo legalmente estabelecido ou, tendo-o sido, tenham tais impugnações sido já decididas.

XVIII. O douto despacho em crise não atendeu às diferenças entre os regimes aludidos, designadamente à prevalência do regime especial sobre o regime geral, assim fazendo uma incorrecta aplicação da lei.

Sem conceder,

XIX. Foi publicada em 2020 a lei n.º 75/2020, de 27/11, que veio aprovar um regime excepcional para fazer face à crise imposta pela pandemia COVID-19 e que no seu citado artigo 16º previa a obrigatoriedade de realização de rateio parcial.

XX. Em face da alteração, muitas questões se levantaram quanto à possibilidade de virem a ser efetuados rateios parciais em processos nos quais não havia ainda Sentença de Verificação e graduação de créditos.

XXI. Entende o Recorrente que tais questões foram sendo resolvidas de forma a respeitar os interesses visados proteger pelo legislador, tendo inclusivamente dado lugar a acórdãos como o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo n.º 956/14.6TBVRL-W.G1, cuja consulta...

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