Acórdão nº 558/20.8T8PTM-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09-02-2023
Data de Julgamento | 09 Fevereiro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 558/20.8T8PTM-A.E1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
No processo de inventário (competência facultativa), que corre termos no juízo e processo supra identificado, para partilha de bens do extinto casal, que foi constituído por AA e BB, em 15-06-2022, foi proferido despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento apresentado pela interessada AA, lendo-se na fundamentação do decidido:
«(…)
No caso concreto, o cabeça-de-casal apresentou a relação de bens que consta de fls. 33 e ss.
Notificada, veio a interessada apresentar a reclamação que consta de fls. 51 e ss. e cujos fundamentos aqui se dão por reproduzidos.
O cabeça-de-casal, notificado e mediante o pagamento de multa (ref. 123792358 e 124022643), vem apresentar a sua resposta à contestação da interessada – fls. 105 e ss.
Entretanto, de forma inopinada, vem a interessada apresentar novo articulado para, desta forma, responder à resposta do cabeça-de-casal – Fls. 117 e ss (ref. 9934495).
Conforme decorre do supra exposto, o processo de inventário tem regras claras e próprias:
- o cabeça-de-casal apresentou a relação de bens – art. 1102º CPC (a relação de bens deve ser apresentada nos termos do disposto no art. 1098º CPC)
- a interessado foi notificada para, querendo, reclamar – art. 1104º CPC;
- o cabeça-de-casal foi notificado para responder - art. 1105º CPC, tendo apresentado a sua
reposta a fls. 106 e ss.
Ora, a seguir a esta “resposta” não existe qualquer outro articulado, por conseguinte, ao apresentar o articulado junto a fls. 117 e ss., a interessada extravasa o legalmente admissível – arts. 1105º do CPC.
Assim, o articulado de fls. 117 e ss. apresentado pela interessada na sequência da “resposta” do cabeça-de-casal à sua contestação não tem qualquer cabimento legal, configurando um acto nulo, porque não permitido por lei, pelo que determino o seu desentranhamento e remessa à parte.
Custas a cargo da interessada.
DN pela sua eliminação do sistema informático (ref. ref. 9934495).»
Inconformada, a interessada AA interpôs recurso, apresentando a seguintes CONCLUSÕES:
«1. O presente recurso é interposto da decisão que determinou o desentranhamento do requerimento apresentado pela Interessada (Ref. 9934495) em resposta ao aditamento de bens à relação de bens, bem como aos créditos aditados/alegados pelo Cabeça-de-casal sobre a Interessada, requerendo desde já a atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
2. Considerando as diligências previstas na tramitação dos presentes autos, deverá ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, sob pena de afetar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas.
3. Termos em que deverá ser atribuído efeito suspensivo ao recurso.
4. Da decisão recorrida resulta por um lado a determinação de não admissão do articulado da Interessada em resposta aos factos novos aditados na resposta do Cabeça-de-casal, pelo cabeça-de-casal, sendo determinado o desentranhamento da peça processual, por outro lado a omissão do Tribunal quanto aos alegados factos novos, tanto que, na parte final da decisão refere a decisão recorrida – mantendo, no essencial os termos da relação de bens que apresentou – não vemos como pôde o Tribunal a quo decidir assim, quando foram aditados bens e direitos de crédito.
5. Ora, aquando da Resposta à impugnação/reclamação da interessada, o cabeça-de-casal na sua resposta referiu o seguinte: “O cabeça de casal, durante o período que mediou, entre a junção da Relação de Bens e a presente Resposta à Reclamação de bens, efetuada pela Interessada, detetou a existência de outros bens a serem relacionados, assim como direitos de crédito que detém, relativamente à interessada, os quais vem requerer a V. Exa. o seu aditamento, nos seguintes termos: …”.
6. Salvo melhor opinião, sempre teria a Interessada o Direito de se pronunciar acerca do aditamento efetuado pelo Cabeça-de-casal, a menos que o Tribunal tomasse posição clara de não admitir tal aditamento, o que não resulta da decisão recorrida, conforme se lê.
7. Da decisão recorrida, não resulta que em momento algum tenha a interessada, ora recorrente oportunidade para se pronunciar quanto aos factos novos. O exercício do contraditório tão pouco foi relegado para audiência prévia cuja data foi designada.
8. Estamos claramente perante a alegação de factos novos, recorde-se que foram aditados bens à relação de bens inicialmente apresentada pelo Cabeça-de-casal bem como Direitos de crédito do Cabeça-de-casal sobre a interessada.
9. A circunstância de o processo de inventário ter regressado ao CPC evita uma exaustiva regulação de todos os aspectos relevantes, dado que são aplicáveis à tramitação desse processo as disposição da parte geral do CPC, bem como as regras respeitantes à tramitação do processo comum de declaração que se mostrem compatíveis com o inventário judicial (art.º 549.º n.º1). Deste modo, a regulação deste processo especial apenas deve conter os seus aspectos específicos, não sendo necessário prever tudo o que é aplicável por via do art. 549.º n.º1. – cfr. “O Novo Regime do Processo de Inventário e outras Alterações na Legislação Processual Civil, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes, Pedro Pinheiro Torres – Almedina 2020
10. O princípio do contraditório constitui um princípio estruturante no nosso regime processual civil e tem assento legal no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, estabelecendo a obrigatoriedade de cumprimento ao longo de todo o processo, estando vedado ao juiz decidir questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, salvo caso de manifesta desnecessidade.
11. O princípio do contraditório deve ser conjugado com outros princípios igualmente estruturantes do processo civil, como sejam, entre outros, o princípio da igualdade das partes (artigo 4.º do CPC), o princípio da adequação formal (artigo 547.º do CP) e o princípio da boa-fé processual (artigo 8.º do CPC), sempre submetidos à concreta tramitação legal para cada espécie processual, em ordem a munir o tribunal de todos os factos e provas que lhe permitam proferir uma decisão justa e equitativa como imposto pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e que corresponda a uma tutela jurisdicional efetiva (n.º 5 do mesmo preceito)...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO