Acórdão nº 558/20.8T9VCD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 21-02-2024

Data de Julgamento21 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão558/20.8T9VCD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 558/20.8T9VCD.P1
1ª secção criminal

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal singular), nº 558/20.8T9VCD.P1 do Juízo Local Criminal de Vila do Conde, juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, os Arguidos AA, nascido a ../../1981 também constituído Assistente - , BB- nascido a ../../1974 também constituído Assistente e CC nascido a ../../1988, foram submetidos a julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte decisória consta o seguinte:

(…)

Nestes termos, julgo a pronúncia improcedente, por não provada, e absolvo os arguidos dos crimes que lhes eram imputados.

Absolvo ainda o arguido CC dos pedidos de indemnização cíveis contra si deduzidos.

Custas penais pelos assistentes, fixando-se as mesmas no mínimo legal – cfr. art. 515º, n.º 1, al. a) do CPP, sem prejuízo de apoio judiciário.

Sem custas cíveis no tocante aos pedidos de indemnização cíveis deduzidos pela Unidade Local de Saúde de Matosinhos E.P.E. e BB, atento o valor dos mesmos – fixando-se os mesmos em € 85,91 e € 800,00, respetivamente, cfr. art. 297º do CPC, estando tais pedidos isentos do pagamento de custas nos termos do art. 4º, n.º 1, al. n) do RCP.

Custas do pedido cível deduzido por AA pelo mesmo, fixando-se o valor do pedido deduzido em € 2.203,50 – cfr. arts. 297º e 527º do CPC.

(…)


*

Inconformados, os Assistentes AA e BB, interpuseram recurso no qual formulam as seguintes conclusões:

(…)

O tribunal recorrido absolveu os 3 arguidos dos crimes de que vinham acusados/pronunciados, pois entendeu não ter ficado suficientemente esclarecido quanto aos contornos das agressões perpetradas.

Aplicou o princípio in dúbio pro reo.

CC foi absolvido da prática de 1 crime de dano, previsto pelo art. 212º do CP dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, previsto pelos arts. 143º, n.º 1, 145º, n.º 1, al. a) e 2 e 132º, n.º 2, al. h), do CP, um na pessoa do ofendido BB e outro na pessoa do ofendido AA, na forma tentada, e quatro crimes de injúria, previstos pelo art. 181º do CP.

É contra esta absolvição que os recorrentes e insurgem.

O Tribunal a quo fundou a sua convicção na apreciação e análise crítica de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, segundo juízos de experiência comum e o princípio da livre apreciação (art. 127º do CPP).

A prova produzida em audiência de julgamento devia ter sido valorada no sentido de convencer e esclarecer o Tribunal quanto à concreta dinâmica do sucedido.

Entendeu o Tribunal a quo que o facto da esposa do arguido AA, a testemunha DD, não ter feito nada perante a tentativa de agressão ao seu marido suscita estranheza, apesar de ser “abstratamente possível”.

É da experiência comum que, perante um cenário de violência iminente, há 3 formas de agir: intervir e/ou agredir; fugir ou ficar “em choque” e, naquela fração de segundos não conseguir agir, o que foi o caso.

Ao ver o seu marido ser perseguido pelo arguido CC, que empunhava uma faca na mão, com o objetivo de o atingir, a esposa DD teve uma reação perfeitamente normal, que foi não reagir.

10º

Pior teria sido se tivesse intervindo, pois a probabilidade de sair ferida do episódio seria muito alta, enfurecendo ainda mais o agressor ao aproximar-se.

11º

Se o Tribunal a quo considera o cenário relatado pelos recorrentes “abstratamente possível” sempre teria de ter dado o benefício da dúvida. Não se pode aceitar que tenha decidido como se pura e simplesmente fosse mentira.

12º

O facto de o arguido CC, enquanto se mantinha quase manietado por BB, ter tido ângulo de movimento para utilizar a alegada faca, raspando-a na lombar de BB afigura-se “muito pouco credível” para o Tribunal a quo.

13º

Ora, estando a ser agarrado pela parte superior dos braços, o cotovelo de CC ficou livre, o que lhe permitiu fazer movimentos ascendentes e descendentes com a faca, rasgando o casaco do BB, cujo tecido era fino, como o próprio disse.

14º

É perfeitamente possível, tal era a ira do arguido CC que, estando manietado pelo BB, continuava a não tirar os olhos do arguido AA, que desde o início foi sempre o seu alvo.

15º

BB deixou o CC fugir porque sentiu a ponta da referida faca a tocar-lhe na lombar.

16º

Mesmo sabendo que o objetivo de CC era atingir AA e não a ele, BB não arriscou (e bem), pois poderia ter saído ferido deste episódio com a utilização da faca.

17º

Não tem sentido a afirmação feita pelo Tribunal a quo de que o BB não deixou “sequer o arguido AA ter tempo para se colocar em segurança”.

18º

Se o BB sentisse a faca no seu corpo e mantivesse CC agarrado só para o AA fugir é que teria sido estranho.

19º

A forma como BB e AA descreveram o sucedido foi espontânea e credível, apesar de não ter sido valorada como tal.

20º

O depoimento da testemunha EE estava dotado de “credibilidade adicional” por não ser a atual companheira de CC, nem familiar de qualquer outro arguido, tendo menos interesse no desfecho dos autos.

21º

EE era companheira de CC à data dos factos e depôs favoravelmente à versão deste quando foi ouvida na esquadra pelo OPC. De estranhar seria que viesse alterar a sua versão dos factos em sede de audiência de julgamento.

22º

Após ter sido rasteirado por BB e caído no chão de paralelos, CC foi levado em braços por AA e BB, até à sua companheira, EE.

23º

O que causou estranheza ao Tribunal a quo porquanto considera que BB e AA estavam a agir como se nada se tivesse passado e que deveriam ter mantido alguma distância de segurança, preocupando-se com o bem-estar próprio.

24º

CC tinha acabado de cair, numa estrada de paralelos, a alta velocidade e estava visivelmente magoado.

25º

A faca já não estava na sua posse porque com a queda caiu.

26º

Nem BB nem AA temiam ali, naquele exato momento, pela sua integridade física porque CC estava muito debilitado.

27º

Quiseram deixá-lo com a sua namorada EE e não devem ser penalizados por isso.

28º

Apesar de considerar este comportamento “abstratamente possível”, o Tribunal a quo não o considera “habitual” ou “normal” e decide contra BB e AA.

29º

CC menciona uma testemunha presencial, de nome FF, que teria passado de carro e assistido a AA, num golpe de mata leão, “quase asfixiar” CC.

30º

Nas suas declarações, CC refere quase ter perdido os sentidos, chegando mesmo a vomitar.

31º

Segundo este arguido, FF terá parado o carro em frente a AA (e CC), baixou o vidro da janela e ainda proferiu as seguintes expressões: “Larguem o rapaz”.

32º

Permaneceu lá um tempo e, entretanto, também chega a EE e diz para o largarem.

Refere não fazer ideia se o FF ia acompanhado no carro.

34º

Contudo, afirma que quando a EE chega ao local, o FF ainda lá estava, o que é contrariado pelo depoimento desta.

35º

EE refere que ouviu gritos, desceu e viu CC a ser agarrado pelo pescoço por AA. Estavam lá, nas palavras desta testemunha, BB e DD (esposa de AA).

36º

Dada a importância desde depoimento para a descoberta da verdade, o Tribunal a quo, oficiosamente, requereu (e bem) a sua inquirição como testemunha, nos termos do artigo 340º do CPP.

37º

Ouvido em sede de audiência de julgamento, a referida testemunha disse ser falso o

referido pelo arguido CC, deitando por terra assim qualquer credibilidade que este (ainda) pudesse ter.

38º

A negação dos acontecimentos por parte de FF pode, para o Tribunal a quo, “decorrer duma tentativa de desligamento relativamente à confusão entre os arguidos”, o que não se concebe!

39º

Se por acaso a testemunha tivesse confirmado os factos narrados por CC, já seria um depoimento credível?

40º

O arguido CC não só não foi prejudicado com esta mentira que nitidamente carreou para os autos, como ainda saiu beneficiado!

41º

O próprio CC revela confusão relativamente a quem o terá agredido pois, em sede de instrução, requer que também DD seja constituída arguida e pronunciada pelo crime de ofensa à integridade física na sua pessoa.

42º

Quando chega ao Hospital Pedro Hispano, para onde foi levado após ter caído no paralelo e se ter magoado, informa que foi agredido por três indivíduos.

43º

Entretanto, como não houve sequer a constituição de arguida da DD (nem podia haver, legalmente, nesta fase do processo), CC alterou o seu discurso e afinal os agressores passam a ser dois (AA e BB).

44º

DD terá ficado inerte.

45º

Em momento algum CC referiu ter sido agredido na zona da face, nomeadamente no lábio, mas a testemunha GG (amigo de CC) refere que as escoriações que viu foi precisamente na cara, no lábio, de CC.

II – Vícios da Sentença recorrida:

46º

A forma como o Tribunal a quo apreciou as provas disponíveis revela uma clara violação do artigo 127º do CPP. Extraiu conclusões que plasmou na matéria de facto provada que não tem assento razoável, nem lógico, na prova efetivamente produzida, mormente por todas as declarações ouvidas em audiência de julgamento.

Dos Factos que foram indevidamente dados como provados:

47º

2.) “Por razões não concretamente apuradas, no dia 11 de março de 2020, o arguido BB sofreu uma escoriação superficial no dorso da mão esquerda as quais demandaram para a sua cura/consolidação 5 dias, sem afetação da capacidade para o trabalho profissional.”

48º

3) “Por razões não concretamente apuradas, também no dia 11 de março de 2020, o arguido CC sofreu várias escoriações no flanco, na região torácica antero superior esquerda, no braço esquerdo, em ambas as mãos e trauma na região lombar, dor paravertebal lombar direita com 8 dias de incapacidade total.”

49º

Estes 2 factos deverão ser expurgados do seu teor conclusivo e no seu teor factual

foram erradamente julgados provados, uma vez que inexiste prova que sustente tal decisão.

50º

Há provas que impõem que se dê como provado o motivo que levou a que tanto BB como CC sofressem as referidas escoriações.

BB apresenta escoriações no dorso da mão esquerda por ter sido agredido por CC com uma garrafa de vidro.

52...

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