Acórdão nº 5495.21.6T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-09-22

Ano2022
Número Acordão5495.21.6T8GMR-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

1. RELATÓRIO

No âmbito de processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, a requerente M. B. veio pedir contra o ainda marido, R. M., nos termos do art.º 931.º, n.º 7, do C.P.C., que o imóvel sito na Quinta ... ou Travessa ... lhe seja atribuído durante a pendência da acção, como casa de morada de família.

Foi ordenado o contraditório, nos termos do art.º 990.º do C.P.C., tendo-se determinado a realização de uma tentativa de conciliação, que se gorou, e notificado o R. para deduzir, querendo, oposição, o que este fez.
O Requerido opôs-se, concluindo que deverá o pedido da Requerente ser julgado totalmente improcedente por legalmente inadmissível, ou, subsidiariamente, julgar-se procedente o peticionado pelo Requerido, por provado, atribuindo-se o direito de habitação da casa de morada de família ao mesmo.
Após, o Tribunal decidiu, anunciando que, sic: “De acordo com o art. 931.º, n.º 7, do C.P.C., entre o mais, a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode o tribunal fixar um regime provisório quanto à utilização da casa de morada da família, após ordenar a realização das diligências que considerar necessárias: o que foi feito, convocando-se uma tentativa de conciliação e dado o contraditório, como acima referido. Para tal decisão, não vê o tribunal necessidade de ouvir testemunhas, não havendo nulidades, questões prévias ou incidentais a conhecer e que obstem à prolação de decisão, nos termos do art.º 931.º n.º 7, do C.P.C.”

A final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Por tudo quanto ficou exposto julga-se o presente incidente procedente, atribuindo-se provisoriamente à requerente a utilização da casa de morada da família nos termos do art.º 931.º, n.º 7, do C.P.C. até ao divórcio das partes.
Custas do incidente pelo requerido por ter deduzido oposição e ter decaído, art.º 527.º do C.P.C. .”

Inconformado com esta decisão, o Requerido recorreu, formulando as seguintes

Conclusões

A)- Por sentença proferida no presente apenso, tribunal a quo julgou totalmente procedente o pedido efectuado pela Requerente, aqui, Recorrida, a quem atribuiu provisoriamente o direito de habitação da casa de morada de família, decisão com que o Recorrente não se pode conformar.
B)- Na petição inicial e na respectiva oposição, Recorrida e Recorrido alegaram , que no entender de cada uma das partes justificam a não atribuição do direito provisório de habitação, ou que o mesmo seja atribuído a cada uma delas, respectivamente.
C)- Nomeadamente factos atinentes à capacidade patrimonial de cada um, às circunstâncias da permanência ou não no imóvel que já foi casa de morada de família, à situação legal e jurídica do imóvel enquanto património de terceiros, à necessidade reclamada de cada um para que o tal direito, lhe seja atribuído.
D)- Para tal juntaram e requereram a produção de prova documental e testemunhal.
E)- Tais factos, alegados com vista à avaliação e confronto da posição das partes em conflito, reconduzem-se ao critério enunciado no nº 1 do art. 1793º do Código de Processo Civil (CPC), do interesse das partes e dos filhos.
F)- A sentença recorrida não analisa nenhum do conjunto de factos alegados por ambas as partes, determinantes para a integração no supramencionado critério para atribuição do direito peticionado, à excepção do que se reporta à situação de facto existente à data da propositura da acção, que consiste na actual ocupação do mesmo pela Recorrida, facto este em que assenta totalmente a ratio decidendi e que a decisão proferida acolhe para decidir a favor da Recorrida.
I- Nulidade por omissão de pronúncia:
G)- A prova documental e testemunhal requerida na oposição apresentada pelo Requerido iria versar sobre toda a matéria da mesma, no que toca à impugnação do alegado pela Requerente e no que toca aos contra-factos que o mesmo alegou para justificar a atribuição a si do direito de habitação.
H)- Todo este conjunto de factos alegados e de versões contraditórias entre si, relativamente aos quais foi indicada e requerida prova documental e, sobretudo, prova testemunhal, foram ignorados na sentença, não tendo merecido qualquer juízo de ponderação por parte do tribunal a quo e sem que se permitisse que toda a prova oferecida por ambas as partes fosse produzida de forma justa, sujeita a contraditório e em condições de igualdade de armas, com vista a uma decisão informada e fundamentada.
I)- Sendo, por isso, as conclusões expressas nos quatro primeiros parágrafos da fl. 4 da sentença carecidas de fundamento, pois não se conheceram de todos os argumentos e questões suscitados.
J)- Os mesmos constituem factores essenciais no confronto de posições entre as partes, a dirimir pelo tribunal a quo, integrantes e constitutivos do critério norteador do nº 1 do art. 1793º do Código Civil (CC), e determinantes para a prolação da decisão de mérito e para justa composição do litígio.
L)- Sem permitir que se produza prova quanto aos factos alegados pelas partes, os quais são determinantes na necessária ponderação de interesses em causa, porquanto são condição sine qua non para aferir se o direito peticionado é conferido a uma ou a outra das partes em presença, incorreu o tribunal a quo, na sentença proferida, em omissão de pronúncia, a qual acarreta a nulidade da sentença, aqui, na sua totalidade, pois afecta a totalidade do objecto da causa.
M)- Nulidade essa prevista na al. d) do nº1 do art. 615º do CPC, que expressamente se argui.
N)- Consideram-se violados os arts. 3º nº 3 e 4º, ambos do CPC, e os princípios do contraditório e da igualdade de armas, ali, respectivamente, ínsitos, bem como o dever de pronúncia sobre todas as questões suscitadas pelas partes, a que se refere o art. 608º nº 2, 1ª parte, do CPC.
II- Da omissão de formalidades impostas pela lei:
O)- O art. 986º nº1 do CPC remete para os arts. 292º a 295º do mesmo diploma.
P)- O art. 295º do CPC determina a realização de produção de prova e, a final, a realização de alegações orais [em audiência] pelos mandatários das partes.
Q)- O nº 2 do art. 986º do CPC, em expressão do princípio inquisitório, faculta ao juiz o poder/dever de “investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes”.
R)- Em ambos os casos, não foi feita ponderação do interesse e utilidade das provas requeridas, tendo sido dispensadas sem mais a título de questões paralelas entre as partes, quando o não são pois reconduzem-se ao critério orientador do art. 1793º do CPC, e, portanto, essenciais à decisão da causa.
S)- As provas requeridas deveriam ter sido objecto de despacho quanto a tal, o que não ocorreu, nem se realizou a audiência onde, pelo menos a prova testemunhal, seria objecto de produção e análise crítica, sobre que as partes teriam algo a dizer em sede de alegações.
T)- Argui-se, nos termos dos arts. 195º e ss. do CPC, a nulidade de tais omissões, enquanto formalidades impostas pela lei do processo, as quais afectam directa e necessariamente o acto subsequente que é a sentença ora em recurso.
U)- Foram violados os arts. 986º nºs 1 e 2, bem como o art. 295º, ambos do CPC, bem como o princípio inquisitório.
III- Violação dos limites do caso julgado:
V)- A atribuição provisória do direito de habitação da casa de morada de família, a que se refere o art. 931º nºs 2 e 7, do CPC, vem sendo pacificamente norteada pelo critério orientador patente no art. 1793º nºs 1 e 2, do CC.
X)- Sem se ignorar que aqui se trata de uma atribuição provisória, o art. 1973º do CC, foi pensado para a atribuição definitiva de tal direito de habitação e prevê a fixação de arrendamento a favor do recipiente do direito de habitação da casa de morada de família, quando o imóvel seja comum do casal ou apenas propriedade do outro, ou a sua sub-rogação, em detrimento do outro, na titularidade de um direito pré-existente, operando-se uma alteração subjectiva numa relação jurídica negocial já em efeito.
Z)- Na primeira hipótese, cria-se uma relação jurídica nova, o arrendamento, que implicará o pagamento de uma renda, como contrapartida.
AA)- Na segunda, mantém-se uma relação jurídica já existente, instituindo-se o beneficiário do direito de habitação como titular dos direitos e deveres a que a referida relação jurídica já se achava subordinada, não afectando a esfera jurídica e patrimonial do proprietário do imóvel, que já antes estava condicionado por essa relação existente, e assim continuará, nos moldes legal e contratualmente definidos de antemão.
AB)- Porém, não é o que ocorre no caso vertente.
AC)- Os proprietários actuais do imóvel, tios do Recorrente, alheios a este processo, vêm o seu imóvel onerado com a ocupação pela Requerente, sem contrapartidas, sem sequer terem sido ouvidos e sem sequer serem partes nos autos.
AD)- A atribuição do direito de habitação da casa de morada de família constitui direito susceptível de registo, cf. art. 2º nº1 al. a) do CRPredial, e, portanto, oponível a terceiros, cf. art. 5º nº 1 do mesmo diploma,...

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