Acórdão nº 5482/14.0T8ALM-B.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-27

Ano2022
Número Acordão5482/14.0T8ALM-B.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.RELATÓRIO


1.–No âmbito de execução contra si intentada vieram os executados A [Maria ….], B [Rodrigo ….] e C [João ….] deduzir embargos de executado alegando a prescrição da acção e a consequente inexigibilidade da obrigação exequenda e a incapacidade do avalista para prestar o aval.
Terminam pedindo a procedência dos embargos com a consequente extinção da execução.
2.–O exequente contestou, defendendo a improcedência da oposição.
3.–Foi proferido despacho saneador com fixação do objecto do litígio e temas de prova.
4.–Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença julgando os embargos improcedentes.

5.–Inconformados, os embargantes recorrem desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
a)-A sentença recorrida ao julgar os embargos deduzidos pelos ora Recorrentes improcedentes enferma de erro na apreciação e valoração da prova produzida e no direito aplicável, não podendo, em consequência, ser mantida.
b)-A sentença deu como provados os factos constantes sob os n°s 1 a 8 da sua Fundamentação da Facto, que se dão aqui por reproduzidos, mas não deu, contudo, como provado que "Ao propor a ação executiva, a exequente sabia que Rodrigo .... tinha falecido e que os embargantes eram os seus sucessores";
c)-Ora, este último facto deve, também, ser considerado provado porquanto a Exequente, ao juntar como doc. 2, com o requerimento para a habilitação dos herdeiros, certidão emitida, em 13-10-2014, pela 1a Conservatória dos Registos Predial e Comercial de Almada, tomou por esta conhecimento do óbito do avalista Rodrigo .... e de quem eram os seus sucessores pelo que à data em que intentou a execução em 19-11-2014, já sabia, e não podia ignorar, que o executado Rodrigo .... já tinha falecido bem como quem lhe sucedeu.
d)-O que vale por dizer que a Exequente não só actuou com negligência ao propor, em 19-11-2014, a execução contra o avalista Rodrigo ...., já falecido, como, ao requerer a habilitação dos herdeiros, ora Recorrentes, em 1-9-2016, fê-lo, sem proceder ao pagamento da taxa de justiça devida que só veio a pagar, a notificação da secretaria judicial, já decorrido todo o prazo prescricional.
e)-Com efeito, o prazo prescricional do aval prestado teve o seu início em 11-12-2014 e o seu termo em 11-12-2017 e, ao contrário do decidido pela sentença "a quo", não ocorreu qualquer facto interruptivo da prescrição.
f)-E os Recorrentes, enquanto herdeiros do falecido avalista, apenas foram citados para o incidente de habilitação em 27-07-2018 (Rodrigo ....), 30-72018 (Maria ….) e 06-08-2018 (João ….) conforme consta do facto dado como provado sob o n° 8.
g)-Ora, a falta de pagamento atempado da taxa de justiça deveu-se a facto imputável à Exequente que não pode prevalecer-se da demora da secretaria em notificá-la para o fazer, sob pena de, assim se não entendendo, se desvirtuar o disposto no art° 323° n° 2 do Código Civil.
h)-A tese sustentada pela sentença recorrida segundo a qual a única falta que se pode assacar à Exequente com influência no tempo da citação, foi a falta de junção da taxa de justiça ao incidente de habilitação "(...) mas neste caso, unicamente se lhe imputaria o prazo de cinco dias posterior reservado à secretaria para a notificar para pagar a quantia em falta e a multa e o tempo concedido para o pagamento desde a notificação (vinte dias), num total de vinte e cinco dias (...)" é, no entender dos Recorrentes, desconsiderar, totalmente, o sentido e alcance do art° 323° n° 2 do Código Civil que apenas admite que se presuma interrompida a prescrição se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias após ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente.
i)-No caso concreto, aquela presunção não se verifica uma vez que a citação dos ora Recorrentes não se pôde fazer nos cinco dias após ter sido requerida, por causa apenas imputável à Recorrente que não procedeu ao pagamento da taxa de justiça não dando, assim, o impulso processual devido. E quando o fez, ainda que a notificação da secretaria judicial, já o prazo prescricional tinha decorrido, na íntegra.

j)-O que está, inteiramente, em consonância com a interpretação sustentada no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no proc. 3432/14.3TBVNG-A P1, de 16-10-2017 (in.www.dgsi.pt) em cujo sumário se lê:
"IA hipótese do n° 2 do art° 323° do Código Civil requer para o seu funcionamento que a citação não se efetive nos cinco dias subsequentes à instauração da ação, por causa não imputável ao autor ou exequente, ficcionando-se, nessa eventualidade, a interrupção da prescrição.
II.Esta previsão legal é também aplicável aos casos em que o processo se inicia com um vício imputável ao autor ou exequente, impeditivo da realização da citação, vício suprido espontânea ou a convite do tribunal pelo menos cinco dias antes da data em que se completaria a prescrição.
III.Nos casos em que a não efetivação da citação é imputável ao autor ou exequente, mas também aos serviços de justiça por não terem atempadamente convidado aquele a suprir as patologias obstativas da efetivação da citação, o n° 2 do art° 323° do Código Civil não é aplicável, só o sendo quando a não efetivação da citação não é imputável àquele que instaurou a ação".

k)-Donde, a sentença recorrida ao considerar que a citação tardia dos Recorrentes, já após consumado o prazo prescricional não se deveu a causa imputável à Exequente, ora Recorrida, enferma de erro na aplicação da lei aos factos com violação do disposto no art° 323° n° 2 do Código Civil, não podendo, em consequência, ser mantida.
I)-Acresce que a sentença recorrida ao ter dado, e bem, como provado que à data de 12 de Outubro de 2010 o avalista Rodrigo ..... sofria de doença de Alzheimer e não tinha capacidade de entender e querer o aval prestado nesse dia, considerou, não obstante, que esse facto não era, só por si, suficiente para considerar ineficaz a prestação do aval violou o disposto no art° 246° do Código Civil ao caso aplicável, quando nele se prescreve que se o declarante não tiver consciência de fazer uma declaração negociai esta não produzirá qualquer efeito.
m)-Embora os Embargantes, face à total incapacidade para entender e querer de Rodrigo .... à data da prestação do aval, que expressamente invocaram e provaram, tenham indicado como norma violada a constante do art° 257° do C. Civil é sabido que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito (cfr. art. 5° n° 3 do C.P.C) pelo que ante os factos inequivocamente dados como provados, teria de aplicar ao caso a norma constante do art° 246° do Código Civil segundo a qual uma declaração de vontade não produzirá qualquer efeito, se o declarante não tiver consciência de fazer uma declaração negocial.
n)-Assim não tendo decidido, violou a sentença recorrida aquela disposição legal não podendo também, por esse motivo, ser mantida”.

6.–Em sede de contra-alegações, o exequente defendeu a improcedência do recurso
*

II.–QUESTÕES A DECIDIR

Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são:
- da impugnação da matéria de facto;
- da prescrição do direito de acção contra os embargantes;
- da invalidade do aval.
*

III.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso decidiu os factos do seguinte modo:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

1.–No dia 12 de Outubro de 2010, a Transportes Beira Rio, S.A. subscreveu e Rodrigo …. (doravante Rodrigo .....) avalizou – no verso escrevendo “Bom por aval à firma subscritora” e após assinando o seu nome – uma livrança, de que a exequente é portadora, com a data de vencimento de 10 de Outubro de 2014 e com o valor de 212.826,84 euros.
2.–No dia 12 de Outubro de 2010, a Transportes Beira Rio, S.A., representada no acto por Rodrigo …., outorgou escritura notarial de constituição de hipotecas.
3.–À data de 12 de Outubro de 2010, Rodrigo …. tinha doença de Alzheimer e não tinha capacidade de entender e querer o aval por si prestado na livrança.
4.–No dia 11 de Agosto de 2012, Rodrigo .... faleceu.
5.–No dia 19 de Novembro de 2014, a exequente propôs a acção executiva apensa, com fundamento na livrança, contra Transportes Beira Rio, S.A. e Rodrigo …. .
6.–No dia 01 de Setembro de 2016, a exequente deduziu incidente de habilitação dos embargantes como sucessores de Rodrigo …. .
7.–No dia 28 de Dezembro de 2017, a exequente foi notificada para pagar a taxa de justiça devida pelo incidente e a multa até dia 16 de Janeiro de 2018, data em que comprovou tê-lo feito.
8.–No dia 25 de Maio de 2018, foi determinada, por despacho judicial, a citação dos requeridos do incidente, o que foi concretizado a 27-07-2018 (Rodrigo ....), 30-07-2018 (Maria ....) e 06-08-2018 (João ....).

Factos não provados.

Ao propor a acção executiva, a exequente sabia que Rodrigo …. tinha falecido e que os embargantes eram os seus sucessores.

À data de 12 de Outubro de 2010, a incapacidade de entender e querer de Rodrigo …., designadamente, de entender e querer prestar o aval era notória e visível.”.
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IV.–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar.

1.Da impugnação da matéria de facto:
Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Por outro lado, dispõe o art. 640º, nº 1 do CPC que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de
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