Acórdão nº 548/22.6T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15-02-2024
Data de Julgamento | 15 Fevereiro 2024 |
Número Acordão | 548/22.6T8VNF.G1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
1) AA (Recorrente) propôs, contra BB (Recorrido), a presente ação especial de inventário, através da qual pretende a partilha do património comum do casal que entre ambos foi constituído, na sequência da respetiva dissolução por divórcio.
Alegou, em síntese, que: requerente e requerido foram casados entre si, vigorando entre eles o regime da comunhão geral de bens, conforme convenção antenupcial que celebraram; existe património comum.
Depois de nomeado para exercer o cargo de cabeça-de-casal, o requerido apresentou relação de bens, na qual incluiu: sob a verba n.º 2 do ativo, o veículo automóvel da marca ..., com a matrícula ..-VZ-.., no valor de € 10 000,00; sob a verba n.º 1 do passivo, uma dívida para com a EMP01... – Sociedade Financeira de Crédito, SA, emergente de um empréstimo para a aquisição do referido veículo, no “valor aproximado” (sic) de € 17 409,81.
Notificada da relação de bens, a requerente apresentou reclamação em que, quanto ao referido veículo, disse que o seu valor não é inferior a € 27 000,00, pedindo que a relação de bens seja “corrigida” (sic) em conformidade.
O cabeça-de-casal respondeu dizendo que o valor indicado na relação de bens é o real e correto.
No dia 15 de fevereiro de 2023, a requerente apresentou requerimento em que disse ter constatado, entretanto, que: o referido veículo havia-lhe sido cedido, na vigência do casamento, através de um contrato de aluguer de longa duração a consumidor, que previa a opção de compra, no termo do respetivo prazo, mediante o pagamento de um valor residual; entretanto, já depois da dissolução do casamento, procedeu ao pagamento desse valor e adquiriu para si a propriedade do veículo que, assim, é bem próprio seu. Concluiu pedindo a eliminação da verba n.º 2 do ativo.
O cabeça-de-casal respondeu dizendo que: a requerente teve sempre conhecimento da situação jurídica do veículo; não tendo reclamado oportunamente da sua inclusão na relação de bens, ocorreu “caso julgado formal” (sic); de qualquer modo, a aquisição do direito de propriedade deve retroagir ao momento em que foi celebrado o contrato de aluguer, com opção de compra; por essa razão, o veículo é bem comum do casal, assim devendo permanecer relacionado.
No dia 14 de abril de 2023, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Pese embora resulte da documentação junta que o veículo ..., matrícula ..-VZ-.., nunca foi bem comum do casal, pois estava na posse do dissolvido casal por força da celebração de um contrato de aluguer de longa duração, o certo é que não merece contestação que na pendência do casamento as prestações foram pagas com bens próprios.
Assim, a relação de bens deverá ser corrigida por forma a que, em substituição do veículo ..-VZ-.., passe a constar como crédito de cada um dos interessados sobre o património comum o valor correspondente a 50% das prestações pagas, desde a celebração do contrato até à aquisição pela requerente.
1. Face ao decidido, notifique as partes sobre a manutenção do interesse na avaliação do veículo.”
Notificada, a requerente veio pedir, no dia 30 de maio de 2023, a aclaração do despacho acabado de transcrever, alegando, designadamente, que o mesmo “não é esclarecedor quanto aos pedidos formulados pela requerente no que concerne à consideração do veículo ... como bem comum, sua exclusão da relação de bens e efeitos daí decorrentes. Pois se, talqualmente referido, considerou – e bem – este Tribunal, que tal veículo, não é bem comum do casal, impondo-se a sua exclusão da relação de bens, por outro, substituiu tal veículo por um direito de crédito 50% a cada um dos interessados sobre o património comum, até à data da aquisição do veículo pela requerente, tendo por subjacente a consideração de que na constância do matrimónio, as prestações do mesmo foram pagas com bens próprios, o que s.m.o., não é possível e carece de melhor fundamentação ou correção. Solicita-se pois, a este Tribunal, a amabilidade de se proceder a uma aclaração do referido despacho, de forma a que melhor se possa ajuizar do mesmo quanto às considerações ali vertidas.”
Após contraditório do cabeça-de-casal, foi proferido, com data de 4 de julho de 2023, despacho do seguinte teor:
“Do pedido de aclaração de despacho 14.4.2023:
O segmento do despacho relativamente ao qual vem pedido esclarecimento é o seguinte: Pese embora resulte da documentação junta que o veículo ..., matrícula ..-VZ-.., nunca foi bem comum do casal, pois estava na posse do dissolvido casal por força da celebração de um contrato de aluguer de longa duração, o certo é que não merece contestação que na pendência do casamento as prestações foram pagas com bens próprios.
Assim, a relação de bens deverá ser corrigida por forma a que, em substituição do veículo ..-VZ-.., passe a constar como crédito de cada um dos interessados sobre o património comum o valor correspondente a 50% das prestações pagas, desde a celebração do contrato até à aquisição pela requerente.
Com o aludido despacho o que se pretendeu dizer e talvez não tenha ficado suficientemente claro (pelo erro material que infra se esclarecerá) foi que, pese embora a circunstância de veículo ..., matrícula ..-VZ-.., nunca ter sido bem comum do casal, pois estava na posse do dissolvido casal por força da celebração de um contrato de aluguer de longa duração, o certo é que na pendência do casamento foram sendo pagas prestações/rendas com bens comuns, tendo a interessada beneficiado em exclusivo desses pagamentos pois adquiriu o veículo pelo valor residual.
Efectivamente, o valor residual foi calculado tendo por base as prestações/rendas pagas, beneficiando a interessada da contribuição do interessado/cabeça de casal que durante a vigência do casamento contribuiu com 50% da prestação/renda de um bem que, por força do clausulado contratual, veio a ser adquirido pela interessada.
Assim, em bom rigor, o despacho carece efectivamente de retificação, por forma a que do mesmo conste que apenas o cabeça de casal tem um crédito sobre o património comum do casal sobre as 50% das prestações, pois a contribuição da interessada já foi considerada na aquisição do veículo, que agora é sua propriedade exclusiva por força do pagamento do valor residual.”
***
2) Inconformada com o assim decidido, a Requerente / Recorrente interpôs o presente recurso, através do qual pretende a revogação do despacho de 4 de julho de 2023 “no sentido de não ser reconhecido ao Requerido / Recorrido o crédito ali atribuído”, nos termos das seguintes conclusões:“1- A decisão recorrida, carece de suporte e fundamentação legal, que o Tribunal “a quo” não indica, nem esclarece, resultando tal decisão, aparentemente de um mero raciocínio ou presunção por parte do Tribunal recorrido, que não sustenta o despacho recorrido em qualquer norma jurídica, decidindo apenas segundo a sua perspetiva.
2- A decisão recorrida viola pois os arts. 607º, nº 3, e 608º, nº 2 do CPC, o que gera a nulidade de tal decisão, ao abrigo do art.º 615º n.º 1 al. b) do C.P.C. o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
3 - Padece a decisão recorrida de um erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação do direito, afetando e viciando a decisão, no sentido em que, atribui o Tribunal “a quo” ao recorrido, um direito de crédito de que não pode beneficiar, por não ter qualquer suporte legal.
4 - Considerou erradamente o Tribunal “a quo” que o cabeça de casal/recorrido, tem um crédito sobre o património comum do casal correspondente a 50% das prestações pagas na vigência de um contrato de aluguer de longa duração de um veículo, por tal veículo ter vindo a ser adquirido pela recorrente e com recurso a bens próprios já após dissolução do matrimónio.
5 - Tendo a recorrente, adquirido a propriedade do referido veículo ..., após o divórcio e com recurso a dinheiro próprio seu, o bem em causa, passou a ser um bem próprio desta, nos termos dos artigos 874º e 879º al. “a”, 1316º e 131º al. “a” todos do C.C., o que foi já confirmado pelo Tribunal recorrido.
6 - A inclusão do veículo ..., no acervo patrimonial comum a partilhar nos presentes autos, padeceu desde o início de manifesto erro, comum á recorrente e recorrido, pois caso tivessem efetivo conhecimento e/ou consciência dos direitos inerentes ao contrato de aluguer que celebraram, teriam assumido “ab initio” que tal veículo nunca foi propriedade deles, tal verba, nunca teria constado da relação de bens dos presentes autos e consequentemente, também nenhum crédito a favor do recorrido teria sido relacionado.
7 - A quantia de € 17.643,72 a pagar pela recorrente, no final do contrato, caso optasse por adquirir o veículo, ficou previamente estabelecida e seria sempre a mesma, independentemente da recorrente exercer – ou não – aquela opção de compra e caso não tivesse optado por adquirir o veículo, a recorrente apenas teria de proceder à sua devolução, de forma imediata à ..., considerando-se o contrato de aluguer dessa forma cessado, o que também não geraria qualquer crédito ao recorrido sobre o património comum nos termos em que o Tribunal “a quo” agora justifica a sua existência.
8 – O contrato de aluguer, não gera a favor de nenhum dos contraentes, qualquer direito de crédito, na medida em que, a contrapartida pelo pagamento da renda, foi precisamente a utilização daquele bem e nunca esteve em causa um contrato de compra e venda do veículo.
9 – O Tribunal “a quo” não indica em que normas jurídicas se baseou para concluir que no contrato em apreço, o valor final de compra e venda, tem sempre de ter por base obrigatoriamente os valores pagos na vigência do contrato, nem tal resulta de qualquer prova apresentada pelo recorrido nos autos.
10 - Talqualmente sucede num contrato de arrendamento habitacional, o preço a pagar pela opção de aquisição do imóvel não tem obrigatoriamente de ter subjacente as rendas...
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